Vigiar...
Punir... A Violência no caminho da Segurança
Por
Alessandra Leles Rocha
Não, não há o que comemorar. A sociedade
brasileira fracassou mais uma vez. Essa é a verdade. No embate entre a
segurança e a violência predominou a força da brutalidade. Predominou o caminho
usualmente institucionalizado; embora, o país se manifeste, de acordo com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”
e, não disponha de pena capital no seu ordenamento jurídico.
Acontece que essa resposta institucional,
enquanto coloca a violência como resposta à violência, se mostra seletiva,
segundo a organização social. A ideia de segurança e de violência aparecem cada
vez mais estereotipadas em favor ou desfavor de grupos sociais específicos. Basta
ver que a sanha pelo extermínio de um bandido de rua, entendido como um “pé-de-chinelo”,
à margem da sociedade, não existe em relação ao bandido de “colarinho branco”
que dilapida o país. Este, no fim das contas, ainda é chamado de “doutor” e
tratado com toda reverência.
Então, não é à toa, como as incursões
policiais, em nome da segurança pública, acontecem de maneiras distintas em áreas
nobres e em áreas periféricas. E o grau de violência aplicado nessas situações,
também, é diferente.
Embora, as áreas periféricas exponham
claramente o retrato da vulnerabilidade cidadã, ou seja, do abandono do Estado
nas suas mais diversas demandas, são nesses espaços que a violência beira à barbárie,
em um ciclo contínuo. Já nas áreas privilegiadas, a preocupação com a vida
daquela população é elencada como prioridade no planejamento das estratégias. Lá,
o pipoco dos tiros é realizado com muita parcimônia.
Mas, no fim das contas, nada
disso importa porque a violência transita por todos os espaços sociais; na
medida em que a política, que deveria ser de segurança, é uma política de violência,
repleta de fragilidades logísticas, estruturais, instrucionais e jurídicas.
Nem ricos e nem pobres estão a salvo
das violências. Talvez, pelo simples fato da sociedade ter negligenciado a
ideia de “Eduquem as crianças, para que
não seja necessário punir os adultos”, manifesta pelo filósofo e matemático
Pitágoras, antes de Cristo.
Ainda que essas fragilidades existem
e podem ser apontadas e mensuradas, o ponto nevrálgico da questão é que a
sociedade se permitiu acreditar que a educação é sinônimo de punição. O que se
traduz pelo fato de que, enquanto ela se descuida da formação humana e cidadã,
ela espera que através das punições; sobretudo, pelas mais exacerbadas, os indivíduos
se corrijam e se transformem. Pena, que não é o que se vê por aí.
Daí o fracasso. A vida passou a
ser resolvida distante do equilíbrio, da dialogia e dos parâmetros da
organização social, em uma via única de violências. Querendo ou não, sinais contemporâneos
da Lei de Talião – “Olho por olho, dente
por dente”.
Algo que afasta, por completo, não
só a possibilidade de uma convivência e uma coexistência pacificada pelo próprio
balizamento de valores e princípios sociais; como, também, subtrai qualquer
possibilidade de recuperação do indivíduo transgressor.
Sempre que a violência entra em
ação, ela retroalimenta o desequilíbrio social e a barbárie. De modo que a
sociedade fica rodopiando numa espiral de desestabilização infinita. Vejam, por
exemplo, que foram gastos 20 dias, 300 agentes das forças de segurança das
polícias militar, civil e federal do estado de Goiás e DF; bem como, recursos
financeiros robustos, para capturar um único criminoso foragido, cuja periculosidade
não cabia contestação.
No fim das contas, ele acabou
preso e morto. Para muitos, o temor social que exalava da sua presença,
rondando aquela área, foi dissipado. Mas, ninguém pode dizer que a segurança
foi restabelecida. Ninguém pode garantir que, de uma hora para outra, novos
foragidos não venham aterrorizar o local. Nem que outras formas de violência venham
perturbar a rotina daquela população, iniciando um novo ciclo de inseguranças.
Porque a sociedade, seus valores,
seus princípios, sua organização permanece a mesma. Sob uma vigília sem fim, a
espera do desacato, do desrespeito, da insubordinação, para punir. E resumida
nesse aspecto, a punição extrai a humanidade que reside em todo indivíduo, ele
perde a sua condição existencial, a sua dignidade.
A punição, na ótica das
desigualdades, então, torna-se um instrumento perigoso para justificar as
atrocidades, os abusos e os absurdos que regem a desumanidade social.
Basta pensar, por exemplo, que
foi com um argumento semelhante, que os nazistas se valeram para o genocídio judeu
e de outras minorias, durante a 2ª Guerra Mundial. Punir com rigor e atrocidade
quem eles não toleravam. Quem eles não queriam. Quem eles julgavam inferiores. Quem
eles consideravam uma ameaça.
Assim, em nome de uma “segurança”
temos visto a violência se alastrar pelo mundo, sob formas distintas e
opressoras de intolerância e preconceito. Temos que ser cautelosos, então, antes
de elevar o dedo em riste, de celebrar a desgraça alheia.
Porque, segundo Nietzsche, filósofo
alemão, “Quem luta com monstros deve
velar porque, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares,
durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti”.
O que quer dizer, no fim das contas, que independentemente de quem somos ou acreditamos ser, “Precisamos de um senso de justiça, mas precisamos também de senso comum, de imaginação, de uma capacidade profunda de imaginar o outro, às vezes de nos colocarmos na pele do outro. Precisamos da capacidade racional de nos comprometer e, às vezes, de fazer sacrifícios e concessões” (Amoz Oz – “How to Cure a Fanatic”, p.53).