quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Complexo de avestruz ...


Complexo de avestruz ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nunca os brasileiros foram tão avestruzes quanto agora. Como nos desenhos animados, eles parecem estar com as cabeças enterradas no solo para se manterem alheios ao que de fato acontece ao seu redor. Mas, como ouvi em um passado recente, e daí?! Acontece que a negação, o fingir que não viu, que não sabe, nada disso adianta, porque a vida é, assim, imprevisivelmente indomável. É ela quem dá as cartas, quem dita as regras, quem faz e acontece. Ela não se importa em ser Nero, de vez em quando, tocando harpa na Roma em chamas.

Haja vista um tsunami chamado COVID-19. Enquanto se deixam absorver pelos ruídos barulhentos do campo político, na Terra Brasilis, absolutamente nada está sob controle; visto que, um ser invisível percorre o mundo sem passaporte, sem permissão ... Pois é, até que a pandemia esteja efetivamente sob controle, os cenários e perspectivas do mundo estão em suspenso, o que inclui o Brasil. Afinal, apesar de todos os seus esforços em ser um ente destacado do globo terrestre, ele ainda pertence a geografia do mundo.  

Na queda de braços contra a Ciência, ela ganhou.  Resistentes a ouvir e a fazer o que era necessário, desde o início, fomos permitindo e ampliando as possibilidades de mutação do vírus. E cá está a variante Delta no esplendor da sua transmissibilidade, elevando o número de casos, potencializando novas mortes, manifestando novos sintomas pós-contágio e mantendo o vírus circulante por mais tempo. Pois, como é de conhecimento público, o mundo não está plenamente vacinado e, por aqui, as coisas caminham de mal a pior nesse sentido, porque a baixa cobertura vacinal é tão ruim quanto não fazê-la.

Porém, espantosamente, o que tem atraído e preocupado uma parcela significativa da população são as disputas de poder, na capital federal. O fato é que elas estão deixando claro, para qualquer um, a dissociação completa entre o poder e o país, como se isso fosse possível. De modo que a governança já balança na corda bamba, sem sombrinha ou rede de proteção. Mas, tudo permanece orbitando a manutenção das posições políticas, dos cargos, das canetas, dos discursos e das bravatas.

Em suma, nada mais deplorável e abjeto. Mais uma dentre tantas cicatrizes deixadas pela nossa história colonial. O que explica a infinitude de rapapés e salamaleques presentes nos círculos do poder nacional. Cheios de melindres uns com os outros, pisando em ovos, por conta das alianças e dos conchavos, tornando os limites demasiadamente flexíveis e tendenciosos, fazendo constranger o que se entende por ética e moral. Daí o país estar à beira do caos e haver tanta gente “passando pano” na situação.

Infelizmente, o Brasil jamais encontrou gente disposta a cortar seus males pela raiz. Olhando somente pelo panorama dos estragos advindos da Pandemia, já se tem perdas suficientes para demandar décadas de recuperação; isso, se houver disposição e interesse político em arregaçar as mangas e começar a agir agora. A questão é que há toda uma história pregressa embutida nesse combo de problemas, a qual vem sendo postergada ad aeternum, com todos os seus juros e correções.

Isso significa que, muitos de nós, talvez, nem estejam vivos se, algum dia, essa eventual recuperação acontecer. Por enquanto, o que nos cabe é, tão somente, o inferno do infortúnio de viver na pele os impactos dessa crise, pagando com suor, lágrimas e muitos impostos a negligência daqueles que não entenderam o seu papel constitucional no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Aliás, muitos estão pagando com a própria vida, não é mesmo? Que digam os mais de 560 mil mortos, somente, pela COVID-19.

Porque desde que o Brasil foi colonizado no século XVI essa é a sina do país. A lealdade subserviente que alguns oferecem aos mandatários da nação, em troca de favores, regalias e privilégios, que no fundo não passa de artigo perecível ao tempo. O poder enfraquece a memória e faz os dias e as pessoas algo fácil de descartar; afinal, o pudor não faz parte da política. Para ela tudo é efêmero, fugaz, inclusive os interesses e os desinteresses.

É preciso parar com essa obstinação em pensar que “dessa vez vai ser diferente”, porque nunca é. Como já ouvimos de um narrador esportivo, “hoje não, hoje não, hoje sim...”. Eles se fartam dos nossos sacrifícios e esforços, até se cansar. Depois levantam da mesa, saem à francesa, e a conta chega nas mãos dos desavisados. Se os recursos não foram provisionados, pode-se oferecer para lavar os pratos, ou varrer o salão, quem sabe?

Mas é assim, exatamente assim, que o Brasil tem funcionado nos seus mais de 500 anos. E ainda tem gente que se considera superior, acima do Bem e do Mal, de uma casta especialíssima, só para não dar a mão à palmatória ao seu incurável complexo de avestruz.