Primavera...
Por
Alessandra Leles Rocha
Pelo andar da carruagem, pode ser
que em muito pouco tempo a humanidade não venha mais a desfrutar das estações
do ano dentro dos moldes conhecidos.
A velha ideia de que as variações
de temperatura naturais traziam a possibilidade de uma exibição da natureza,
diferenciada de tempos em tempos, foi, gradativamente, sendo alterada pelas
ações humanas sobre o planeta.
De modo que o esgotamento dos
recursos naturais levou à consumição desse equilíbrio restaurador do ambiente
ao ponto de se tornar incapaz de conter a velocidade das perdas e destruições.
Ainda assim, no hemisfério sul, é
dia de celebrar a Primavera. O que significa, segundo a Geografia, a existência
de uma inclinação do eixo da Terra capaz de possibilitar que os raios do Sol
possam incidir mais nessa região.
Desse modo, as temperaturas mais
amenas e o aumento da umidade do ar seriam as condições principais para a
floração e o desabrochamento das espécies vegetais. Algo que resulta, também,
na presença amplificada e disseminada das espécies animais; sobretudo, os
polinizadores, ou seja, abelhas, beija-flores, besouros, moscas, vespas.
Mas, ano a ano, a estação das
cores e da alegria tem se transformado bastante, em razão do uso e ocupação indiscriminada
do solo. Desde que a raça humana se colocou na posição majoritária da cadeia biológica,
todos os recursos naturais passaram a existir em função de suas demandas e
interesses, rompendo os princípios fundamentais dos ecossistemas.
O padrão evolutivo das espécies foi
abruptamente corrompido pelas ações humanas, de modo que inúmeras espécies foram
extintas e os reajustes nas cadeias biológicas promoveram desdobramentos sobre
todo o Meio Ambiente.
Isso significa que a beleza e o
encantamento da Primavera contemporânea, por exemplo, poderia ser muito maior. A
diversidade natural existente no mundo, hoje, é muito menor do que no início da
civilização humana.
Guardadas as devidas proporções, quando
se olha para as Florestas Tropicais pode se ter uma perspectiva do que foi esse
esplendor da pluralidade natural em formas, cores, tamanhos, odores, sementes e
frutos, em sintonia com as dinâmicas das teias ecológicas.
Entretanto, o que existe é um
esforço de resistência. As palavras da poetisa Cecília Meireles, “[...] aprendi com as primaveras a deixar-me
cortar e a voltar sempre inteira”, já não fazem mais tanto sentido. A inteireza
da Primavera foi muito relativizada pelo tempo, pelo mundo, pelas mãos humanas.
Cada Primavera se tornou um jogo
de insistência, de bravura indômita da Natureza, um jeito particular de não deixar
o mundo se render a uma aridez cinza, a uma vida com ares de morte.
Então, a gente olha, acha bonito,
sorri; mas, no fundo sabe que aquela beleza está um bocadinho mais rala, mais
inconsistente. As praças, os parques, os jardins, os cenários urbanos e rurais
não estão mais repletos de delicadeza salpicada de colorido.
Porque o Sol castiga profundo.
Falta água suficiente para nutrir a vida. O ar parece pesado pelo mormaço
asfixiante do meio da tarde. Como se a Natureza quisesse se esconder dos desafios,
esperando o retorno de condições mais suaves, mais amenas.
Não se ouvem os pássaros, nem os
insetos, nem as pessoas. A Primavera da algazarra coletiva, da manifestação
desavergonhada da vida, está contida pela melancolia do silêncio. Como uma estratégia
de sobrevivência para resistir às investidas das adversidades.
Talvez, por isso, contemplá-la
não faça mais parte do cotidiano. Tenha caído no esquecimento, nas engrenagens
de uma vida que mói as pessoas e faz delas bagaço de cana que perdeu o doce. Só
que isso é muito ruim.
Afinal, a Natureza é terapêutica
e a Primavera um bálsamo para a saúde mental dos viventes. No mundo da pressa, do desatino, das
responsabilidades em profusão, o vento no rosto, a sombra da árvore, o perfume
das flores, o zunido das abelhas, e tantos outros pequenos gestos dessa
simbiose com o ambiente natural podem nos recapturar da sombra da morte para o
sopro da vida.
Basta querer. Aliás, aproveita
porque pode não ter amanhã para você. Pode não ter outra vez como essa. Pode
ser que a Primavera volte menos disposta no ano que vem.
Nesse
sentido é importante que compreendas, de todos os presentes que a Natureza em todas
as suas estações, particularmente a Primavera, nos oferecem de mais especial é
justamente a imaterialidade da reflexão.
No frigir dos ovos, é o nosso
modo de ver, de pensar, de ser e de estar no mundo o que garante o movimento de
renovação de toda a beleza, a pureza e o sagrado expressos através de cada
elemento natural.
O que significa que, aceitando ou
não, é como escreveu Pablo Neruda, “podes
cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer”. O máximo
que podes conseguir é transformar o esplendor, a grandeza, a pujança da
Primavera; mas, ela permanecerá na consciência do sentido de sua própria essência,
ou seja, renascer.
Afinal, “Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida, pois se Deus nos deu voz, foi para cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder... para me encontrar” (Florbela Espanca – poetisa portuguesa).