Não,
não existem coincidências
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois de ver a Medida Provisória
1068/21 ser devolvida pelo presidente do Senado Federal, por razões de
flagrante inconstitucionalidade, a Presidência da República já anunciou que irá
enviar um projeto ao Congresso Nacional, com texto semelhante, para tramitar em
caráter de urgência. Considerando-se que não existem coincidências, fato é, que
dentro do texto base do novo Código Eleitoral aprovado pela Câmara dos
Deputados está manifesto que “as
pesquisas eleitorais realizadas em data anterior ao dia das eleições só poderão
ser divulgadas até a antevéspera do pleito, admitida sua reprodução ou
retransmissão pelo eleitor” 1. Ora, os
dois temas em questão conversam intimamente entre si, Fake News e eleições.
Mas se engana quem pensa que fica
por aí. Basta acrescentar à discussão, o caloroso debate criado recentemente em
torno das urnas eletrônicas, se eram ou não confiáveis, um possível retorno do
voto impresso e as inúmeras vezes em que o atual Presidente da República deixou
em aberto se aceitaria ou não o resultado das próximas eleições, para se ter a
dimensão de uma gigantesca nuvem se formando no horizonte democrático nacional.
Afinal, o fato de tais conteúdos e suas respectivas formas estarem transitando
em caráter de altíssima celeridade, transmite a impressão de que há mesmo a
possibilidade de que algo estranho esteja se arquitetando.
Sei que vivemos em tempos
fugazes, cujas informações transmitidas a velocidade da luz nos fogem ao ideal
de uma análise mais crítica e reflexiva. No entanto, nem todo imbróglio de
ideias é só uma miscelânea que não conecta nada a coisa nenhuma. Quando se
trata de política, esses tais imbróglios são sempre a expressão máxima de um
requinte que envolve método, sentido, direção e velocidade. Não há fios soltos
nesse emaranhado. Aqui, ali e acolá eles se juntam para satisfazer exatamente
um objetivo maior.
O que posso dizer é que todos
esses fios, ou indícios, nesse momento, levam a crer que o Estado Democrático
de Direito corre riscos, depois de 36 anos de sua reconquista. Justamente, por
isso, é que parece difícil a muitos cidadãos perceber a extensão e a
intensidade das tensões que vem sendo deflagradas no país. A um nível mais
superficial, talvez, o que consigam abstrair de imediato sejam os impactos
negativos da Política sobre a Economia, porque isso alcança o seu próprio
cotidiano. Porém, há muito mais em jogo.
Infelizmente, o ranço colonial
criou no brasileiro uma tendência à passividade que não lhe permite se lançar
aos questionamentos mais triviais. De modo que a população transita sob um
estado de certa subserviência e apatia que resume em viver dentro do clichê de “a vida como ela é”. As decisões, em
todas as instâncias, vão sendo empurradas “goela
abaixo”, à revelia de eventuais manifestações ou contestações. O que deixa,
visível e materializado, como a participação popular no país é relativa.
Você pode votar, eleger seus
representantes nas esferas do Legislativo e Executivo municipal, estadual,
federal e distrital; mas, e depois, você acompanha de alguma forma o trabalho
deles? Se sente satisfeito pela sua escolha representativa? Considera que o
trabalho desenvolvido venha obtendo mais êxito do que insucesso? ... essas são
algumas perguntas que se fossem respondidas, talvez, iniciassem um movimento de
transformação nas relações político-sociais; na medida em que, cada um saberia
exatamente o seu papel dentro do exercício cidadão e na manutenção da
Democracia.
Esse risco democrático, então, é
resultado de uma baixa leitura das linhas e entrelinhas do cotidiano. Uma
significativa maioria, com todo o seu repertório de “não estar nem aí”, vem abdicando desse compromisso cidadão e
fragilizando o próprio país. Por isso, não surpreende que a construção
meticulosa desses imbróglios, visando promover mudanças abruptas e equivocadas
na sociedade, aconteça sem sequer obter alguma resistência ou consentimento por
parte do eleitor. Isso é tão sério, tão grave, que basta a perspectiva desses
meses de Pandemia para construir um panorama dos prejuízos materiais e
subjetivos que podem ser imputados a uma população sem que ela se dê conta do
que realmente está acontecendo.
Assim, a partir de agora, quando
acessar os veículos de comunicação e informação, tenha em mente o seguinte
discernimento: “Há coisas que são
resolvidas por governos. Há coisas que nenhum governo é capaz de resolver.
Seremos nós, com o tempo que nos for concedido, que resolveremos. Por via da
nossa cidadania em construção” (Mia Couto – escritor e biólogo moçambicano).
O que quer dizer que apesar da contemporaneidade parecer tão leve e tão livre,
não fomos isentos de responsabilidade e compromisso conosco e, nem tampouco,
com a coletividade. Por trás dos resultados do cotidiano, sempre, haverá as marcas
de nossos posicionamentos, gostemos disso ou não.