quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A sede não espera


A sede não espera

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A crise hídrica enfrentada pelo Brasil não é uma ilusão e já ameaça não só diversos setores econômicos; mas, sobremaneira, a qualidade de vida da população e a sobrevivência de outras espécies animais e vegetais. No entanto, não se vê o deslocamento do governo federal em direção a alguma medida, ou conjunto de medidas, que possam efetivamente contribuir na mitigação do problema. Ao contrário, o olhar permanece centrado aos interesses econômicos, como se estes estivessem dissociados das questões socioambientais. 

O que significa que estão voluntariamente negligenciando os alertas advindos de entidades técnico-científicas de todo o planeta, respaldados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Inclusive, foram essas duas entidades que emitiram recentemente o relatório “Tornando-se #GeraçãoRestauração: restauração de ecossistemas para pessoas, natureza e clima” 1.

Nesse documento elas defendem que por conta do enfrentamento “a tripla ameaça das mudanças climáticas, a perda da natureza e a poluição, o mundo deve cumprir seu compromisso de restaurar pelo menos um bilhão de hectares degradados de terra na próxima década – uma área do tamanho da China”; bem como, “precisam assumir compromissos semelhantes para os oceanos” 2. Mas, por aqui, em território brasileiro, o que se vê é uma escalada contínua rumo à devastação ambiental. Biomas queimados. Desmatamento acelerado. Perda maciça de espécies da fauna e flora. Esgotamento dos mananciais hídricos. Alterações extremas dos regimes pluviométricos. E nenhuma menção sobre recuperação ou restauração desses ecossistemas.

Ao contrário, o governo brasileiro depois de sancionar a medida provisória sobre a privatização da Eletrobras (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.), ele avança para a efetivação do processo e para isso, acaba de criar “a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar), uma empresa pública organizada sob a forma de sociedade anônima e vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A criação da empresa está prevista na Lei n.º14.182/21 que trata da desestatização da Eletrobrás e estabelece regras para esse processo” 3; mas, para tal haverá um custo de 4 bilhões de reais, já previstos no Orçamento deste ano. “Segundo o Ministério da Economia, os recursos serão utilizados para que a estatal adquira o controle da Eletronuclear e a parte da Eletrobras no capital de Itaipu” 4.

O que, de algum modo, faz pensar que a crise hídrica a afetar diretamente a produção de energia elétrica, para eles não significa nada mesmo. Estão passando o problema adiante e, talvez, centrando esforços para mais uma vez voltar os olhos para a energia nuclear, como fez o regime militar brasileiro na década de 70. Quando foi construída a primeira usina (Angra I), em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Posteriormente, dando sequência a construção da usina Angra II e ao andamento do projeto de Angra III, o qual ainda pode resultar em mais custos nas tarifas de energia para o consumidor, caso venha a ser finalizado. É importante saber que esse tipo de energia representa cerca de 3% da produção energética nacional e só é utilizada em situações emergenciais.

O Brasil é, então, apenas um dos países que dispõem dessa fonte dentro da sua matriz energética.  Existem mais de 430 usinas distribuídas em 32 países no mundo, segundo a Agência de Energia Atômica (AIEA). Atraídos pela ideia de uma energia limpa, pelo fato de não emitir gases do efeito estufa, o passar do tempo relativizou a questão mediante os volumes de resíduos produzidos.

Trata-se de uma mistura de elementos radioativos de curta e longa duração, tais como Urânio, Plutônio, Actinídeos e produtos de fissão; portanto, de elevado risco socioambiental. Por essa razão tornou-se uma preocupação real para os países produtores de energia nuclear, a dificuldade de descarte e/ou armazenamento desses compostos; bem como, o risco de acidentes como ocorreu em Chernobyl (Ucrânia), em 1986, e em Fukushima (Japão), em 2011.

No Brasil, a experiência de um acidente radioativo não veio das usinas; mas, de uma contaminação por Césio 137, ocorrida em Goiânia, em 1987, quando um aparelho de radioterapia foi encontrado por um catador de ferro-velho em uma clínica abandonada. Ao abrir a máquina gerou-se um rastro de contaminação que afetou centenas de pessoas e deixou o país em alerta.

Portanto, todos esses locais permanecem sendo monitorados, em virtude do nível de radiação que continua sendo emitida no ambiente. Sem contar, que nem sempre os acidentes nucleares possibilitam o recolhimento e armazenamento dos resíduos. No caso de Goiânia, tendo em vista a especificidade do evento, a limpeza desses resíduos produziu 13,5 toneladas, as quais foram acondicionadas em contêineres lacrados, pois representarão risco ambiental por um prazo de 180 anos, e enterrados no solo revestido por uma parede em torno de 1 metro de espessura, composta por chumbo e concreto.

Mas, em Fukushima, por exemplo, um terremoto de 8,9 graus na escala Richter e o tsunami, que ocorreu logo em seguida, abalou o território japonês, provocando os danos na usina e, por consequência, vazamentos radioativos foram registrados. Isso aconteceu porque “os reatores precisam ser resfriados, uma vez que a fissão nuclear permanece ocorrendo mesmo após a interrupção na geração da energia. [...] O sistema de resfriamento foi avariado e os técnicos japoneses passaram a adotar medidas alternativas, como a injeção de água do mar nos reatores. Mesmo assim, três explosões se sucederam [...]” 6.  

Tais experiências só fazem, então, reafirmar a necessidade de análises de custo-benefício para o desenvolvimento de projetos de natureza nuclear. Há tempos a Ciência já sabe que “em pequenas doses, a exposição à radiação não oferece riscos à saúde [...]Em doses extremas, é fatal [...]” 5, porque a natureza desses elementos radioativos presentes nas usinas  nucleares (em geral urânio ou plutônio) tem a propriedade de danificar as células humanas até ao nível do DNA. O que significa que em razão do tempo e da intensidade de exposição, as pessoas podem desenvolver diversos tipos de doenças, cuja malignidade pode matar rápida ou lentamente.

Então, cabe a cada ser humano pensar a respeito. A vida contemporânea orbita em torno da tecnologia e é altamente dependente da eletricidade. No entanto, ninguém se preocupa como ela está sendo gerada, se há ou não suficiência de recursos para isso, ... Reclamam do custo das tarifas, mas, não reavaliam hábitos. Continuam produzindo bens e serviços cada vez mais conectados à eletricidade, como se não houvesse chance de ela faltar. Não questionamos nada em torno desse assunto, como se não fizéssemos parte dele. Será que temos, então, algum know-how para enfrentar, por exemplo, o combo de desafios que uma eventual utilização contínua da energia nuclear impõe, caso ela retornasse à pauta do país?

E a reflexão pode ir mais além. Porque apesar da contribuição para a matriz energética nacional das produções de energia solar (1,9%) e eólica (10,7%), como já vem acontecendo, elas infelizmente não têm impacto sobre a resolução da escassez hídrica; assim como, a energia nuclear também não. E sem água, não há vida. Então, diante do cenário atual, o ideal seria investir maciça e rapidamente no plantio de árvores, na recuperação das matas ciliares, na manutenção das Unidades de Conservação (UCs) 7 e na despoluição dos mananciais hídricos. Porque além de um custo de investimento muito menor, são essas as medidas que podem efetivamente ajudar a restabelecer o equilíbrio pluviométrico no país e reduzir os eventuais impactos socioeconômicos desencadeados pela falta d’água.

Pois cada minuto a mais é um minuto a menos, na luta pela sobrevivência dos seres vivos. Havemos de ter cuidado para não acordar o velho monstro da “indústria da seca”, que foi motivo de autopromoção de muita gente por aí. Infelizmente, as calamidades, no Brasil, costumam ser nocivos chamarizes ao oportunismo, a escravização social e ao desvio de recursos vultosos para fins inócuos e, algumas vezes, até temerários. E dentro da perspectiva atual, não seriam só alguns brasileiros os grandes prejudicados por ações dessa natureza, como aconteceu durante décadas no passado. Agora, seriam todos os viventes nas terras onde a escassez hídrica se intensifica, ano a ano, a olhos vistos. Daí é tão importante pensar e agir a respeito, dar uma chance à vida, antes que seja tarde demais.

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