Qual
é o preço do progresso?
Por
Alessandra Leles Rocha
Cada dia mais me faço a seguinte
pergunta: ‘qual é o preço do progresso’’?
E um dos gatilhos para isso é a televisão. Pois é, esse instrumento de
comunicação que veio conviver com os brasileiros, a partir da década de 50, já
dá sinais de ter cumprido o seu papel, para o qual fora pensado inicialmente. Não
só pelas mudanças no perfil dos aparelhos e das tecnologias empregadas; mas,
pela forma dos conteúdos e apresentações. A sociedade rendida aos encantos da “caixinha mágica”, agora, troca chamegos
e atenções com o universo dos computadores, tablets,
smartphones, enquanto mergulha de
cabeça no universo frenético das comunicações e informações despejadas aos trilhões
por segundo.
Isso é incrível! Esse mundo novo
descortinou uma sociedade multitarefas que não quer mais parar para ter acesso
aos conteúdos informativos, de entretenimento, de educação, de qualificação
profissional, ... A acessibilidade tecnológica precisa se traduzir em “ a qualquer hora e em qualquer lugar”, ponto
final. De modo que ela chegou trazendo uma revolucionária construção para os conteúdos,
que precisam caber nas demandas; bem como, nas próprias estruturas tecnológicas.
E é nesse ponto que “o preço do progresso”
começa a nos entristecer.
Primeiro, porque, da mesma
maneira que ocorreu com a TV, esses novos equipamentos tecnológicos aparecem
demarcando as fronteiras da desigualdade, em razão do custo de investimento que
representam. Quanto mais high-tech
pior! Ora, a evolução tecnológica, em pleno século XXI, representa uma alternância
muito mais veloz do que aconteceu com a própria TV, em pouco mais de 70 anos de
existência. As mudanças, agora, acontecem quase que anualmente. Enquanto as
disparidades sociais se reafirmam paralelamente com mais intensidade. É uma
queda de braços, então, inglória!
Segundo, em razão do surgimento
dos streamings, ou seja, da
tecnologia de transmissão de dados pela internet, principalmente de áudio e
vídeo, sem a necessidade de baixar esses conteúdos e afetar a quantidade de
memória dos aparelhos. Acontece que as plataformas fornecedoras dessa
tecnologia, ainda que ofereçam uma gratuidade temporária para captar clientes,
elas dispõem de uma taxa mensal ou anual para assinatura. Aliás, é com base nessa
cobrança que os assinantes têm a possibilidade do download de conteúdos do seu interesse.
No entanto, cada plataforma tem o
seu acervo próprio de filmes, séries, documentários, músicas e outros
conteúdos. Isso significa que se os produtos que você se interessa estão em
plataformas diferentes, você é obrigado a ter contas diferentes para acessá-los
e, por consequência, ter que pagar diferentes valores por isso. Considerando a
realidade econômica do país, nesse momento, em plena Pandemia, isso acaba sendo
um “luxo” para algumas pessoas,
alguns grupos sociais. Portanto, mais um fator de seletivização, de segregação
social.
De modo que “o preço do progresso” começa a mostrar a dimensão do quanto ele afeta
na formação cidadã e intelectual das pessoas, mais uma vez, ao longo da
história. Recentemente, em 2020, no auge do início da Pandemia, quando as
escolas e demais instituições de ensino se viram obrigadas a oferecer o ensino
à distância, confirmou-se a triste realidade da inacessibilidade digital entre
alunos e professores, agravando os prejuízos de ensino-aprendizagem durante esse
período. Isso traz a dimensão de quantos Brasis existem no Brasil e a própria população
não se dá conta.
Ensimesmados em nossas bolhas, individualmente
movidos pelo frenesi da contemporaneidade, passamos anos e anos sem olhar para
os lados, ou para frente, ou para cima. Absortos pela ignorância confortável
advinda de pequenos privilégios e regalias que, ainda, desfrutamos. Sim, porque
sobreviver no Brasil está cada vez mais desafiador. O desemprego, o
empobrecimento, o caos econômico, está nos empurrando contra os limites das
nossas fronteiras de inclusão e pertencimento social. Mas, isso é só a ponta do
iceberg.
O que tantas perdas querem nos
dizer, na verdade, é que estamos nos distanciando do acesso à informação, aos veículos
de comunicação, a formação intelectual, ao entretenimento. Quando se pensa que,
em pleno século XXI, ainda há pessoas sem acesso aos benefícios da
eletrificação, sem jamais terem pisado em uma sala de cinema, que nunca
assinaram uma revista ou jornal, que não dispõem de uma biblioteca pública
próxima da sua residência, que não puderam comprar um livro, ... aí sim,
percebemos o quão mergulhados estamos na ignorância em razão da desigualdade, incluindo
a tecnológica.
E isso, caro (a) leitor (a) não é
apenas grave, é gravíssimo! Afinal, a realidade atual avilta tanto a Declaração
Universal Dos Direitos Humanos (1948), no seu artigo 27, inciso 1, que diz “Toda pessoa tem o direito de tomar parte
livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no
progresso científico e nos benefícios que deste resultam” 1,
quanto o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, de [1966] 1976 2, ambos propostos
pela Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificados pelos países membros.
Entretanto, como escreveu George
Orwell, em seu livro 1984, “se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande
massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se
alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais
cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não
tinha função nenhuma e acabaria com ela”. Para se evitar esse “mal maior”, então, continua-se mantendo
as desigualdades nos seus devidos lugares, sob o silêncio desconcertante da sua
própria trivialização.