E
chuva que é bom, nem pensar!
Por
Alessandra Leles Rocha
Parece brincadeira de mau gosto;
mas, é só incompetência mesmo. O aumento da conta de energia elétrica no país é
a ponta de um gigantesco iceberg de
despreparo governamental. A escassez de água nos reservatórios das usinas hidroelétricas
não se compadece diante da elevação das tarifas, cuja função é somente pagar
pelo custo do acionamento das termoelétricas. É necessária chuva; chuva em
abundância para resolver esse problema.
Nem adianta jogar a culpa em São
Pedro pelos baixos e inconsistentes volumes pluviométricos, porque essa
responsabilidade é humana. É nisso que dá, negar a Ciência, quando ela alerta
sobre as mudanças climáticas e as repercussões delas no cotidiano da raça
humana. Há, praticamente, 3 anos, que o Brasil vem consumindo com fogo e motosserra
os principais biomas nacionais e desaparecendo com vastas áreas de cobertura vegetal
que auxiliam na manutenção e regulação das chuvas.
Segundo o Painel Brasileiro de
Mudanças Climáticas (PBMC), um coletivo de grandes cientistas dedicados aos
estudos do aquecimento global na perspectiva do país, “As mudanças no volume de
chuva podem oscilar entre 5% e 20% e na temperatura de 1 grau Celsius (°C) a
5°C na temperatura até o final do século dependendo do aquecimento global e da
emissão de gases de efeito estufa”. De modo que “o desmatamento pode agravar a
situação. A derrubada das matas elevará ainda mais a temperatura e diminuirá a
umidade. ‘Constitui-se condições propícias à savanização da Amazônia, um
problema mais crítico na região oriental [da floresta]’, destaca o texto” 1.
Portanto, a ideia da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de aumentar em 52% o valor da bandeira
tarifária vermelha patamar 2, além de inócua para a resolução da crise hídrica
no país, tende a contribuir no aumento da inflação e na precarização das
condições de vida da população mais carente. Afinal de contas, o mundo pós-Revolução
Industrial orbita em torno dessa energia, ou seja, o cotidiano das pessoas, do
comércio, das indústrias, do entretenimento, ... tudo será impactado por essa
medida.
E chuva que é bom, nem pensar! E
para piorar, o governo, ainda, tentou sensibilizar a opinião pública diante desse
aumento, afirmando que se fosse seguida a orientação da área técnica da Aneel,
o mesmo teria sido de 84%. Mantiveram os 52%; mas, em contrapartida, pretendem
estender esse aumento até novembro. O governo quer acreditar que, elevando as
tarifas, irá induzir de algum modo uma utilização mais racional da energia elétrica;
mas, isso é bobagem. O consumo de energia acompanha a dinâmica das relações
sociais, ou seja, todas as atividades que a população desenvolve ao longo do
dia.
Então, se não há possibilidade de
reorganizar essa estrutura, o gasto da energia não terá variação. Nem agora,
nem depois. Basta observar que, mesmo com muitas pessoas, ainda, trabalhando
remotamente, a economia de energia em grandes edifícios e conglomerados
comerciais, não acenou uma redução significativa do consumo nos centros
urbanos.
Outro ponto de análise, é a
expansão no país das usinas fotovoltaicas que utilizam a energia solar para
produção de energia elétrica, as quais têm despertado o investimento dos
consumidores para adesão. Grandes espaços geográficos, nas cidades e no campo,
têm se destinado a abrigar grandes aglomerados de placas fotovoltaicas, cuja
energia produzida é vendida para a rede elétrica através do sistema de leilão
controlado pelo governo. De modo que, para aqueles que não podem adquirir e
instalar esse sistema, a solução tem sido estabelecer contratos com essas “fazendas
de energia solar”, para que a energia produzida por elas e injetada na rede
distribuidora, se converta em “créditos de energia”, os quais são abatidos no consumo.
Porém, mesmo quem não pode alçar
voos dessa magnitude, nesse momento, já têm buscado medidas cotidianas para
redução do consumo elétrico. Seja pela análise dos selos do Programa Nacional
de Conservação de Energia Elétrica (Procel), que indica a quantidade de energia
gasta por cada produto elétrico em uso. Seja pelas lâmpadas de LED, as quais
além de poder economizar até 80% a mais do que as antigas incandescentes, duram
mais de 50000 horas e não possuem metais pesados na sua composição. Mas, chuva
que é bom, nem pensar!
Não podemos dizer que essa crise
foi por falta de aviso, porque não foi. A dissociação promovida pela gestão
pública, em relação as demandas nacionais, dá nisso. Já dizia Mahatma Gandhi
que “A vida é um todo indivisível”. Querer particularizar os problemas, tratá-los
em separado, como questões únicas e imiscíveis, é pura ignorância. Tudo dialoga
com tudo. Tudo depende de tudo.
Então, chegou o momento em que o
peso da arrogância negligente colocou o país de joelhos, sem muitas opções para
resolver a questão. Aliás, provou da melhor forma, a importância fundamental do
desenvolvimento sustentável para evitar esse tipo de caos. Nada de fóruns científicos.
Nada de Organizações Não-Governamentais (ONGs) se manifestando em público. Nada
de cobranças diplomáticas internacionais. Apenas, reservatórios vazios.
Abastecimento de água comprometido. Risco de apagão elétrico. Tudo muito
simples, muito prático, muito fácil de enxergar.
Olhando para o Brasil, cuja matriz
energética principal é a hidroelétrica, com mais de 1000 usinas, sem a
elaboração de um plano estratégico sustentável e eficiente, diante das mudanças
climáticas e do efeito estufa, a situação não tarda a colapsar. Aliás, a
respeito do agronegócio, que auxilia diretamente no equilíbrio da balança
comercial nacional, as alterações pluviométricas e de temperatura, causadas
pelas mudanças climáticas, também, têm causado prejuízos de bilhões de dólares para
o setor.
Desde que mundo é mundo, já se
sabe que o modo de resolver as crises sempre foi o aumento de impostos e
tributos; mas, nesse caso não adianta. Dinheiro não se transforma água, nem com
muito boa vontade. É impressionante o grau de desenvolvimento científico e tecnológico
alcançado pela raça humana, em diferentes áreas do conhecimento; mas, não se
pode esquecer que ele passa pelo consumo energético.
Portanto, muita atenção! As águas
não movem apenas os moinhos, elas movem a vida. Isso significa que “O valor que não tem por fundamento a prudência
chama-se temeridade, e as façanhas dos temerários devem atribuir-se mais à
sorte do que à coragem” (Miguel de Cervantes – “Dom Quixote de la Mancha”).