sábado, 10 de julho de 2021

Em busca de um denominador comum ... ou não?!


Em busca de um denominador comum ... ou não?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Surpresa e, um tanto quanto, decepcionada com a notícia 1 recente de que o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR) decidiram convocar um ato pelo impeachment do Presidente da República para 12 de setembro; mas, se colocando numa posição de divisão das ruas com os movimentos de esquerda.

Afinal de contas, não cabe senão as razões que retratam e justificam, sem contestação, a gravidade da situação brasileira nesses últimos 2 anos e meio, o estímulo para que milhares de pessoas decidam manifestar pacificamente a sua indignação a respeito.

Como já sabemos, de experiências pregressas, as iniciativas de promover o exercício cidadão reivindicatório, quase sempre, abrem espaços para que eventuais grupos políticos venham surfar, de carona, e se apropriar de seus discursos e narrativas. Mas, vamos e convenhamos, dessa vez, diante de uma conjuntura atual enlutada por mais de meio milhão de seres humanos, isso perde totalmente o sentido.

Praças, ruas, avenidas são, agora, um espaço catártico para amenizar a dor, o sofrimento e as dilapidações profundas sofridas pela população brasileira. Por isso, mais do que nunca, elas têm que ser apartidárias e estarem focadas nas demandas, as quais os cidadãos desejam solução.

Elas devem ser, portanto, a expressão materializada do alcance de um denominador comum do coletivo plural brasileiro, conseguido a partir do distanciamento das alienações sociais. Porque, “A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une” (Milton Santos – geógrafo, advogado e professor).

Infelizmente, o Brasil tem olhado de maneira bastante equivocada, tendenciosa e ineficiente sobre sua própria história. Pois é, a polarização trouxe consequências inimaginadas para o campo prático da vida nacional. O brasileiro transformou o país em um jogo de torcidas organizadas, altamente apaixonadas, inflamadas e divergentes, fazendo de cada demanda ou mazela um cabo-de-guerra, para medir os limites e a intensidade do seu poder. Pena, que se esqueceram do mais importante, daquilo que estava em jogo, a nação.

Brigando na periferia dos problemas, os polos, em franco conflito, deixam de ver as prioridades, suas consequências, seus desdobramentos, seus impactos sobre a vida de milhões de pessoas. E quanto mais olham para si mesmos, mais esquecida e abandonada se torna a nação, na sua infinitude de vulnerabilidades. A tal ponto que, os vetores desse embate acabam se anulando e as pseudovitórias se tornando cada vez mais esparsas e inconsistentes.

Se não fosse esse imponderável (uma Pandemia), sem precedentes, certamente a população brasileira iria continuar tocando o cotidiano dentro de suas ínfimas possibilidades, comendo o pão que o diabo amassou com um sorriso amarelo e maroto de quem fez bobagem; mas, nada além disso. E as praças, ruas e avenidas não estariam sendo disputadas e loteadas por ninguém, por nenhum grupo político, sob nenhuma pretensão de trabalhar em nome da mudança, da transformação.

Não é à toa que os exemplos disso estão distribuídos por todos os veículos de informação e comunicação, nos retratos de uma deterioração acentuada e veloz dos indicadores sociais e das políticas públicas. O país não reafirma seus discursos e narrativas desenvolvimentistas, porque acaba preso nas teias das politicagens fisiológicas, oriundas de uma representatividade política que não respeita a própria sociedade que a elegeu.

O que me faz pensar sobre uma citação do orador e político romano Cícero, que viveu antes de Cristo. “Uma nação pode sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos. Mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma. Um inimigo exterior não é tão perigoso, porque é conhecido e carrega suas bandeiras abertamente. Mas o traidor se move livremente dentro do governo, seus melífluos sussurros são ouvidos entre todos e ecoam no próprio vestíbulo do Estado. E esse traidor não parece ser um traidor; ele fala com a familiaridade a suas vítimas, usa sua face e suas roupas e apela aos sentimentos que se alojam no coração de todas as pessoas. Ele arruína as raízes da sociedade, ele trabalha em segredo e oculto na noite para demolir as fundações da nação; ele infecta o corpo político a tal ponto que este sucumbe. Deve-se temê-lo mais que a um assassino”.

Tomemos, então, cuidado com a polarização, é ela quem vem traindo o país, exaurindo suas forças e energias em um embate desnecessário, lançando, uns sobre os outros, as responsabilidades e as culpas sobre os erros, os descaminhos, as tragédias, porque não tem nenhuma intenção em resolvê-los.

Afinal de contas, não se pode esquecer de que “A construção do ser social, feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios – sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento – que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela” (Émile Durkheim – sociólogo francês).