segunda-feira, 9 de maio de 2022

Será que o “fim” é mesmo o fim?


Será que o “fim” é mesmo o fim?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por mais que tenhamos caminhado ao longo desses 522 anos de história, a consciência cidadã do povo brasileiro ainda é muito frágil e incipiente, dadas as próprias conjunturas que a vem constituindo.

É por essa razão é que não me permito entusiasmar pelo movimento que se formou diante da regularização das obrigações eleitorais e da emissão de títulos por vasto contingente jovem. Foi um passo importante? Claro, que sim! Mas, está longe de ser o essencial, o suficiente, e, por isso, me preocupa.

Sou plenamente capaz de compreender o desalento, a frustração, o desespero, a indignação, que vem consumindo milhões de brasileiros nesses últimos quatro anos. O país virou de cabeça para baixo literalmente! Não só pela Pandemia, ainda curso, que representou um peso adicional muito superior à sua capacidade de sobrevivência; mas, pelo arranjo que se estabeleceu para a governança nacional.

Daí essa ânsia desesperada por mudança, por uma retomada de rumos. As pessoas estão ávidas por colocarem suas vidas nos trilhos novamente. Por respirar aliviadas, sem sobressaltos. E esse é justamente o ponto nevrálgico que exige uma reflexão e uma consciência, a qual eu não sei se a população, de fato, é capaz.

Vamos e convenhamos, o cenário atual do Brasil é sim, de terra arrasada. O país não cresceu. O país não se desenvolveu. O país só fez retroceder. Resultado do desmantelamento institucional que aconteceu, algo semelhante ao que ocorre quando o arado varre o campo arrastando tudo sem deixar nada de pé.

Pois é, a miséria voltou. A pobreza voltou. A inflação de dois dígitos voltou. Os juros exorbitantes voltaram. A desvalorização da moeda nacional voltou. O desemprego voltou. A precarização do trabalho voltou. Enfim ...

Como se tivéssemos entrado em um túnel do tempo que faz lembrar um Brasil anterior à 1994, quando o impossível para a configuração econômica brasileira aconteceu, a resolução de uma das piores crises inflacionárias do mundo. Afinal, o país amargava uma alta de preços que chegava a subir 3.000% ao ano.

Quem viveu esse horror sabe bem o que era o Brasil. Mas, para as novas gerações, talvez, pela lacuna temporal isso seja difícil de compreender. Mas, o fundamental é ter em mente a dimensão da gravidade do que se entende por desmantelamento, tendo em vista que o núcleo de toda a desestruturação de um país parte do seu sistema econômico.

Afinal de contas, qualquer gestão depende de orçamento, depende de recursos. Então, quando ele se torna escasso ou as atividades são interrompidas ou os endividamentos começam a se proliferar, criando verdadeiras bolas de neve, cuja conta recai sempre sobre os ombros da população, através de mais impostos e tributos.

E foram décadas vivendo nesse inferno, apesar de inúmeras tentativas dos economistas em vencer as crises que se sobrepunham. Planos Cruzado I e II (1986). Plano Bresser (1987). Plano Verão (1989). Planos Collor I e II (1990 e 1991). Virava daqui, mexia dali, e o brasileiro aprendia a conviver com novas moedas, com “corte de zeros, tablitas de reajuste, congelamento de preços, gatilho salarial, indexadores, confisco” 1.

Então, eu fico me perguntando se toda essa gente eufórica, movida por fiapos de esperança desesperada, terá a paciência necessária para reconstruir esse Brasil de terra arrasada? Sim, porque aquele que vir a vencer a eleição em outubro não tem o poder de representar por si mesmo o milagre da transformação da noite para o dia.

Tal qual a noite de ano novo não muda por si só qualquer ano em forma e conteúdo, o mesmo acontece no processo eleitoral. Como diria Carlos Drummond de Andrade, “[...] É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre” 2. Certamente que à revelia de muitos de nós, foi instituída uma crise econômica grave, muito grave, no país.

Que trouxe consigo retrocessos para vários setores e prejuízos incalculáveis para a população. E durante esse processo caótico e irresponsável, não houve parcimônia e responsabilidade nos gastos públicos. Nem pelo Executivo Federal e nem pelo Congresso Nacional. O que piora ainda mais a situação de reconstrução.

Além disso, temos uma dívida pública robusta que cria severos obstáculos para gerir o país e cumprir as responsabilidades; sobretudo, as mais urgentes. Daí a necessidade de saber se as pessoas estão realmente cientes e conscientes de tudo isso ou preferem se iludir na expectativa de uma mágica surpreendente.

Sinto muito; mas, estamos cobertos por um manto remendado de fracassos. Estamos distantes, anos luz, de um lampejo de sucesso. A destruição chegou de maneira objetiva, materializada por ações; mas, também, subjetiva, materializada por ideologias retrógradas e desalinhadas ao tempo e ao espaço. Por isso, não vai ser em um piscar de olhos que vamos renascer das cinzas.

O momento que se impõe, para todos nós, sem exceção, não faz outra coisa senão gritar o refrão, “[...] Reconhece a queda / E não desanima / Levanta, sacode a poeira / Dá a volta por cima” 3. Mas, para isso não pode ter preguiça, não pode ter hesitação. Como dizia João Guimarães Rosa, “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem” (Grande Sertão: Veredas). No entanto, coragem pede atenção, pede sabedoria, pede consciência, pede reflexão.

Desse modo, caro (a) leitor (a), prezado (a) cidadão (a), parafraseando Drummond, não sejamos poetas de um mundo caduco, que se esquece do hoje para cantar o mundo futuro. Temos que nos prender à vida e olhar nossos companheiros, porque eles estão calados mas nutrem grandes esperanças. Neles está a nossa perspectiva da realidade. Afinal, ainda que o presente seja algo tão grande, não podemos nos afastar, nos desagregar. Precisamos e devemos seguir de mãos dadas 4.



1 Planos econômicos fracassaram em derrotar a superinflação até a chegada do Real - https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/355/noticia

2 Receita de Ano Novo – Carlos Drummond de Andrade.

3 Volta por cima (Paulo Vanzolini) - https://www.letras.mus.br/beth-carvalho/191125/

4 Mãos dadas – Carlos Drummond de Andrade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Acredito que todo comentário é o resultado da disposição de ler um texto até o final, ou seja, de uma maneira completa e atenta, a fim de extrair algo de bom, de interessante, de reflexivo, e, até quem sabe, de útil. Sendo assim, meus sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado ao meu texto e por suas palavras.