Acorda,
Alice!
Por
Alessandra Leles Rocha
Me desculpem, mas a ideia de
ameaça à constitucionalidade brasileira só me faz crer na existência de um
universo paralelo, realidade alternativa ou algo do gênero. Porque ameaça pressupõe
uma intenção em fazer e o que estamos assistindo, de camarote, todos os dias, são atos concretos realizados contra a população e a
constituição federal.
Por mais que a linguagem jurídica
permita eventuais interpretações, tendo em vista que cada caso é um caso, na
medida da existência de especificidades humanas e conjunturais; mas, no caso da
gestão pública vigente, tudo está muito claro.
Já no 1º artigo, questões como
cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho foram
brutalmente atacados pelas políticas socioeconômicas apresentadas. Basta
observar que, em 2011, a pirâmide social brasileira encontrava-se distribuída em
8%, 54% e 38% referentes, respectivamente, à elite, classe média tradicional e
classe baixa. Uma década depois, ela está em 6%, para a elite, e a classe média
tradicional e a classe baixa se encontram niveladas no mesmo percentual, 47%
cada uma.
Razões para tentar explicar esse
movimento não faltam. 14,76 milhões é o número total de desempregados no país,
sendo que, 3,3 milhões perderam o emprego desde abril de 2020, 34,2 milhões
estão trabalhando na informalidade e 76,38 milhões refere-se ao contingente de
pessoas fora da força de trabalho. O que em síntese, segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), significa que o país mantém uma
taxa de desocupação recorde, de 14,7% da população economicamente ativa.
A pobreza saltou de 9,5 milhões
em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021; apesar do
crescimento de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre deste
ano. Afinal, com a tríade “desemprego, inflação, baixa renda” seria impossível
não trazer de volta o país ao mapa da fome.
O 2º artigo, o qual faz referência
ao Sistema de Freios e Contrapesos dos Poderes da República, os constantes
ataques do Presidente às demais instituições falam por si só. Em pleno século
XXI, tem-se a nítida impressão de que o país vive nos tempos do Absolutismo. Centralização
da governança nas mãos do mandatário da nação, exigência de uma relação de fidelidade
entre o povo e o governo, ausência de transparência dos atos e decisões,
impossibilidade de questionamento por parte dos cidadãos sob ameaça de
repressão ou prisão, enfim...
As afrontas ao 3º artigo se valem
dos pontos já destacados anteriormente; pois, não há políticas públicas
delineadas, de maneira exequível, com o propósito efetivo de “construir uma
sociedade, livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; e,
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais”.
E no que tange “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação” o governo se destituiu da obrigação de fazê-lo. Ao contrário,
só tem disseminado discursos de ódio, de intolerância, de apologia à compra e
porte de armas, e, particularmente, de total desprezo à vida humana.
Sobre o 4º artigo, as condutas em
relação à Pandemia do Sars-Cov-2 evidenciaram o seu enviesamento, pelo total desrespeito
aos direitos humanos, a igualdade entre os Estados e, sobretudo, a cooperação
entre os povos para o progresso da humanidade. Também, se ofendeu de forma
pública e notória, a paz, por meio da abdicação dos recursos diplomáticos protocolares,
usando a internet para fins ofensivos e chulos contra países importantes no círculo
das relações internacionais brasileiras.
Enfim, uma leitura atenta a cada
um dos 8 Títulos que compõem a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro
de 1988, traz ao cidadão brasileiro a possibilidade de perceber o quanto aquelas
palavras, em vários momentos, têm sido desvirtuadas do seu objetivo para uma
prática moldada às avessas pelo atual governo. Foram criados verdadeiros
abismos entre o que assegura a Constituição e as ações políticas empregadas
pelo governo, os quais encontram fundamentações comprobatórias nos registros de
comunicação e informação de diversos veículos nacionais e internacionais.
Sobretudo, em relação ao Título VIII – Da Ordem Social, quando
os assuntos abordados tratam dos direitos referentes à Seguridade Social, Saúde,
Previdência Social, Assistência Social, Educação / Cultura / Desporto, Ciência / Tecnologia / Inovação, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família / Criança / Adolescente / Idoso, e Índios. Vejam, algumas manchetes, de hoje, por exemplo: “Câmara votará projeto que censura pesquisas
eleitorais, esvazia cotas e dificulta punição a políticos” 1. “Diplomacia Verde em
xeque” 2. “Após ameaça de processo, Saúde
promete entregar cota de vacina da Pfizer para SP” 3. “Brasil tem 2º pior ano
de desmate da Amazônia da história recente, aponta Inpe” 4. “Reforma aumentará sonegação, diz CNC” 5. “Brasil registra terceiro
ano com queda consecutiva nos reconhecimentos de paternidade” 6.
Já dizia Einstein que “O mundo não está ameaçado pelas pessoas
más, e sim por aquelas que permitem a maldade” e ele estava certo. Ameaças só
prosperam pelo silêncio daqueles que se abdicam de defender os seus direitos, a
sua dignidade, a sua cidadania. Foi pela cegueira, voluntária ou involuntária,
da população brasileira que ameaças vêm se transformando em atos concretos
desde 2019, sob os narizes de todos. Portanto, não falemos em ameaças, mas em
atentados constantes contra a sobrevivência do país, inclusive, no campo
democrático.
1 https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/c%c3%a2mara-votar%c3%a1-projeto-que-censura-pesquisas-eleitorais-esvazia-cotas-e-dificulta-puni%c3%a7%c3%a3o-a-pol%c3%adticos/ar-AAMTl9d?ocid=mailsignout&li=AAggXC1
2 https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/diplomacia-verde-em-xeque/ar-AAN1cbz?ocid=mailsignout&li=AAggXC1
3 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/08/apos-ameaca-de-processo-saude-promete-entregar-cota-de-vacina-da-pfizer-para-sp.shtml
4 https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/08/brasil-tem-2o-pior-ano-de-desmate-da-amazonia-da-historia-recente-aponta-inpe.shtml