Cortina
de fumaça ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Espantado (a)?! Espero,
sinceramente, que não! Afinal de contas, cortinas de fumaça são o que são e a
Copa América de Futebol Masculino foi só mais um exemplo. Criadas para
esconder, ofuscar, dificultar a visão das pessoas, as cortinas de fumaça,
dependendo daquilo que querem ou precisam invisibilizar, não cumprem muito bem
o seu papel.
Mas, pensando bem, era preciso
muita ingenuidade e credulidade para acreditar que uma fumacinha qualquer seria
capaz de encobrir uma Pandemia e todos os seus desdobramentos. O pior é que
teve quem acreditasse. O Brasil.
Enquanto, vários países abdicaram
de sediar o torneio futebolístico, dadas as condições gravíssimas da Pandemia,
a Terra Brasilis abriu a porteira,
como de costume, e deu as boas-vindas ao Sars-COV-2, com toda a sua alegria
funesta.
Sim! Até 28 de junho, o
Ministério da Saúde brasileiro dava contas de 198 casos confirmados de COVID-19
ligados diretamente à Copa América, foram “57
entre jogadores e membros das delegações, 137 de prestadores de serviços e 4 da
Conmebol, que inclui equipe de arbitragem, médicos e logística. As contaminações
dos prestadores foram confirmadas em Brasília, Goiânia, Cuiabá e no Rio de
Janeiro” 1.
O que, também, não surpreendeu
diante de todos os apelos de médicos, cientistas, pesquisadores, para que o
evento não ocorresse. Os riscos já impostos pelas variantes do vírus em
circulação, segundo eles, poderiam favorecer o surgimento de outras, pela
maximização do tráfego de pessoas no país, ainda que obedecidos os critérios de
segurança, ou seja, uso de máscaras, distanciamento e álcool em gel.
No entanto, é bom ressaltar que o
alinhamento da Conmebol com o Brasil, em relação à COVID-19, impediu a transparência
das informações a respeito dos casos, o que significou obstaculizar eventuais ações
que se fizessem necessárias durante o torneio, ampliando o risco para todo o
país. E o fato da Seleção Brasileira ter passado ilesa, sem casos, se explique
em razão de grande parte do elenco ter sido vacinado em seus respectivos clubes,
na Europa.
Seja como for, se por um lado todos
esses fatos dão conta de uma certa deslealdade em relação aos demais
participantes, por outro fica evidente como o Brasil apostava na consagração
final como moeda de propaganda política. Mesmo que fosse necessária uma “ajudinha”
de bastidores, como as já citadas acima, para não correr nenhum risco de ver os
planos frustrados. Porque, apesar da fama do futebol brasileiro, vai que
acontece uma zebra, não é mesmo?!
Então, fizeram tudo dentro do
script; mas, se esqueceram de combinar com os russos, quero dizer, os
argentinos. Deu zebra, na cabeça! Em pleno palco sagrado do Maracanã,
Maracanaço outra vez. Dessa vez, ao som de Gardel e sob os aplausos esfuziantemente
invisíveis de um vírus. 1 a 0 para los hermanos argentinos. 1000 a 0 para o
Sars-COV-2, que driblou, entortou e bateu em cheio no fundo do gol.
Como assim?! Ora, a insistência,
a afronta gerada pela realização da Copa América, aqui no Brasil, foi um
estopim às avessas para promover aversão no lugar de simpatia e contentamento. O
ânimo da sociedade não estava nessa sintonia. As pessoas estão desconfortáveis
diante de um vírus mortal e imprevisível. Está difícil encontrar motivos para desanuviar
um pouco a cabeça, quando ainda não foi possível assimilar e ressignificar o próprio
luto que paira sobre o país.
Portanto, quase um mês de torneio
e a ineficiência se mostrou explícita para atrair a atenção dos brasileiros. Todo
os sentidos estão voltados para a realidade de mais de meio milhão de vidas
perdidas pela Pandemia, de milhares de desempregados e desalentados,
enfrentando os reveses impostos pela política econômica nacional, enquanto as vísceras
do governo são exibidas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada
pelo Senado Federal. Fala sério que alguém iria prestar atenção em futebol! Já se
foi o tempo em que a seleção canarinho funcionava como o ópio do povo. Aquela simbiose
que existia entre torcedor e seleção acabou.
Desse modo, dessa fumaça
promovida intencionalmente resultou o ardor nos olhos, algumas lágrimas de
desconforto e só. Contudo, sem precisar de muitas horas depois, nem do som do
apito final, a vida já estava pronta, exigindo, cobrando soluções, respostas,
atitudes assertivas; mas, particularmente, o desapego ao passado. Como disse
Leonard Cohen, “Como é que posso começar
algo de novo com todo o ontem que está dentro de mim? ”.
Quem está no poder quer um mundo
de 60 anos atrás, que não existe mais, que não há como recuperar. Por isso,
governa esquisito, desalinhado, desajustado a realidade; o que,
inevitavelmente, resulta em desastrosos fiascos. E enquanto for assim, na base do apego ao
passado, sempre haverá fumaças pelos caminhos, tentando de qualquer modo
inebriar os sentidos para não ver a realidade se decompondo em cinzas.