domingo, 17 de outubro de 2021

Não existe amanhã sem o hoje


Não existe amanhã sem o hoje

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento informar, mas o futuro é uma escala matemática. Entre o hoje e o amanhã há no mínimo 24 horas, ou 1440 minutos, ou 86400 segundos. E nesse pequeno intervalo de tempo a vida acontece e surpreende. Imagina só, quando as pessoas se concentram sob o futuro na perspectiva de meses ou anos ... Tudo pode acontecer.

A grande questão é que, enquanto estão absorvidas por esse pensamento perdido no horizonte, o agora está em plena efervescência. A vida no hoje, não para por causa do futuro seja ele próximo ou distante. E por isso, ela cobra, ela exige, ela impõe a cada indivíduo o seu quinhão de responsabilidade e de ação. Não se trata de uma escolha.

Mas, como aqui é o Brasil ... tem sempre alguém dando um jeitinho de se safar e postergar o agora ao futuro, como se isso fosse realmente possível. E dentro desse movimento já secularmente institucionalizado, a vida tenta seguir. E como é difícil! Porque esse lançamento em queda livre rumo ao futuro não passa de subterfúgio para não pensar, não fazer, não agir. Simples assim.

Queiram ou não admitir, o caos em que mergulhou o país nesses últimos três anos é fruto disso. A pandemia foi só a “cereja” desse bolo deteriorado de problemas. Já no início de 2019, o governo já soprava a brasa da eleição de 2022, desviando o foco dos trabalhos para os bochichos dos corredores palacianos de Brasília e esquentando as apostas e as disputas. Enquanto os rumos do país se esfarelavam, fazendo sua imagem virar pó no cenário geopolítico internacional.

Então, quando eu vejo o cidadão brasileiro, a quem deveria interessar o equilíbrio e o sucesso da governança nacional para o seu próprio bem-estar, entretido nessa verdadeira guerra de torcida política organizada, sinto um profundo desânimo por entender que ninguém está de fato preocupado e interessado pelo agora.

Se estivessem, não teríamos chegado a mais de 600 mil vítimas pela COVID-19, nem 20 milhões de famintos, nem mais de 14 milhões de desempregados, nem a inflação acima de 10%, nem tarifaço de energia elétrica, nem crise hídrica, ... Então, se chegou é porque os movimentos e processos dentro do universo político-social, as manobras sobre o grande tabuleiro, estiveram voltados exclusivamente para atender as expectativas e as perspectivas do pleito eleitoral de 2022. O que torna óbvio o seu insucesso.

Enquanto se lançam em campanha eleitoral fora de hora, e totalmente irregular as regras previstas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a única campanha que precisava estar em curso é pela sobrevivência do país. Ou alguém se dispõe a governar a massa falida, resultado para o qual caminha o Brasil, hein?! Tudo o que se vê é desgoverno, é discurso retórico vazio, é promessa que não pode ser cumprida, é nada conectando a nada.

Então, como é possível que alguém consiga considerar a possibilidade de “quando 2022 chegar...” ou ficar discutindo 1ª, 2ª ou 3ª via para que algo seja feito em favor do país, em favor dos seus cidadãos. Se ainda não perceberam a “orquestra está tocando enquanto o Titanic afunda”. Há buracos por todo o casco do navio e a água só faz entrar e tem gente querendo retirá-la na base do dedal.  Sem contar que os “botes salva-vidas” já foram devidamente estipulados para atender as demandas de quem se beneficia de alguma importância.

Aliás, por incrível que pareça, a configuração desse cenário só tem feito demonstrar a fragilidade ou total incapacidade de muitos dos membros da classe política em se despontar como possibilidade para a próxima eleição. Porque se suas mentes e olhos estão voltadas para o futuro, se eles se permitem chafurdar em ofensas, inverdades e absurdos a todo momento contra seus eventuais concorrentes, eles não têm planos para além de si mesmos; portanto, o país é só um trampolim para os seus interesses pessoais. O que está ruim no agora pode, então, vir a ficar cada vez pior.

As constantes investidas das polarizações no Brasil não só desconstruíram a capacidade de construir uma lista de prioridades para o país; mas, de saber identificá-las em meio ao caos de mazelas existentes. Se não sabemos colocar em ordem decrescente os problemas, do pior para o menos pior, é fatídico que se caia na armadilha de discutir elementos pouco relevantes. Estão desperdiçando método, energia, recursos; mas, se continua patinando sem sair do lugar. A pergunta é, até quando?

Afinal, não é esse o tipo de “engajamento político-partidário” que se espera de uma população que sobrevive aos desafios diários que o Brasil impõe aos seus cidadãos há mais de 500 anos. Um comportamento inflamado, agressivo, apaixonado e, absolutamente, inconsistente de consciência cidadã, como adolescentes disputando sua autoridade nos pátios das escolas. É assim que o país se perde e leva consigo todas as suas possibilidades de transformação.

Não nos esqueçamos de que não existe amanhã sem o hoje. Como disse o ex-presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, “os únicos limites das nossas realizações de amanhã são as nossas dúvidas e hesitações de hoje”. Esta é a hora de “colocar a bola no chão”, parar, respirar, silenciar para ouvir, ler não só as linhas, mas as entrelinhas que o cotidiano apresenta. Só dessa maneira é possível recobrar a consciência e agir em favor do agora que, infelizmente, urge impiedoso e cruel.