Emendas
inúteis para um soneto desafinado
Por
Alessandra Leles Rocha
Segundo
o poeta chileno Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas,
mas é prisioneiro das consequências”. Dito isso, estejamos atentos aos
desdobramentos das diferentes crises que se desenham no cenário brasileiro,
para não nos sentirmos surpreendidos, quando os resultados que elas trouxerem
se mostrarem terrivelmente adversos as nossas reais demandas. Afinal, todas são
oriundas de escolhas incorretas, imprudentes e impensadas. Frutos de votos
exercidos inadvertidamente.
No
entanto, vou me dedicar a destacar nessa reflexão a crise econômica, tendo em
vista o golpe fatal que ela promove na manutenção da dignidade humana. Sim,
porque as crises econômicas têm por hábito acordar velhos monstros como a
inflação, a carestia, o desemprego, a miséria, ... Por mais estica daqui e puxa
dali que o cidadão promova no seu orçamento, tentando equilibrar os gastos da
sobrevivência com a insuficiência da remuneração, a força da crise arrebata
tudo com uma fúria incontrolável, que torna, em algum momento, esses esforços
inúteis.
Eis,
então, que os veículos de informação trazem nas manchetes do dia o aumento da
alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), encarecendo o custo do
crédito para pessoas físicas e jurídicas, com impactos significativos nas taxas
de cheque especial, cartão de crédito e empréstimos. A ideia do Ministério da
Economia é que até 31 de dezembro deste ano, o novo montante de arrecadação do
IOF possa custear o novo Bolsa Família, proporcionando aos beneficiários do
referido programa assistencial, um valor médio de R$300,00 mensais.
Essa
medida, então, tende a pressionar a inflação e a taxa de juros, que já estão em
franca elevação no país. Considerando a Pesquisa de Endividamento e
Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias
endividadas atingiu 72,9%; o que representa uma dificuldade do cidadão de
manter o orçamento em dia.
Fato
que não se reflete exclusivamente por uma taxa de desemprego em torno de 14,4
milhões de pessoas, acompanhada por 5,6 milhões de desalentados, 32,2 milhões
de pessoas subutilizadas e uma taxa de informalidade de 40,6%. Acontece que
houve uma queda no rendimento médio do trabalhador, em razão da desaceleração
da economia propriamente dita; mas, também, pela redução de jornada de trabalho
durante a Pandemia.
Então,
tomando como ponto de partida a cesta básica, segundo o Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o valor variou
entre R$456,40 (em Aracajú) e R$664,67 (em Porto Alegre), no mês de agosto.
Isso significa que o valor do salário mínimo está, de longe, defasado ao
necessário para cobrir a sobrevivência do trabalhador e sua família, ou seja,
deveria ser R$5.583,90.
Exposta
a dimensão da absurda ineficiência que representa a elevação do IOF, um outro
ponto precisa ser destacado, a insatisfação da direita brasileira. Sim, porque
seus representantes são totalmente adversos a quaisquer movimentos em relação
as políticas públicas destinadas as parcelas mais vulneráveis da população.
Afinal, não se pode esquecer de que faz parte do manual dos direitistas dar
esmolas e “fazer caridade”. Mas, só quando lhes convêm, quando é de
seu interesse.
À
revelia como impõe o IOF, nesse momento, eles irão protestar e acirrar, ainda
mais, a sua antipatia e intolerância aos mais desvalidos e necessitados. Porque
essa é uma medida que contraria sobremaneira os seus privilégios e regalias,
frutos de uma ascendência colonial pela qual rendem tanta estima.
Não
foi à toa que a política econômica traçada para essa gestão federal
desconsiderou realizar quaisquer movimentos no sentido de dar continuidade ou
ampliar os projetos populares já vigentes, investindo pesado em uma economia
baseada nos interesses da elite nacional. Só não contavam com a Pandemia, que
mudou os rumos não apenas da economia nacional, como mundial.
O
que explica, de certa forma, porque o Ministério da Economia vem encontrando
tamanha dificuldade para lidar com todos os assuntos e necessidades que foram
negligenciadas a priori, no seu planejamento. Eles não estavam
preparados para lidar com esse “Brasil” vulnerável e
invisibilizado, o qual foi severamente impactado pelos rigores da Pandemia,
potencializando cada vez mais demandas seculares que já incomodavam.
Quanto mais tentam, então, resolver os desafios e dilemas, o resultado é sempre o mesmo: “pior a emenda que o soneto”. É assim que, no Brasil, as crises agudas se cronificam e se tornam insolúveis, lançadas a uma condição de paliativos sem fim. E essa crise, a econômica, e só uma dentro de um balaio repleto de outras tão graves e complexas. Como dizia o maestro Antônio Carlos Jobim, “O Brasil não é para principiantes”. Mas, também, não é para vaidosos e arrogantes que só enxergam a vida pela própria, e limitada, perspectiva.