sábado, 3 de julho de 2021

A cidadania entre o som e o silêncio


A cidadania entre o som e o silêncio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A escalada do morticínio pelo Sars-Cov-2 no país leva, mais uma vez, neste sábado, milhares de pessoas às ruas, em capitais e cidades do interior. Mesmo com a Pandemia solta por aí, a população cansou de esperar pela prevalência do bom senso e a efetividade de ações responsáveis, e decidiu reafirmar o seu luto pelas mais de 520 mil vidas perdidas, apenas para essa doença; bem como, toda a sua insatisfação cidadã frente aos descaminhos que percorre o país.

Dentre as pautas que movem a indignação coletiva estão a necessidade de aceleração no processo de imunização da população contra a COVID-19, os recentes indícios de corrupção na aquisição de vacinas pelo governo federal e, o pedido de impeachment do Presidente da República, por crime de responsabilidade, conforme rege a Lei n. º 1079, de 10 de abril de 1950.

Mas, nem precisava de tudo isso, de toda essa mobilização. Já está patenteado por provas materiais robustas, que variam de matérias e entrevistas jornalísticas, depoimentos fornecidos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pelo Senado Federal, pesquisas científicas acolhidas e referendas no cenário acadêmico mundial, que tem havido uma sucessão de Crimes Contra a Saúde Pública, no país, segundo está estabelecido no Código Penal brasileiro 1, nos artigos 267, 268, 269, 282, 283 e 284. O que não significa que as outras pautas sejam menos importantes; mas, o fundamental, como ponto de partida, para o afastamento do presidente, já se encontra consubstanciado.

O problema é que nem sempre a lei é o suficiente para determinar o curso da história, nesse país. Por experiências pregressas se sabe que o instituto do impeachment não se resume a um ato exclusivamente jurídico; mas, particularmente, político. Sem o interesse dos legisladores da Câmara Federal, para dar início aos ritos, e aos legisladores do Senado da República, para proceder ao julgamento, nada acontece de fato.

Daí a necessidade da mobilização nacional para dar visibilidade aos clamores e interesses sociais urgentes, nesse momento; a fim de que, não caiam no esquecimento dos seus representantes, ou no fundo de alguma gaveta do legislativo federal, como já ocorreu com tantas outras demandas.

Infelizmente, muito mais amiúde do que se gostaria, a representatividade popular exercida pelos legisladores nacionais não resiste aos apelos inconvenientes de práticas desvirtuadas dos valores republicanos, levando ao esquecimento a principal figura do regime, ou seja, o povo que os elegeu. Por isso, não raras as vezes, as decisões legislativas decorrem da tecitura de interesses outros, que não aqueles oriundos da população.

Nesse contexto fica, então, muito claro o abismo que existe entre os representantes da classe política e seus eleitores. A vida útil política do cidadão se resume ao período eleitoral, quando ele passa a usufruir do direito de escolha de quem irá representá-lo. O êxito ou o fracasso eleitoral dos candidatos está, portanto, nas mãos do eleitor.

Mas, finalizado o sufrágio, conhecidos os resultados, o cidadão deixa de existir na memória e na gratidão dos eleitos. A partir daquele momento, a sua lealdade, a sua subserviência, a sua dedicação está voltada, única e exclusivamente, aos núcleos do poder político.

Entretanto, esse modus operandi não cabe mais na contemporaneidade, nos tempos das Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs), porque fragiliza a velha convicção de que o eleitor não tem interesse, ou não tem tempo de acompanhar a política nacional, ou nem sabe mais em quem votou, enfim...

Hoje, as notícias correm na velocidade da luz, pelo simples toque dos dedos sobre uma tela de celular.  Ninguém precisa mais aguardar o jornal do dia seguinte para saber as grandes novidades do país. A 4ª Revolução Industrial ou Revolução 4.0 colocou a serviço da humanidade milhares de nuvens cibernéticas para guardar dados e informações do cotidiano; mas, também notícias produzidas aqui, ali e acolá.

Isso significa que Brasília, DF, está logo ali. Todas as linhas e entrelinhas dos meandros dos poderes federais são dissecadas e expostas pelas mídias eletrônicas e convencionais, diariamente. Mesmo para quem queira permanecer alienado às novidades, as tecnologias são implacáveis, basta ligar o aparelho digital, para as manchetes pipocarem na tela e instigarem, nem que seja, uma breve espiadinha.

Não é à toa que tantos brasileiros estejam acompanhando, lance a lance, a CPI da Pandemia, as sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF), as votações de medidas polêmicas na Câmara e no Senado; inclusive, conhecendo pelo nome, aqueles que vos falam nessas ocasiões.

A memória do cidadão brasileiro foi resgatada, ainda que, por um acaso ou por uma traquinagem tecnológica. Fato é, que o eleitor se apropriou de vez da força do seu voto e, agora, não tem mais desculpa para se equivocar nas escolhas representativas. Ele sabe muito bem, quem é quem!

Sem contar que, apesar da acessibilidade digital no país, ainda, ser um desafio significativo para muitos cidadãos, a pesquisa TIC Domicílios, em 2020, revelou que “58% dos brasileiros acessavam a internet em 2019 exclusivamente pelo telefone celular. O estudo indicou que a conexão estava disponível para 74% da população, o que correspondia a 134 milhões de pessoas, e em 71% dos lares no país. O telefone celular foi praticamente “universalizado” entre os internautas brasileiros: 99% dos ouvidos relataram possuir o aparelho. [...] Conforme a pesquisa, 90% dos brasileiros possuíam aparelho celular. Deste total, 62% contratavam planos pré-pagos. Nas classes D e E, este percentual sobe para 70%. A dependência do celular varia bastante conforme as características socioeconômicas. Ela ficou em 79% na área rural e em 56% na urbana”2.

Tendo em vista todas essas considerações, então, um certo otimismo ganha corpo e se manifesta através das manifestações de hoje. As ruas, as avenidas, as praças, estão provando e aprovando a sua disposição para o impeachment. Mas, no fundo, estão mesmo é renovando a credibilidade que depositaram nos seus representantes para o Congresso Nacional, na última eleição.

Assim, resta saber se eles vão agradecer por isso, ou vão continuar inertes, tocando em banho-maria a situação, aguardando pelo empenho de novo apoio, em 2022, do seu eleitor. Em suma, uma simples questão de escolha: fazer ou não fazer a coisa certa. Eis, então, a questão!



2 CASAL Jr., M. Uso de internet exclusivo por celular impacta as experiências dos usuários. 31 mai. 2020. Agência Brasil. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2020/05/31/acesso-a-internet-e-exclusivo-no-celular-para-59-no-brasil.htm . Acesso em: 30 jun. 2020.