sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Acorda, Alice!


Acorda, Alice!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Me desculpem, mas a ideia de ameaça à constitucionalidade brasileira só me faz crer na existência de um universo paralelo, realidade alternativa ou algo do gênero. Porque ameaça pressupõe uma intenção em fazer e o que estamos assistindo, de camarote, todos os dias, são atos concretos realizados contra a população e a constituição federal.

Por mais que a linguagem jurídica permita eventuais interpretações, tendo em vista que cada caso é um caso, na medida da existência de especificidades humanas e conjunturais; mas, no caso da gestão pública vigente, tudo está muito claro.

Já no 1º artigo, questões como cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho foram brutalmente atacados pelas políticas socioeconômicas apresentadas. Basta observar que, em 2011, a pirâmide social brasileira encontrava-se distribuída em 8%, 54% e 38% referentes, respectivamente, à elite, classe média tradicional e classe baixa. Uma década depois, ela está em 6%, para a elite, e a classe média tradicional e a classe baixa se encontram niveladas no mesmo percentual, 47% cada uma.

Razões para tentar explicar esse movimento não faltam. 14,76 milhões é o número total de desempregados no país, sendo que, 3,3 milhões perderam o emprego desde abril de 2020, 34,2 milhões estão trabalhando na informalidade e 76,38 milhões refere-se ao contingente de pessoas fora da força de trabalho. O que em síntese, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), significa que o país mantém uma taxa de desocupação recorde, de 14,7% da população economicamente ativa.

A pobreza saltou de 9,5 milhões em agosto de 2020 para mais de 27 milhões em fevereiro de 2021; apesar do crescimento de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre deste ano. Afinal, com a tríade “desemprego, inflação, baixa renda” seria impossível não trazer de volta o país ao mapa da fome.

O 2º artigo, o qual faz referência ao Sistema de Freios e Contrapesos dos Poderes da República, os constantes ataques do Presidente às demais instituições falam por si só. Em pleno século XXI, tem-se a nítida impressão de que o país vive nos tempos do Absolutismo. Centralização da governança nas mãos do mandatário da nação, exigência de uma relação de fidelidade entre o povo e o governo, ausência de transparência dos atos e decisões, impossibilidade de questionamento por parte dos cidadãos sob ameaça de repressão ou prisão, enfim...

As afrontas ao 3º artigo se valem dos pontos já destacados anteriormente; pois, não há políticas públicas delineadas, de maneira exequível, com o propósito efetivo de “construir uma sociedade, livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; e, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

E no que tange “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” o governo se destituiu da obrigação de fazê-lo. Ao contrário, só tem disseminado discursos de ódio, de intolerância, de apologia à compra e porte de armas, e, particularmente, de total desprezo à vida humana.

Sobre o 4º artigo, as condutas em relação à Pandemia do Sars-Cov-2 evidenciaram o seu enviesamento, pelo total desrespeito aos direitos humanos, a igualdade entre os Estados e, sobretudo, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Também, se ofendeu de forma pública e notória, a paz, por meio da abdicação dos recursos diplomáticos protocolares, usando a internet para fins ofensivos e chulos contra países importantes no círculo das relações internacionais brasileiras.   

Enfim, uma leitura atenta a cada um dos 8 Títulos que compõem a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, traz ao cidadão brasileiro a possibilidade de perceber o quanto aquelas palavras, em vários momentos, têm sido desvirtuadas do seu objetivo para uma prática moldada às avessas pelo atual governo. Foram criados verdadeiros abismos entre o que assegura a Constituição e as ações políticas empregadas pelo governo, os quais encontram fundamentações comprobatórias nos registros de comunicação e informação de diversos veículos nacionais e internacionais.  

Sobretudo, em relação ao Título VIII – Da Ordem Social, quando os assuntos abordados tratam dos direitos referentes à Seguridade Social, Saúde, Previdência Social, Assistência Social, Educação / Cultura / Desporto, Ciência / Tecnologia / Inovação, Comunicação Social, Meio Ambiente, Família / Criança / Adolescente / Idoso, e Índios. Vejam, algumas manchetes, de hoje, por exemplo: “Câmara votará projeto que censura pesquisas eleitorais, esvazia cotas e dificulta punição a políticos” 1. “Diplomacia Verde em xeque” 2. “Após ameaça de processo, Saúde promete entregar cota de vacina da Pfizer para SP” 3. “Brasil tem 2º pior ano de desmate da Amazônia da história recente, aponta Inpe” 4. “Reforma aumentará sonegação, diz CNC” 5. “Brasil registra terceiro ano com queda consecutiva nos reconhecimentos de paternidade” 6.

Já dizia Einstein que “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade” e ele estava certo. Ameaças só prosperam pelo silêncio daqueles que se abdicam de defender os seus direitos, a sua dignidade, a sua cidadania. Foi pela cegueira, voluntária ou involuntária, da população brasileira que ameaças vêm se transformando em atos concretos desde 2019, sob os narizes de todos. Portanto, não falemos em ameaças, mas em atentados constantes contra a sobrevivência do país, inclusive, no campo democrático.