quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Qual é o preço do progresso?


Qual é o preço do progresso?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cada dia mais me faço a seguinte pergunta: ‘qual é o preço do progresso’’? E um dos gatilhos para isso é a televisão. Pois é, esse instrumento de comunicação que veio conviver com os brasileiros, a partir da década de 50, já dá sinais de ter cumprido o seu papel, para o qual fora pensado inicialmente. Não só pelas mudanças no perfil dos aparelhos e das tecnologias empregadas; mas, pela forma dos conteúdos e apresentações. A sociedade rendida aos encantos da “caixinha mágica”, agora, troca chamegos e atenções com o universo dos computadores, tablets, smartphones, enquanto mergulha de cabeça no universo frenético das comunicações e informações despejadas aos trilhões por segundo.

Isso é incrível! Esse mundo novo descortinou uma sociedade multitarefas que não quer mais parar para ter acesso aos conteúdos informativos, de entretenimento, de educação, de qualificação profissional, ... A acessibilidade tecnológica precisa se traduzir em “ a qualquer hora e em qualquer lugar”, ponto final. De modo que ela chegou trazendo uma revolucionária construção para os conteúdos, que precisam caber nas demandas; bem como, nas próprias estruturas tecnológicas. E é nesse ponto que “o preço do progresso” começa a nos entristecer.

Primeiro, porque, da mesma maneira que ocorreu com a TV, esses novos equipamentos tecnológicos aparecem demarcando as fronteiras da desigualdade, em razão do custo de investimento que representam. Quanto mais high-tech pior! Ora, a evolução tecnológica, em pleno século XXI, representa uma alternância muito mais veloz do que aconteceu com a própria TV, em pouco mais de 70 anos de existência. As mudanças, agora, acontecem quase que anualmente. Enquanto as disparidades sociais se reafirmam paralelamente com mais intensidade. É uma queda de braços, então, inglória!

Segundo, em razão do surgimento dos streamings, ou seja, da tecnologia de transmissão de dados pela internet, principalmente de áudio e vídeo, sem a necessidade de baixar esses conteúdos e afetar a quantidade de memória dos aparelhos. Acontece que as plataformas fornecedoras dessa tecnologia, ainda que ofereçam uma gratuidade temporária para captar clientes, elas dispõem de uma taxa mensal ou anual para assinatura. Aliás, é com base nessa cobrança que os assinantes têm a possibilidade do download de conteúdos do seu interesse.

No entanto, cada plataforma tem o seu acervo próprio de filmes, séries, documentários, músicas e outros conteúdos. Isso significa que se os produtos que você se interessa estão em plataformas diferentes, você é obrigado a ter contas diferentes para acessá-los e, por consequência, ter que pagar diferentes valores por isso. Considerando a realidade econômica do país, nesse momento, em plena Pandemia, isso acaba sendo um “luxo” para algumas pessoas, alguns grupos sociais. Portanto, mais um fator de seletivização, de segregação social.

De modo que “o preço do progresso” começa a mostrar a dimensão do quanto ele afeta na formação cidadã e intelectual das pessoas, mais uma vez, ao longo da história. Recentemente, em 2020, no auge do início da Pandemia, quando as escolas e demais instituições de ensino se viram obrigadas a oferecer o ensino à distância, confirmou-se a triste realidade da inacessibilidade digital entre alunos e professores, agravando os prejuízos de ensino-aprendizagem durante esse período. Isso traz a dimensão de quantos Brasis existem no Brasil e a própria população não se dá conta.

Ensimesmados em nossas bolhas, individualmente movidos pelo frenesi da contemporaneidade, passamos anos e anos sem olhar para os lados, ou para frente, ou para cima. Absortos pela ignorância confortável advinda de pequenos privilégios e regalias que, ainda, desfrutamos. Sim, porque sobreviver no Brasil está cada vez mais desafiador. O desemprego, o empobrecimento, o caos econômico, está nos empurrando contra os limites das nossas fronteiras de inclusão e pertencimento social. Mas, isso é só a ponta do iceberg.

O que tantas perdas querem nos dizer, na verdade, é que estamos nos distanciando do acesso à informação, aos veículos de comunicação, a formação intelectual, ao entretenimento. Quando se pensa que, em pleno século XXI, ainda há pessoas sem acesso aos benefícios da eletrificação, sem jamais terem pisado em uma sala de cinema, que nunca assinaram uma revista ou jornal, que não dispõem de uma biblioteca pública próxima da sua residência, que não puderam comprar um livro, ... aí sim, percebemos o quão mergulhados estamos na ignorância em razão da desigualdade, incluindo a tecnológica.

E isso, caro (a) leitor (a) não é apenas grave, é gravíssimo! Afinal, a realidade atual avilta tanto a Declaração Universal Dos Direitos Humanos (1948), no seu artigo 27, inciso 1, que diz “Toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam” 1, quanto o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de [1966] 1976 2, ambos propostos pela Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificados pelos países membros.

Entretanto, como escreveu George Orwell, em seu livro 1984, “se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela”. Para se evitar esse “mal maior”, então, continua-se mantendo as desigualdades nos seus devidos lugares, sob o silêncio desconcertante da sua própria trivialização.