domingo, 19 de setembro de 2021

A ONU, a Pandemia e um certo cartão de vacinação...


A ONU, a Pandemia e um certo cartão de vacinação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto um constrangimento paira no ar, por conta da ida do Presidente da República Federativa do Brasil à abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, sem ter sido vacinado contra a COVID-19, o que me surpreendeu foi a atitude da Organização das Nações Unidas (ONU), até o momento.

É claro que eles têm o direito de deliberar sobre as diretrizes do evento; mas, essa é uma questão que vai muito além do fato de algum cidadão ou representação diplomática apresentar ou não o cartão de imunização, em razão da Pandemia.

Atualmente, a ONU possui 193 Estados-Membros. Ainda que muitos deles estejam encontrando imenso desafio logístico e orçamentário para cumprir o protocolo de imunização de suas populações, o que não seria o caso do Brasil, a ideia de quaisquer dessas lideranças utilizar de uma eventual prerrogativa diplomática para agir na contramão dos esforços empenhados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ao longo desses quase dois anos, é um total desserviço.

Primeiro, porque transmite um sinal trocado para a população mundial, em relação à gravidade da Pandemia e a importância crucial da imunização para a retomada da dinâmica socioeconômica. Considerando tantas outras doenças existentes, as quais ainda não dispõem do benefício de uma vacina para a sua prevenção, como é o caso da AIDS, a Ciência ter conseguido alcançar tamanho êxito, em relativo espaço de tempo, representa não só uma vitória gigantesca para a sobrevivência humana frente à COVID-19; mas, também, um fator mitigador de impactos em cada estrato do cotidiano.

Segundo, porque esbarra diretamente no principal pilar de sustentação da entidade que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, em meio aos esforços de recuperação do planeta após o término da Segunda Guerra Mundial. Logo em seu 1º artigo, se manifesta que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.  

E justamente por saber que a realidade, sobretudo a contemporânea, espelha um enorme relativismo dessa igualdade, na medida da persistente escalada de desigualdades socioeconômicas em todo o planeta, certas flexibilizações fazem transparecer que de fato algumas vidas são mais importantes do que outras.

Transitando, inclusive, na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela própria ONU. Afinal, eles dizem respeito a garantir uma agenda global para a construção e implementação de políticas públicas que respeitem a igualdade e a equidade em relação as pessoas, ao planeta, a prosperidade, as parcerias e a paz.

Não nos esqueçamos de que nas estatísticas de vítimas da COVID-19, estão mais de 590 mil brasileiros que perderam a oportunidade de viver em razão de Fake News, do emprego de fármacos ineficientes para o tratamento do Sars-COV-2 e suas variantes, de insuficiência de recursos médico-hospitalares, de demora na compra de vacinas e construção de protocolos de imunização. Razões que se explicam por uma arraigada e irresponsável defesa de convicções próprias do governo brasileiro.  

Se a ONU é, então, capaz de criar certas concessões, de ser tão condescendente, mesmo em tempos de uma Pandemia que já vitimou mais de 4,55 milhões de seres humanos em todo o mundo, como fazer as nações se engajarem de maneira plena e efetiva em torno de projetos como os ODS?

Não se pode esquecer de que nas entrelinhas de cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão, também, marcados os princípios dos Direitos Humanos, e “garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades1 é o terceiro desses objetivos.

Não é preciso dizer que o século XXI vive um contexto de crises profundas para a manutenção da liberdade, da justiça e da paz, em decorrência de movimentos antrópicos que atingem não só a raça humana; mas, todo o Meio Ambiente.

Mais do que nunca se faz necessário ecoar um discurso uníssono, sem exceções, sem potencial para criar dissensos e beligerâncias, para que o objetivo maior de sobrevivência humana possa ser devidamente alcançado.

E nesse contexto, a consciência em relação aos iminentes riscos de novas epidemias provocadas por agentes infectocontagiosos desconhecidos não pode ser negligenciada. Por piores que estejam sendo as experiências vivenciadas durante a COVID-19, elas são fundamentais para se enfrentar as imprevisibilidades futuras, em todos os nichos de existência social.

Daí a necessidade de que os discursos e narrativas não produzam ruídos capazes de dispersar e confundir a atenção da população. Haja vista quantas distorções, equívocos e mentiras foram produzidas a partir de um maciço movimento Negacionista ao redor do planeta.

No Brasil, por exemplo, tem havido uma drástica redução na imunização contra o Sarampo, a Poliomielite, a Difteria e a Rubéola, nos últimos anos, de modo que essas doenças estão gradativamente retornando a um cenário epidemiológico preocupante no país.

Diariamente, as notícias ao redor do planeta dão conta das idas e vindas estatísticas do Sars-COV-2 e suas variantes, ou seja, números de contaminados, mortos e sobreviventes dessa pandemia em curso. Isso ocorre porque, apesar de todos os esforços técnico-científicos para debelar essa crise sanitária sem precedentes, há inúmeras perguntas dentro do escopo da biologia desse vírus que ainda não foram respondidas.

Trata-se de algo natural dentro de contextos excepcionais como esse; mas, significa que não chegamos ao fim da Pandemia. Ela está aí e é fundamental permanecer atento e precavido, para se evitar desdobramentos cada vez mais complexos.

Esse é o ponto de reflexão que cabe a cada cidadão do planeta; mas, sobretudo, a ONU. A sua importância enquanto organização intergovernamental, criada para promover a cooperação governamental nos assuntos de segurança, paz mundial, direitos humanos, desenvolvimento econômico, progresso social, meio ambiente, ajuda humanitária e saúde, precisa manter vivo e contínuo o seu protagonismo.

O que significa expressar-se sempre de maneira clara e objetiva, a fim de que não venha a ser arranhada ou comprometida a sua credibilidade junto as populações de todo mundo. Afinal, o lugar de fala da ONU não se resume a um diálogo restrito às lideranças e delegações estrangeiras; mas, principalmente, com os cidadãos que representam o último elo de acesso dos seus esforços e projetos em cada canto do planeta.  

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