Fim
dos Jogos ... Hora da reflexão.
Por
Alessandra Leles Rocha
Se tudo correr dentro das
expectativas dos milhões de torcedores brasileiros, o país encerrará sua
participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio com um total de medalhas superior ao
de 2016, no Rio de Janeiro. Importante? Claro, que sim. Ver o Brasil no pódio,
seja em que posição for, é sempre uma boa notícia, um estímulo a mais para
alimentar nossos fiapos de esperança.
Mas, ao contrário da opinião de
alguns, isso não foi um feito extraordinário. Não da maneira como eles colocam,
em relação a uma superação, quase que natural, do ciclo anterior. Não fossem os
obstáculos que teimam em transitar pelos caminhos dos atletas brasileiros, já estaríamos
computando muito mais medalhas ao longo de todas as participações olímpicas.
Chega de parar de olhar para o instante
da competição, e começar a buscar os registros de uma longa jornada que os
levou até ali. Ah, e por favor, não culpem o Sars-Cov-2 pelos eventuais problemas,
porque ele foi democrático e afetou o mundo, não somente o Brasil. Há mais
histórias nas entrelinhas das participações brasileiras, do que nas próprias
linhas.
A começar pelo fato de que a prática
desportiva, no Brasil, não é democratizada. São muitos os desportos restritos
aos investimentos de clubes sociais privados, cujo acesso é bastante limitado a
uma gigantesca parcela da sociedade. São muitos os desportos cujos materiais
utilizados custam valores acima da capacidade orçamentária de muitas famílias brasileiras.
De modo que as oportunidades se
afunilam, a tal ponto, que jovens talentos e promessas do esporte acabam
ficando pelo caminho, em razão do seu “dilema
de Sofia”, ou seja, a sobrevivência ou a competição de alto rendimento. Mas,
poderia ser diferente? Sim. Se a democratização desportiva começasse na escola.
Se houvesse investimentos para uma Educação capaz de cuidar da mente e do corpo
dos cidadãos, desde a infância.
Os EUA, por exemplo, não dispõem de
uma liga profissional de voleibol; mas, em contrapartida, têm à disposição ligas
estudantis extremamente fortes e competitivas, em todos os níveis de ensino. Mas,
não fica restrito ao voleibol, escolas e universidades norte-americanas
dedicam-se a formação desportiva integral, o que significa uma infraestrutura
bastante ampla para esportes de verão e inverno.
Foram disputadas 46 modalidades
nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Algumas, de fato, requerem uma infraestrutura e logística,
bem estruturadas e específicas, para atender as condições de formação e
treinamento de atletas de alta performance; mas, outras poderiam ser
desenvolvidas nas escolas brasileiras, sem distinção de gênero. Atletismo (corridas).
Ginástica Rítmica. Judô. Karatê. Taekwondo. Basquete (e Basquete 3x3). Voleibol. Futebol. Handebol.
Tênis de mesa. Pois é, quantos pódios poderiam estar sendo construídos a partir
disso, tomando como base apenas o universo escolar.
É preciso parar de condicionar a
vaga para uma disputa olímpica com a conquista de medalhas e pódios, porque a
realidade brasileira não possibilita essa associação. Como, também, não se
deveria jamais enaltecer uma vida de sacrifícios cotidianos, quando o próprio esporte
já é sacrificante o bastante na sua rotina de esforços físicos e mentais, de
abdicações, de dietas, de lesões, de cirurgias, de recomeços.
Os atletas brasileiros aprendem
desde cedo a reconhecer os calvários a serem percorridos para ser um
desportista. Primeiro, conseguir aprender e praticar o esporte, dada a
inacessibilidade de muitos desportos no país. Segundo, conseguir recursos para
se manter e aprimorar, sem precisar dividir o tempo com outras funções laborais.
Terceiro, construir uma rede de apoio com psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta,
médico. E por fim, conseguir patrocínios para competir e apurar o seu nível de
aproveitamento nacional e internacional.
Para qualquer atleta isso é um
impacto negativo direto no seu emocional, porque significa viver na
corda-bamba, a incerteza dos amanhãs. É desumano demais! Então, basta somar os
pontos para entender que o que afeta a mente, afeta o corpo e, por consequência,
a performance.
Não bastasse esse contexto tão
desafiador, os atletas brasileiros têm que enfrentar outros fantasmas. Vencer as
bolhas desportivas internacionais, consolidadas há séculos, talvez, seja o
primeiro passo. Várias modalidades, em pleno século XXI, ainda, mantêm a
hegemonia dos países desenvolvidos ou daqueles que as criaram. De modo que
tentam barrar eventuais “intrusos” no
grupo dominante. Depois, há a questão da arbitragem que, também, tende a ser
mais rigorosa com países tidos de “menor
expressão” esportiva, e algumas vezes, até geopolítica.
Aquela história de favoritismo,
tendo em vista conquistas obtidas em outros espaços não olímpicos, se esvai
como fumaça. Olimpíada não é um torneio qualquer. É a ambição de países, muito
mais do que dos próprios atletas. Porque ali, naquele território, nações podem
demonstrar o seu poder capital, pelas habilidades e competências de seus competidores
sejam eles cidadãos naturais ou legalizados.
Portanto, os atletas brasileiros
fizeram, mais uma vez, o que puderam fazer. Quem pode um pouco, fez um pouco. Quem
pode mais, fez um pouco mais. Quem não pode, mais uma vez teve que amargar a
frustração da impossibilidade. Daí a necessidade de o torcedor rever os seus
pontos de vista, em torno de tudo o que envolve a Olimpíada, o Esporte, a
Educação e a Cidadania do país. Sim, porque não são assuntos desconectados e,
nem tampouco, desimportantes para a sociedade como um todo.
Nas arenas, nos mares, nas piscinas, nos ginásios, nos campos, eles são um pouco de nós, um reflexo da nossa imagem, da nossa identidade nacional. Que, às vezes, contrariando os riscados do impossível, vai além do que se pode imaginar. Que, às vezes, só faz cumprir a sina de tentar sem conseguir, dada a teimosia do seu próprio destino. Que, no fim das contas, se apega na resignação de que “por pior que seja a noite, amanhã é outro dia” (E o vento levou, 1939), porque se não fizer isso, o brasileiro desiste de ser quem é.