Apenas,
uma questão de prioridade...
Por
Alessandra Leles Rocha
Apesar das ondas de reverberação
dos acontecimentos de 7 de setembro, a insatisfação diante da inconsistência das
respostas institucionais, aos gravíssimos insultos à Democracia, o movimento de
clamor popular me parece distante da consciência necessária para sua
efetividade.
Isso porque, como bem escreveu o
professor e geógrafo, Milton Santos, “A
força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas
conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. E é exatamente
isso, o que está operando na sociedade brasileira neste momento.
Fruto de camadas de desigualdade dispostas
cuidadosamente ao longo dos séculos, o resultado inevitável disso é a
desagregação manifesta por uma visível incapacidade dialógica de unir esforços
em prol de um objetivo comum, de fundamental importância para todos. Pelo o que
me vem à mente, talvez, em um único momento da história nacional isso foi
rompido, no Movimento das Diretas Já.
Exaustos pelos “anos de chumbo” que já duravam duas décadas,
partidos políticos, representantes da sociedade civil, artistas e intelectuais
se dispuseram a colocar suas diferenças ideológicas de lado para defenderem
conjuntamente os interesses Democráticos do país.
Assim, eles conseguiram
mobilizar, entre 1983 e 1984, milhões de pessoas em comícios e passeatas nas principais
cidades brasileiras. Só no Rio de Janeiro, em 1984, reuniram um milhão de
cidadãos em comício na Candelária.
Sob um mesmo palanque discursavam
as mais diferentes posições político-ideológicas do país, tais como: Tancredo Neves, Leonel Brizola, Miguel Arraes,
José Richa, Ulysses Guimaraes, Franco Montoro, Dante de Oliveira, Mário Covas,
Gerson Camata, Orestes Quércia, Luiz Inácio Lula da Silva, Eduardo Suplicy,
Roberto Freire, Luís Carlos Prestes, Fernando Henrique Cardoso, Heráclito
Fontoura Sobral Pinto (jurista), Sócrates (jogador de futebol), Christiane
Torloni (atriz), Mário Lago (ator), Gianfrancesco Guarnieri (ator), Fafá de
Belém (cantora), Chico Buarque (cantor), Taiguara (cantor), Beth carvalho
(cantora), Martinho da Vila (cantor), Osmar Santos (locutor esportista), Juca
Kfouri (jornalista esportivo).
Dentre as principais pautas que
impulsionaram o movimento estavam a perseguição política, o cerceamento das
liberdades, a retomada das eleições diretas para os cargos majoritários –
Presidente, Governador, Prefeito e Senador, e a ineficiência econômica, com uma
inflação que chegava a 211%.
Isso significa que sempre há um momento
em que as questões pessoais se tornam tão insignificantes e tão pouco
representativas, diante da gravidade que obstaculiza a sobrevivência de todos,
que não resta outro caminho senão agregar as forças e combater o inimigo comum.
É preciso entender, de uma vez por todas, que a desagregação só favorece à
perpetuação dos problemas. Como explica a Física, vetores na mesma direção; mas,
em sentido oposto, se anulam. Simples assim.
Dada a gravidade da conjuntura
atual, então, não interessa o que cada um fez no verão passado. O foco tem que
estar centrado no que realmente importa que é a sobrevivência do país. Só a
Pandemia, que já arrastou para o túmulo mais de meio milhão de brasileiros, seria motivo suficiente para não se ater em desavenças inúteis. Mas, há
muito mais, necessitando de ações contundentes a serem resolvidas pela força do
espírito coletivo.
Quem nunca ouviu falar sobre o “Dilema do Porco Espinho”, do filósofo
alemão Arthur Schopenhauer 1? Ou
buscamos uma trégua as divergências, a partir de um ponto de equilíbrio que nos
une verdadeiramente, ou as conjunturas irão se tornar cada vez piores e mais
complexas. Está claro que o atual governo não pretende retroceder nos
descaminhos que escolheu trilhar, então...
Não se esqueça, “O inimigo inteligente ataca, exatamente,
onde você acha estar a salvo” (Pearl Harbor, 2001). Por isso, o fato de
abrir mão de algo, temporariamente, por um objetivo maior, não significa uma
ruptura definitiva com suas crenças e valores. Não significa se deixar frágil ou
vulnerável.
Muito pelo contrário. A vida é repleta de momentos em que certas escolhas são imperiosas para a sobrevivência adiante. E reconhecer isso é de extrema importância; sobretudo, para a consolidação do processo evolutivo humano. O amanhã depende do hoje, do agora.