O
papel dos “anteparos” na Democracia Republicana nacional
Por
Alessandra Leles Rocha
Um dos fatos
importantes da CPI da COVID, instaurada pelo Senado Federal, foi a revelação
sobre um tal “gabinete paralelo” do
Ministério da Saúde. O fato é que a partir dessa informação outros paralelismos
semelhantes começaram a vir à tona, revelando os meandros das complexidades políticas
nacionais.
Pela Democracia, aqui
vigente, a população pensa que elege seus representantes pelo voto e, sendo
eleitos, eles assumem as responsabilidades investidas no exercício de seu cargo
público. Mas, de repente, as imagens de um certo jantar na mansão de Naji
Nahas, reunindo personalidades como o ex-presidente Michel Temer, Gilberto
Kassab, Johnny Saad, Paulo Marinho, Roberto D’ávila, entre outros 1, aponta a gestão pública para uma outra
direção, bem mais privada do que se poderia imaginar.
Ainda é verdade que o
voto popular elege pessoas; mas, a mentoria em torno das decisões permanece,
como há 500 anos, nas mãos de uma elite. É ela quem define os rumos do país e
investe pesado para ver atendidas as suas próprias demandas. Por isso, eles têm
tanto a rir, a comemorar e a celebrar.
O que causa
estranheza nessa divulgação foi o fato de subitamente permitirem que fosse desconstruída
a tese que veio sustentando o atual governo sobre o Presidente da República ser
um “outsider”, alguém que não fazia
parte da “velha política”, ou seja, o
grupo desses senhores. Aí, a escolha
de Michel Temer para escrever recentemente a carta “ao povo brasileiro” foi devidamente explicada.
E se o “modus operandi” da República é este, outros
aspectos importantes começam a se descortinar também. Esse recorrente
paralelismo administrativo decorre da necessidade de omitir ou, talvez, quem
sabe, invisibilizar determinadas figuras para não as comprometer diretamente em
eventuais situações adversas de governança. Quem está na dianteira, como
porta-voz de interesses alheios, paga com a própria imagem a contrapartida pelo
apoio eleitoral e fica sujeito a enfrentar o que vier de dissabores e
problemas.
No entanto, há momentos
em que o volume de desafios é tão intenso para esses “anteparos” humanos, que a saída é buscar estratégias que os
coloquem em posição de resguardo semelhante à de seus apoiadores. E foi pensando sobre quais seriam esses subterfúgios,
que comecei a perceber a recorrência da judicialização no país; sobretudo, na
esfera maior da Justiça que é o Supremo Tribunal Federal (STF).
Por mais
inexperientes que possam ser alguns membros do cenário político nacional, todos
contam com assessorias jurídicas de prestígio para auxiliá-los no cumprimento
correto das suas atribuições públicas. De modo que me parece estranho tantas
decisões equivocadas e, visivelmente, inconstitucionais sendo tomadas amiúde, a
fim de gerar tamanha discussão que se torna necessária a arbitragem pelas altas
cortes do país.
Assim, os assuntos
que têm chegado aos plenários da Justiça não dizem respeito somente as grandes
e complexas questões judiciais; mas, sobre todo e qualquer rol de litígios, os
quais não precisariam de apelação se tudo fosse cumprido dentro dos ritos, conforme
os códigos e doutrinas já manifestam. Para encontrar essa “corrida aos tribunais”, basta correr os olhos sobre as notícias do
dia, apresentadas nos veículos de comunicação. Aqui e ali há sempre um, ou mais indivíduos, manifestando seu direito
constitucional em dirimir problemas por meio da provocação ao Judiciário; pois
é, assim, que a corte toma conhecimento dos fatos.
Acontece que essa
aparente “normalidade” cidadã esconde
um “pulo do gato” importantíssimo. Caso
o resultado não satisfaça aos interesses do requerente, é sobre o colo da
Justiça que ele lança a responsabilidade de fazer ou não fazer determinada
coisa.
Sim, porque é muito
fácil para o requerente, na hora de um resultado que não lhe agrada, omitir que
ao buscar o trabalho técnico-científico do Judiciário esperava, justamente, uma
decisão isenta.
Por conta de inúmeras
decisões com desfecho contrário ao requerente é que as cortes brasileiras;
sobretudo, o STF, têm convivido com manifestações de insatisfação popular
constante, fomentada por diversos membros da classe política e sociedade civil.
Essas pessoas não se
constrangem em prometer “mundos e fundos”,
reconhecendo muito bem as impossibilidades jurídicas e orçamentárias da maioria
de seus projetos; mas, o fazem mesmo assim, para que possam ser levados e
questionados junto à Justiça, e depois, dependendo do resultado, poderem se
abster da responsabilidade de “não fazer”.
Ora, em tempos contemporâneos,
repletos de notícias enviesadas, de Fake
News, tendo em vista que uma gigantesca parcela da população brasileira dispõe
de um raso conhecimento sobre leis e sobre a dinâmica das estruturas dos
Poderes da República, tona-se fácil criar uma indisposição entre ela e a
Justiça.
Como a população, de
um modo geral, tem mostrado pouco interesse para analisar e refletir em busca
dos fatos em si, isso vai se transformando em uma bola de neve, que cria prejuízos
diversos as instâncias do Judiciário, enquanto beneficia os campos do
Legislativo e do Executivo. Afinal, o ser contemporâneo não quer limites, não
quer regras, não quer leis, ... quer tudo a tempo e a hora de suas vontades,
segundo suas mais intempestivas idealizações.
Então, a síntese
desse processo deturpado, da existência democrática e republicana nacional, nada
mais é do que um recorte do cotidiano de cada esquina, onde milhares de pessoas
querem viver e ganhar sem precisar se responsabilizar por nada e nem por
ninguém.
Aí, quando a vida aperta, a situação fica difícil, os mesmos que insultam e contestam, sem fundamentos e por vias errôneas, à Justiça, recorrem a ela como a única solução. Relembrando Cazuza, “[...]Digo “alô” ao inimigo / Encontro um abrigo / No peito meu traidor / Faz parte do meus show [...]”2.