Complexo
de avestruz ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Nunca os brasileiros foram tão
avestruzes quanto agora. Como nos desenhos animados, eles parecem estar com as
cabeças enterradas no solo para se manterem alheios ao que de fato acontece ao
seu redor. Mas, como ouvi em um passado recente, e daí?! Acontece que a negação,
o fingir que não viu, que não sabe, nada disso adianta, porque a vida é, assim,
imprevisivelmente indomável. É ela quem dá as cartas, quem dita as regras, quem
faz e acontece. Ela não se importa em ser Nero, de vez em quando, tocando harpa
na Roma em chamas.
Haja vista um tsunami chamado
COVID-19. Enquanto se deixam absorver pelos ruídos barulhentos do campo
político, na Terra Brasilis, absolutamente
nada está sob controle; visto que, um ser invisível percorre o mundo sem
passaporte, sem permissão ... Pois é, até que a pandemia esteja efetivamente sob
controle, os cenários e perspectivas do mundo estão em suspenso, o que inclui o
Brasil. Afinal, apesar de todos os seus esforços em ser um ente destacado do
globo terrestre, ele ainda pertence a geografia do mundo.
Na queda de braços contra a Ciência,
ela ganhou. Resistentes a ouvir e a
fazer o que era necessário, desde o início, fomos permitindo e ampliando as
possibilidades de mutação do vírus. E cá está a variante Delta no esplendor da
sua transmissibilidade, elevando o número de casos, potencializando novas
mortes, manifestando novos sintomas pós-contágio e mantendo o vírus circulante
por mais tempo. Pois, como é de conhecimento público, o mundo não está
plenamente vacinado e, por aqui, as coisas caminham de mal a pior nesse sentido,
porque a baixa cobertura vacinal é tão ruim quanto não fazê-la.
Porém, espantosamente, o que tem atraído
e preocupado uma parcela significativa da população são as disputas de poder,
na capital federal. O fato é que elas estão deixando claro, para qualquer um, a
dissociação completa entre o poder e o país, como se isso fosse possível. De modo
que a governança já balança na corda bamba, sem sombrinha ou rede de proteção. Mas,
tudo permanece orbitando a manutenção das posições políticas, dos cargos, das
canetas, dos discursos e das bravatas.
Em suma, nada mais deplorável e
abjeto. Mais uma dentre tantas cicatrizes deixadas pela nossa história
colonial. O que explica a infinitude de rapapés e salamaleques presentes nos círculos
do poder nacional. Cheios de melindres uns com os outros, pisando em ovos, por
conta das alianças e dos conchavos, tornando os limites demasiadamente flexíveis
e tendenciosos, fazendo constranger o que se entende por ética e moral. Daí o
país estar à beira do caos e haver tanta gente “passando pano” na situação.
Infelizmente, o Brasil jamais
encontrou gente disposta a cortar seus males pela raiz. Olhando somente pelo
panorama dos estragos advindos da Pandemia, já se tem perdas suficientes para
demandar décadas de recuperação; isso, se houver disposição e interesse
político em arregaçar as mangas e começar a agir agora. A questão é que há toda
uma história pregressa embutida nesse combo de problemas, a qual vem sendo postergada
ad aeternum, com todos os seus juros
e correções.
Isso significa que, muitos de
nós, talvez, nem estejam vivos se, algum dia, essa eventual recuperação
acontecer. Por enquanto, o que nos cabe é, tão somente, o inferno do infortúnio
de viver na pele os impactos dessa crise, pagando com suor, lágrimas e muitos
impostos a negligência daqueles que não entenderam o seu papel constitucional
no âmbito do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Aliás, muitos estão
pagando com a própria vida, não é mesmo? Que digam os mais de 560 mil mortos,
somente, pela COVID-19.
Porque desde que o Brasil foi
colonizado no século XVI essa é a sina do país. A lealdade subserviente que
alguns oferecem aos mandatários da nação, em troca de favores, regalias e privilégios,
que no fundo não passa de artigo perecível ao tempo. O poder enfraquece a memória
e faz os dias e as pessoas algo fácil de descartar; afinal, o pudor não faz
parte da política. Para ela tudo é efêmero, fugaz, inclusive os interesses e os
desinteresses.
É preciso parar com essa
obstinação em pensar que “dessa vez vai
ser diferente”, porque nunca é. Como já ouvimos de um narrador esportivo, “hoje não, hoje não, hoje sim...”. Eles
se fartam dos nossos sacrifícios e esforços, até se cansar. Depois levantam da
mesa, saem à francesa, e a conta
chega nas mãos dos desavisados. Se os recursos não foram provisionados, pode-se
oferecer para lavar os pratos, ou varrer o salão, quem sabe?
Mas é assim, exatamente assim, que o Brasil tem funcionado nos seus mais de 500 anos. E ainda tem gente que se considera superior, acima do Bem e do Mal, de uma casta especialíssima, só para não dar a mão à palmatória ao seu incurável complexo de avestruz.