segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Emendas inúteis para um soneto desafinado


Emendas inúteis para um soneto desafinado

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo o poeta chileno Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Dito isso, estejamos atentos aos desdobramentos das diferentes crises que se desenham no cenário brasileiro, para não nos sentirmos surpreendidos, quando os resultados que elas trouxerem se mostrarem terrivelmente adversos as nossas reais demandas. Afinal, todas são oriundas de escolhas incorretas, imprudentes e impensadas. Frutos de votos exercidos inadvertidamente.  

No entanto, vou me dedicar a destacar nessa reflexão a crise econômica, tendo em vista o golpe fatal que ela promove na manutenção da dignidade humana. Sim, porque as crises econômicas têm por hábito acordar velhos monstros como a inflação, a carestia, o desemprego, a miséria, ... Por mais estica daqui e puxa dali que o cidadão promova no seu orçamento, tentando equilibrar os gastos da sobrevivência com a insuficiência da remuneração, a força da crise arrebata tudo com uma fúria incontrolável, que torna, em algum momento, esses esforços inúteis.

Eis, então, que os veículos de informação trazem nas manchetes do dia o aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), encarecendo o custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas, com impactos significativos nas taxas de cheque especial, cartão de crédito e empréstimos. A ideia do Ministério da Economia é que até 31 de dezembro deste ano, o novo montante de arrecadação do IOF possa custear o novo Bolsa Família, proporcionando aos beneficiários do referido programa assistencial, um valor médio de R$300,00 mensais.

Essa medida, então, tende a pressionar a inflação e a taxa de juros, que já estão em franca elevação no país. Considerando a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias endividadas atingiu 72,9%; o que representa uma dificuldade do cidadão de manter o orçamento em dia.

Fato que não se reflete exclusivamente por uma taxa de desemprego em torno de 14,4 milhões de pessoas, acompanhada por 5,6 milhões de desalentados, 32,2 milhões de pessoas subutilizadas e uma taxa de informalidade de 40,6%. Acontece que houve uma queda no rendimento médio do trabalhador, em razão da desaceleração da economia propriamente dita; mas, também, pela redução de jornada de trabalho durante a Pandemia.   

Então, tomando como ponto de partida a cesta básica, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o valor variou entre R$456,40 (em Aracajú) e R$664,67 (em Porto Alegre), no mês de agosto. Isso significa que o valor do salário mínimo está, de longe, defasado ao necessário para cobrir a sobrevivência do trabalhador e sua família, ou seja, deveria ser R$5.583,90.

Exposta a dimensão da absurda ineficiência que representa a elevação do IOF, um outro ponto precisa ser destacado, a insatisfação da direita brasileira. Sim, porque seus representantes são totalmente adversos a quaisquer movimentos em relação as políticas públicas destinadas as parcelas mais vulneráveis da população. Afinal, não se pode esquecer de que faz parte do manual dos direitistas dar esmolas e “fazer caridade”. Mas, só quando lhes convêm, quando é de seu interesse.

À revelia como impõe o IOF, nesse momento, eles irão protestar e acirrar, ainda mais, a sua antipatia e intolerância aos mais desvalidos e necessitados. Porque essa é uma medida que contraria sobremaneira os seus privilégios e regalias, frutos de uma ascendência colonial pela qual rendem tanta estima.

Não foi à toa que a política econômica traçada para essa gestão federal desconsiderou realizar quaisquer movimentos no sentido de dar continuidade ou ampliar os projetos populares já vigentes, investindo pesado em uma economia baseada nos interesses da elite nacional. Só não contavam com a Pandemia, que mudou os rumos não apenas da economia nacional, como mundial.

O que explica, de certa forma, porque o Ministério da Economia vem encontrando tamanha dificuldade para lidar com todos os assuntos e necessidades que foram negligenciadas a priori, no seu planejamento. Eles não estavam preparados para lidar com esse “Brasil” vulnerável e invisibilizado, o qual foi severamente impactado pelos rigores da Pandemia, potencializando cada vez mais demandas seculares que já incomodavam.

Quanto mais tentam, então, resolver os desafios e dilemas, o resultado é sempre o mesmo: “pior a emenda que o soneto”. É assim que, no Brasil, as crises agudas se cronificam e se tornam insolúveis, lançadas a uma condição de paliativos sem fim. E essa crise, a econômica, e só uma dentro de um balaio repleto de outras tão graves e complexas. Como dizia o maestro Antônio Carlos Jobim, “O Brasil não é para principiantes”. Mas, também, não é para vaidosos e arrogantes que só enxergam a vida pela própria, e limitada, perspectiva.