Não
existe amanhã sem o hoje
Por
Alessandra Leles Rocha
Lamento informar, mas o futuro é
uma escala matemática. Entre o hoje e o amanhã há no mínimo 24 horas, ou 1440
minutos, ou 86400 segundos. E nesse pequeno intervalo de tempo a vida acontece
e surpreende. Imagina só, quando as pessoas se concentram sob o futuro na
perspectiva de meses ou anos ... Tudo pode acontecer.
A grande questão é que, enquanto
estão absorvidas por esse pensamento perdido no horizonte, o agora está em
plena efervescência. A vida no hoje, não para por causa do futuro seja ele
próximo ou distante. E por isso, ela cobra, ela exige, ela impõe a cada
indivíduo o seu quinhão de responsabilidade e de ação. Não se trata de uma
escolha.
Mas, como aqui é o Brasil ... tem
sempre alguém dando um jeitinho de se safar e postergar o agora ao futuro, como
se isso fosse realmente possível. E dentro desse movimento já secularmente
institucionalizado, a vida tenta seguir. E como é difícil! Porque esse
lançamento em queda livre rumo ao futuro não passa de subterfúgio para não
pensar, não fazer, não agir. Simples assim.
Queiram ou não admitir, o caos em
que mergulhou o país nesses últimos três anos é fruto disso. A pandemia foi só
a “cereja” desse bolo deteriorado de problemas. Já no início de 2019, o governo
já soprava a brasa da eleição de 2022, desviando o foco dos trabalhos para os
bochichos dos corredores palacianos de Brasília e esquentando as apostas e as
disputas. Enquanto os rumos do país se esfarelavam, fazendo sua imagem virar pó
no cenário geopolítico internacional.
Então, quando eu vejo o cidadão
brasileiro, a quem deveria interessar o equilíbrio e o sucesso da governança
nacional para o seu próprio bem-estar, entretido nessa verdadeira guerra de
torcida política organizada, sinto um profundo desânimo por entender que
ninguém está de fato preocupado e interessado pelo agora.
Se estivessem, não teríamos
chegado a mais de 600 mil vítimas pela COVID-19, nem 20 milhões de famintos,
nem mais de 14 milhões de desempregados, nem a inflação acima de 10%, nem
tarifaço de energia elétrica, nem crise hídrica, ... Então, se chegou é porque
os movimentos e processos dentro do universo político-social, as manobras sobre
o grande tabuleiro, estiveram voltados exclusivamente para atender as
expectativas e as perspectivas do pleito eleitoral de 2022. O que torna óbvio o
seu insucesso.
Enquanto se lançam em campanha
eleitoral fora de hora, e totalmente irregular as regras previstas pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a única campanha que precisava estar em
curso é pela sobrevivência do país. Ou alguém se dispõe a governar a massa
falida, resultado para o qual caminha o Brasil, hein?! Tudo o que se vê é
desgoverno, é discurso retórico vazio, é promessa que não pode ser cumprida, é
nada conectando a nada.
Então, como é possível que alguém
consiga considerar a possibilidade de “quando
2022 chegar...” ou ficar discutindo 1ª, 2ª ou 3ª via para que algo seja
feito em favor do país, em favor dos seus cidadãos. Se ainda não perceberam a “orquestra está tocando enquanto o Titanic
afunda”. Há buracos por todo o casco do navio e a água só faz entrar e tem
gente querendo retirá-la na base do dedal.
Sem contar que os “botes
salva-vidas” já foram devidamente estipulados para atender as demandas de
quem se beneficia de alguma importância.
Aliás, por incrível que pareça, a
configuração desse cenário só tem feito demonstrar a fragilidade ou total
incapacidade de muitos dos membros da classe política em se despontar como
possibilidade para a próxima eleição. Porque se suas mentes e olhos estão
voltadas para o futuro, se eles se permitem chafurdar em ofensas, inverdades e
absurdos a todo momento contra seus eventuais concorrentes, eles não têm planos
para além de si mesmos; portanto, o país é só um trampolim para os seus
interesses pessoais. O que está ruim no agora pode, então, vir a ficar cada vez
pior.
As constantes investidas das
polarizações no Brasil não só desconstruíram a capacidade de construir uma
lista de prioridades para o país; mas, de saber identificá-las em meio ao caos
de mazelas existentes. Se não sabemos colocar em ordem decrescente os
problemas, do pior para o menos pior, é fatídico que se caia na armadilha de
discutir elementos pouco relevantes. Estão desperdiçando método, energia,
recursos; mas, se continua patinando sem sair do lugar. A pergunta é, até
quando?
Afinal, não é esse o tipo de “engajamento político-partidário” que se
espera de uma população que sobrevive aos desafios diários que o Brasil impõe
aos seus cidadãos há mais de 500 anos. Um comportamento inflamado, agressivo,
apaixonado e, absolutamente, inconsistente de consciência cidadã, como
adolescentes disputando sua autoridade nos pátios das escolas. É assim que o
país se perde e leva consigo todas as suas possibilidades de transformação.
Não nos esqueçamos de que não
existe amanhã sem o hoje. Como disse o ex-presidente norte-americano Franklin
Delano Roosevelt, “os únicos limites das
nossas realizações de amanhã são as nossas dúvidas e hesitações de hoje”. Esta
é a hora de “colocar a bola no chão”,
parar, respirar, silenciar para ouvir, ler não só as linhas, mas as entrelinhas
que o cotidiano apresenta. Só dessa maneira é possível recobrar a consciência e
agir em favor do agora que, infelizmente, urge impiedoso e cruel.