A
cidadania entre o som e o silêncio
Por
Alessandra Leles Rocha
A escalada do morticínio pelo
Sars-Cov-2 no país leva, mais uma vez, neste sábado, milhares de pessoas às
ruas, em capitais e cidades do interior. Mesmo com a Pandemia solta por aí, a
população cansou de esperar pela prevalência do bom senso e a efetividade de
ações responsáveis, e decidiu reafirmar o seu luto pelas mais de 520 mil vidas
perdidas, apenas para essa doença; bem como, toda a sua insatisfação cidadã
frente aos descaminhos que percorre o país.
Dentre as pautas que movem a indignação
coletiva estão a necessidade de aceleração no processo de imunização da
população contra a COVID-19, os recentes indícios de corrupção na aquisição de
vacinas pelo governo federal e, o pedido de impeachment
do Presidente da República, por crime de responsabilidade, conforme rege a
Lei n. º 1079, de 10 de abril de 1950.
Mas, nem precisava de tudo isso,
de toda essa mobilização. Já está patenteado por provas materiais robustas, que
variam de matérias e entrevistas jornalísticas, depoimentos fornecidos à
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pelo Senado Federal, pesquisas
científicas acolhidas e referendas no cenário acadêmico mundial, que tem havido
uma sucessão de Crimes Contra a Saúde Pública, no país, segundo está
estabelecido no Código Penal brasileiro 1,
nos artigos 267, 268, 269, 282, 283 e 284. O que não significa que as outras
pautas sejam menos importantes; mas, o fundamental, como ponto de partida, para
o afastamento do presidente, já se encontra consubstanciado.
O problema é que nem sempre a lei
é o suficiente para determinar o curso da história, nesse país. Por experiências
pregressas se sabe que o instituto do impeachment
não se resume a um ato exclusivamente jurídico; mas, particularmente,
político. Sem o interesse dos legisladores da Câmara Federal, para dar início
aos ritos, e aos legisladores do Senado da República, para proceder ao
julgamento, nada acontece de fato.
Daí a necessidade da mobilização nacional
para dar visibilidade aos clamores e interesses sociais urgentes, nesse momento;
a fim de que, não caiam no esquecimento dos seus representantes, ou no fundo de
alguma gaveta do legislativo federal, como já ocorreu com tantas outras
demandas.
Infelizmente, muito mais amiúde do
que se gostaria, a representatividade popular exercida pelos legisladores
nacionais não resiste aos apelos inconvenientes de práticas desvirtuadas dos
valores republicanos, levando ao esquecimento a principal figura do regime, ou
seja, o povo que os elegeu. Por isso, não raras as vezes, as decisões
legislativas decorrem da tecitura de interesses outros, que não aqueles
oriundos da população.
Nesse contexto fica, então, muito
claro o abismo que existe entre os representantes da classe política e seus
eleitores. A vida útil política do cidadão se resume ao período eleitoral,
quando ele passa a usufruir do direito de escolha de quem irá representá-lo. O êxito
ou o fracasso eleitoral dos candidatos está, portanto, nas mãos do eleitor.
Mas, finalizado o sufrágio,
conhecidos os resultados, o cidadão deixa de existir na memória e na gratidão
dos eleitos. A partir daquele momento, a sua lealdade, a sua subserviência, a
sua dedicação está voltada, única e exclusivamente, aos núcleos do poder
político.
Entretanto, esse modus operandi não cabe mais na
contemporaneidade, nos tempos das Tecnologias da Comunicação e da Informação
(TICs), porque fragiliza a velha convicção de que o eleitor não tem interesse,
ou não tem tempo de acompanhar a política nacional, ou nem sabe mais em quem
votou, enfim...
Hoje, as notícias correm na
velocidade da luz, pelo simples toque dos dedos sobre uma tela de celular. Ninguém precisa mais aguardar o jornal do dia
seguinte para saber as grandes novidades do país. A 4ª Revolução Industrial ou
Revolução 4.0 colocou a serviço da humanidade milhares de nuvens cibernéticas para
guardar dados e informações do cotidiano; mas, também notícias produzidas aqui,
ali e acolá.
Isso significa que Brasília, DF, está
logo ali. Todas as linhas e entrelinhas dos meandros dos poderes federais são
dissecadas e expostas pelas mídias eletrônicas e convencionais, diariamente. Mesmo
para quem queira permanecer alienado às novidades, as tecnologias são implacáveis,
basta ligar o aparelho digital, para as manchetes pipocarem na tela e
instigarem, nem que seja, uma breve espiadinha.
Não é à toa que tantos
brasileiros estejam acompanhando, lance a lance, a CPI da Pandemia, as sessões
plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF), as votações de medidas polêmicas
na Câmara e no Senado; inclusive, conhecendo pelo nome, aqueles que vos falam nessas
ocasiões.
A memória do cidadão brasileiro
foi resgatada, ainda que, por um acaso ou por uma traquinagem tecnológica. Fato
é, que o eleitor se apropriou de vez da força do seu voto e, agora, não tem
mais desculpa para se equivocar nas escolhas representativas. Ele sabe muito
bem, quem é quem!
Sem contar que, apesar da acessibilidade
digital no país, ainda, ser um desafio significativo para muitos cidadãos, a
pesquisa TIC Domicílios, em 2020, revelou que “58% dos brasileiros acessavam a internet em 2019 exclusivamente pelo
telefone celular. O estudo indicou que a conexão estava disponível para 74% da
população, o que correspondia a 134 milhões de pessoas, e em 71% dos lares no
país. O telefone celular foi praticamente “universalizado” entre os internautas
brasileiros: 99% dos ouvidos relataram possuir o aparelho. [...] Conforme a
pesquisa, 90% dos brasileiros possuíam aparelho celular. Deste total, 62%
contratavam planos pré-pagos. Nas classes D e E, este percentual sobe para 70%.
A dependência do celular varia bastante conforme as características socioeconômicas.
Ela ficou em 79% na área rural e em 56% na urbana”2.
Tendo em vista todas essas
considerações, então, um certo otimismo ganha corpo e se manifesta através das
manifestações de hoje. As ruas, as avenidas, as praças, estão provando e
aprovando a sua disposição para o impeachment.
Mas, no fundo, estão mesmo é renovando a credibilidade que depositaram nos seus
representantes para o Congresso Nacional, na última eleição.
Assim, resta saber se eles vão
agradecer por isso, ou vão continuar inertes, tocando em banho-maria a
situação, aguardando pelo empenho de novo apoio, em 2022, do seu eleitor. Em suma,
uma simples questão de escolha: fazer ou não fazer a coisa certa. Eis, então, a
questão!
2 CASAL Jr., M. Uso de internet exclusivo por celular impacta as experiências dos usuários. 31 mai. 2020. Agência Brasil. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2020/05/31/acesso-a-internet-e-exclusivo-no-celular-para-59-no-brasil.htm . Acesso em: 30 jun. 2020.