terça-feira, 29 de junho de 2021

E chuva que é bom, nem pensar!


E chuva que é bom, nem pensar!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Parece brincadeira de mau gosto; mas, é só incompetência mesmo. O aumento da conta de energia elétrica no país é a ponta de um gigantesco iceberg de despreparo governamental. A escassez de água nos reservatórios das usinas hidroelétricas não se compadece diante da elevação das tarifas, cuja função é somente pagar pelo custo do acionamento das termoelétricas. É necessária chuva; chuva em abundância para resolver esse problema.

Nem adianta jogar a culpa em São Pedro pelos baixos e inconsistentes volumes pluviométricos, porque essa responsabilidade é humana. É nisso que dá, negar a Ciência, quando ela alerta sobre as mudanças climáticas e as repercussões delas no cotidiano da raça humana. Há, praticamente, 3 anos, que o Brasil vem consumindo com fogo e motosserra os principais biomas nacionais e desaparecendo com vastas áreas de cobertura vegetal que auxiliam na manutenção e regulação das chuvas.

Segundo o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), um coletivo de grandes cientistas dedicados aos estudos do aquecimento global na perspectiva do país, “As mudanças no volume de chuva podem oscilar entre 5% e 20% e na temperatura de 1 grau Celsius (°C) a 5°C na temperatura até o final do século dependendo do aquecimento global e da emissão de gases de efeito estufa”. De modo que “o desmatamento pode agravar a situação. A derrubada das matas elevará ainda mais a temperatura e diminuirá a umidade. ‘Constitui-se condições propícias à savanização da Amazônia, um problema mais crítico na região oriental [da floresta]’, destaca o texto” 1.

Portanto, a ideia da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de aumentar em 52% o valor da bandeira tarifária vermelha patamar 2, além de inócua para a resolução da crise hídrica no país, tende a contribuir no aumento da inflação e na precarização das condições de vida da população mais carente. Afinal de contas, o mundo pós-Revolução Industrial orbita em torno dessa energia, ou seja, o cotidiano das pessoas, do comércio, das indústrias, do entretenimento, ... tudo será impactado por essa medida.

E chuva que é bom, nem pensar! E para piorar, o governo, ainda, tentou sensibilizar a opinião pública diante desse aumento, afirmando que se fosse seguida a orientação da área técnica da Aneel, o mesmo teria sido de 84%. Mantiveram os 52%; mas, em contrapartida, pretendem estender esse aumento até novembro. O governo quer acreditar que, elevando as tarifas, irá induzir de algum modo uma utilização mais racional da energia elétrica; mas, isso é bobagem. O consumo de energia acompanha a dinâmica das relações sociais, ou seja, todas as atividades que a população desenvolve ao longo do dia.

Então, se não há possibilidade de reorganizar essa estrutura, o gasto da energia não terá variação. Nem agora, nem depois. Basta observar que, mesmo com muitas pessoas, ainda, trabalhando remotamente, a economia de energia em grandes edifícios e conglomerados comerciais, não acenou uma redução significativa do consumo nos centros urbanos.

Outro ponto de análise, é a expansão no país das usinas fotovoltaicas que utilizam a energia solar para produção de energia elétrica, as quais têm despertado o investimento dos consumidores para adesão. Grandes espaços geográficos, nas cidades e no campo, têm se destinado a abrigar grandes aglomerados de placas fotovoltaicas, cuja energia produzida é vendida para a rede elétrica através do sistema de leilão controlado pelo governo. De modo que, para aqueles que não podem adquirir e instalar esse sistema, a solução tem sido estabelecer contratos com essas “fazendas de energia solar”, para que a energia produzida por elas e injetada na rede distribuidora, se converta em “créditos de energia”, os quais são abatidos no consumo.

Porém, mesmo quem não pode alçar voos dessa magnitude, nesse momento, já têm buscado medidas cotidianas para redução do consumo elétrico. Seja pela análise dos selos do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), que indica a quantidade de energia gasta por cada produto elétrico em uso. Seja pelas lâmpadas de LED, as quais além de poder economizar até 80% a mais do que as antigas incandescentes, duram mais de 50000 horas e não possuem metais pesados na sua composição. Mas, chuva que é bom, nem pensar!

Não podemos dizer que essa crise foi por falta de aviso, porque não foi. A dissociação promovida pela gestão pública, em relação as demandas nacionais, dá nisso. Já dizia Mahatma Gandhi que “A vida é um todo indivisível”.  Querer particularizar os problemas, tratá-los em separado, como questões únicas e imiscíveis, é pura ignorância. Tudo dialoga com tudo. Tudo depende de tudo.  

Então, chegou o momento em que o peso da arrogância negligente colocou o país de joelhos, sem muitas opções para resolver a questão. Aliás, provou da melhor forma, a importância fundamental do desenvolvimento sustentável para evitar esse tipo de caos. Nada de fóruns científicos. Nada de Organizações Não-Governamentais (ONGs) se manifestando em público. Nada de cobranças diplomáticas internacionais. Apenas, reservatórios vazios. Abastecimento de água comprometido. Risco de apagão elétrico. Tudo muito simples, muito prático, muito fácil de enxergar.

Olhando para o Brasil, cuja matriz energética principal é a hidroelétrica, com mais de 1000 usinas, sem a elaboração de um plano estratégico sustentável e eficiente, diante das mudanças climáticas e do efeito estufa, a situação não tarda a colapsar. Aliás, a respeito do agronegócio, que auxilia diretamente no equilíbrio da balança comercial nacional, as alterações pluviométricas e de temperatura, causadas pelas mudanças climáticas, também, têm causado prejuízos de bilhões de dólares para o setor.   

Desde que mundo é mundo, já se sabe que o modo de resolver as crises sempre foi o aumento de impostos e tributos; mas, nesse caso não adianta. Dinheiro não se transforma água, nem com muito boa vontade. É impressionante o grau de desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pela raça humana, em diferentes áreas do conhecimento; mas, não se pode esquecer que ele passa pelo consumo energético.

Portanto, muita atenção! As águas não movem apenas os moinhos, elas movem a vida. Isso significa que “O valor que não tem por fundamento a prudência chama-se temeridade, e as façanhas dos temerários devem atribuir-se mais à sorte do que à coragem” (Miguel de Cervantes – “Dom Quixote de la Mancha”).

  

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