domingo, 11 de julho de 2021

Cortina de fumaça ...


Cortina de fumaça ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Espantado (a)?! Espero, sinceramente, que não! Afinal de contas, cortinas de fumaça são o que são e a Copa América de Futebol Masculino foi só mais um exemplo. Criadas para esconder, ofuscar, dificultar a visão das pessoas, as cortinas de fumaça, dependendo daquilo que querem ou precisam invisibilizar, não cumprem muito bem o seu papel.

Mas, pensando bem, era preciso muita ingenuidade e credulidade para acreditar que uma fumacinha qualquer seria capaz de encobrir uma Pandemia e todos os seus desdobramentos. O pior é que teve quem acreditasse. O Brasil.

Enquanto, vários países abdicaram de sediar o torneio futebolístico, dadas as condições gravíssimas da Pandemia, a Terra Brasilis abriu a porteira, como de costume, e deu as boas-vindas ao Sars-COV-2, com toda a sua alegria funesta.

Sim! Até 28 de junho, o Ministério da Saúde brasileiro dava contas de 198 casos confirmados de COVID-19 ligados diretamente à Copa América, foram “57 entre jogadores e membros das delegações, 137 de prestadores de serviços e 4 da Conmebol, que inclui equipe de arbitragem, médicos e logística. As contaminações dos prestadores foram confirmadas em Brasília, Goiânia, Cuiabá e no Rio de Janeiro” 1.

O que, também, não surpreendeu diante de todos os apelos de médicos, cientistas, pesquisadores, para que o evento não ocorresse. Os riscos já impostos pelas variantes do vírus em circulação, segundo eles, poderiam favorecer o surgimento de outras, pela maximização do tráfego de pessoas no país, ainda que obedecidos os critérios de segurança, ou seja, uso de máscaras, distanciamento e álcool em gel.  

No entanto, é bom ressaltar que o alinhamento da Conmebol com o Brasil, em relação à COVID-19, impediu a transparência das informações a respeito dos casos, o que significou obstaculizar eventuais ações que se fizessem necessárias durante o torneio, ampliando o risco para todo o país. E o fato da Seleção Brasileira ter passado ilesa, sem casos, se explique em razão de grande parte do elenco ter sido vacinado em seus respectivos clubes, na Europa.

Seja como for, se por um lado todos esses fatos dão conta de uma certa deslealdade em relação aos demais participantes, por outro fica evidente como o Brasil apostava na consagração final como moeda de propaganda política. Mesmo que fosse necessária uma “ajudinha” de bastidores, como as já citadas acima, para não correr nenhum risco de ver os planos frustrados. Porque, apesar da fama do futebol brasileiro, vai que acontece uma zebra, não é mesmo?!

Então, fizeram tudo dentro do script; mas, se esqueceram de combinar com os russos, quero dizer, os argentinos. Deu zebra, na cabeça! Em pleno palco sagrado do Maracanã, Maracanaço outra vez. Dessa vez, ao som de Gardel e sob os aplausos esfuziantemente invisíveis de um vírus. 1 a 0 para los hermanos argentinos. 1000 a 0 para o Sars-COV-2, que driblou, entortou e bateu em cheio no fundo do gol.

Como assim?! Ora, a insistência, a afronta gerada pela realização da Copa América, aqui no Brasil, foi um estopim às avessas para promover aversão no lugar de simpatia e contentamento. O ânimo da sociedade não estava nessa sintonia. As pessoas estão desconfortáveis diante de um vírus mortal e imprevisível. Está difícil encontrar motivos para desanuviar um pouco a cabeça, quando ainda não foi possível assimilar e ressignificar o próprio luto que paira sobre o país.

Portanto, quase um mês de torneio e a ineficiência se mostrou explícita para atrair a atenção dos brasileiros. Todo os sentidos estão voltados para a realidade de mais de meio milhão de vidas perdidas pela Pandemia, de milhares de desempregados e desalentados, enfrentando os reveses impostos pela política econômica nacional, enquanto as vísceras do governo são exibidas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada pelo Senado Federal. Fala sério que alguém iria prestar atenção em futebol! Já se foi o tempo em que a seleção canarinho funcionava como o ópio do povo. Aquela simbiose que existia entre torcedor e seleção acabou.

Desse modo, dessa fumaça promovida intencionalmente resultou o ardor nos olhos, algumas lágrimas de desconforto e só. Contudo, sem precisar de muitas horas depois, nem do som do apito final, a vida já estava pronta, exigindo, cobrando soluções, respostas, atitudes assertivas; mas, particularmente, o desapego ao passado. Como disse Leonard Cohen, “Como é que posso começar algo de novo com todo o ontem que está dentro de mim? ”.

Quem está no poder quer um mundo de 60 anos atrás, que não existe mais, que não há como recuperar. Por isso, governa esquisito, desalinhado, desajustado a realidade; o que, inevitavelmente, resulta em desastrosos fiascos.  E enquanto for assim, na base do apego ao passado, sempre haverá fumaças pelos caminhos, tentando de qualquer modo inebriar os sentidos para não ver a realidade se decompondo em cinzas.