terça-feira, 14 de setembro de 2021

O papel dos “anteparos” na Democracia Republicana nacional


O papel dos “anteparos” na Democracia Republicana nacional

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Um dos fatos importantes da CPI da COVID, instaurada pelo Senado Federal, foi a revelação sobre um tal “gabinete paralelo” do Ministério da Saúde. O fato é que a partir dessa informação outros paralelismos semelhantes começaram a vir à tona, revelando os meandros das complexidades políticas nacionais.

Pela Democracia, aqui vigente, a população pensa que elege seus representantes pelo voto e, sendo eleitos, eles assumem as responsabilidades investidas no exercício de seu cargo público. Mas, de repente, as imagens de um certo jantar na mansão de Naji Nahas, reunindo personalidades como o ex-presidente Michel Temer, Gilberto Kassab, Johnny Saad, Paulo Marinho, Roberto D’ávila, entre outros 1, aponta a gestão pública para uma outra direção, bem mais privada do que se poderia imaginar.

Ainda é verdade que o voto popular elege pessoas; mas, a mentoria em torno das decisões permanece, como há 500 anos, nas mãos de uma elite. É ela quem define os rumos do país e investe pesado para ver atendidas as suas próprias demandas. Por isso, eles têm tanto a rir, a comemorar e a celebrar.

O que causa estranheza nessa divulgação foi o fato de subitamente permitirem que fosse desconstruída a tese que veio sustentando o atual governo sobre o Presidente da República ser um “outsider”, alguém que não fazia parte da “velha política”, ou seja, o grupo desses senhores. Aí, a escolha de Michel Temer para escrever recentemente a carta “ao povo brasileiro” foi devidamente explicada.

E se o “modus operandi” da República é este, outros aspectos importantes começam a se descortinar também. Esse recorrente paralelismo administrativo decorre da necessidade de omitir ou, talvez, quem sabe, invisibilizar determinadas figuras para não as comprometer diretamente em eventuais situações adversas de governança. Quem está na dianteira, como porta-voz de interesses alheios, paga com a própria imagem a contrapartida pelo apoio eleitoral e fica sujeito a enfrentar o que vier de dissabores e problemas.

No entanto, há momentos em que o volume de desafios é tão intenso para esses “anteparos” humanos, que a saída é buscar estratégias que os coloquem em posição de resguardo semelhante à de seus apoiadores.  E foi pensando sobre quais seriam esses subterfúgios, que comecei a perceber a recorrência da judicialização no país; sobretudo, na esfera maior da Justiça que é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Por mais inexperientes que possam ser alguns membros do cenário político nacional, todos contam com assessorias jurídicas de prestígio para auxiliá-los no cumprimento correto das suas atribuições públicas. De modo que me parece estranho tantas decisões equivocadas e, visivelmente, inconstitucionais sendo tomadas amiúde, a fim de gerar tamanha discussão que se torna necessária a arbitragem pelas altas cortes do país.

Assim, os assuntos que têm chegado aos plenários da Justiça não dizem respeito somente as grandes e complexas questões judiciais; mas, sobre todo e qualquer rol de litígios, os quais não precisariam de apelação se tudo fosse cumprido dentro dos ritos, conforme os códigos e doutrinas já manifestam. Para encontrar essa “corrida aos tribunais”, basta correr os olhos sobre as notícias do dia, apresentadas nos veículos de comunicação. Aqui e ali há sempre um, ou mais indivíduos, manifestando seu direito constitucional em dirimir problemas por meio da provocação ao Judiciário; pois é, assim, que a corte toma conhecimento dos fatos.

Acontece que essa aparente “normalidade” cidadã esconde um “pulo do gato” importantíssimo. Caso o resultado não satisfaça aos interesses do requerente, é sobre o colo da Justiça que ele lança a responsabilidade de fazer ou não fazer determinada coisa.

Sim, porque é muito fácil para o requerente, na hora de um resultado que não lhe agrada, omitir que ao buscar o trabalho técnico-científico do Judiciário esperava, justamente, uma decisão isenta.

Por conta de inúmeras decisões com desfecho contrário ao requerente é que as cortes brasileiras; sobretudo, o STF, têm convivido com manifestações de insatisfação popular constante, fomentada por diversos membros da classe política e sociedade civil.

Essas pessoas não se constrangem em prometer “mundos e fundos”, reconhecendo muito bem as impossibilidades jurídicas e orçamentárias da maioria de seus projetos; mas, o fazem mesmo assim, para que possam ser levados e questionados junto à Justiça, e depois, dependendo do resultado, poderem se abster da responsabilidade de “não fazer”.

Ora, em tempos contemporâneos, repletos de notícias enviesadas, de Fake News, tendo em vista que uma gigantesca parcela da população brasileira dispõe de um raso conhecimento sobre leis e sobre a dinâmica das estruturas dos Poderes da República, tona-se fácil criar uma indisposição entre ela e a Justiça.

Como a população, de um modo geral, tem mostrado pouco interesse para analisar e refletir em busca dos fatos em si, isso vai se transformando em uma bola de neve, que cria prejuízos diversos as instâncias do Judiciário, enquanto beneficia os campos do Legislativo e do Executivo. Afinal, o ser contemporâneo não quer limites, não quer regras, não quer leis, ... quer tudo a tempo e a hora de suas vontades, segundo suas mais intempestivas idealizações.

Então, a síntese desse processo deturpado, da existência democrática e republicana nacional, nada mais é do que um recorte do cotidiano de cada esquina, onde milhares de pessoas querem viver e ganhar sem precisar se responsabilizar por nada e nem por ninguém.  

Aí, quando a vida aperta, a situação fica difícil, os mesmos que insultam e contestam, sem fundamentos e por vias errôneas, à Justiça, recorrem a ela como a única solução. Relembrando Cazuza, “[...]Digo “alô” ao inimigo / Encontro um abrigo / No peito meu traidor / Faz parte do meus show [...]”2. 

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