quarta-feira, 30 de junho de 2021

Revisitando a Caixa de Pandora


Revisitando a Caixa de Pandora

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto as atenções se concentraram na ampliação dramática das estatísticas humanas e das carências para o atendimento digno dos doentes, a Pandemia, por si só, foi incapaz de causar um frisson coletivo na população brasileira. Parecia que aquela dor, aquele desespero, aquela angústia pertencia apenas àqueles diretamente afetados.

De repente, foram os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, instaurada pelo Senado, serem iniciados e as respostas emergirem, explicando em detalhes o que vêm acontecendo há pouco mais de 1 ano no país, para que uma indignação furiosa se espalhasse, até mesmo, entre os mais céticos.

Descobriu-se que o curso dessa história não é fruto de uma maldade restrita à negligência, à indiferença e/ou ao desejo incontrolável de subtrair seres humanos; mas, de algo endêmico no país, a corrupção. Mais uma vez, ela é o centro das atenções e a grande responsável pelos piores infortúnios da sociedade brasileira. Como dizia Séneca, “Os vícios são próprios dos homens e não dos tempos”.

No entanto, dessa vez, o vício foi longe demais. Por sua causa mais de meio milhão de cidadãos morreram, de uma morte visível e acompanhada lentamente pelos demais. O povo brasileiro teve a oportunidade de perceber a corrupção cortando na própria carne, sem distinção de A, B ou C. Faltou para o pobre; mas, também, para o rico. Morreram anônimos e famosos. Famílias foram ceifadas abruptamente. As vísceras do país ficaram expostas.

Então, parando para respirar por alguns instantes, para tomar fôlego diante de descobertas tão indigestas, é impossível não entender como a corrupção, em maior ou menor escala, tem destruído a sociedade brasileira e gerado uma inação crônica para o seu desenvolvimento. Porque a corrupção mata, com requintes de crueldade, na ineficiência e na insuficiência dos serviços públicos.

A gente começa a pensar, bem antes de se imaginar com uma Pandemia, naqueles que morreram nas portas e corredores de hospitais públicos. Naqueles que morreram, apesar de uma liminar judicial que exigia sua internação em um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Naqueles que morreram pela ausência de remédios. Naqueles que morreram sem conseguir atendimento nos postos do Instituto Nacional do Seguros Social (INSS). Ou, mesmo, em quem ainda não morreu; mas, aguarda por meses, décadas, uma solução do governo em relação as suas demandas fundamentais.

E pelo gatilho dessas tristezas, resgata-se do inconsciente as lembranças amareladas de uma avalanche de notícias sobre a corrupção no Brasil. Em todos os lugares do país. Em todas as esferas de poder. Em todas as áreas de governo. Como uma doença que se alastra e possui alta capacidade de mutação. Que surge onde menos se espera, pelas mãos de alguém “acima de qualquer suspeita”. Porque a corrupção é a expressão máxima do “jeitinho brasileiro”.  O atalho rápido para o enriquecimento e para o usufruto do poder.

Talvez, não haja nada mais individualista do que a corrupção. Afinal, ela é posta em prática por pessoas que vivem exclusivamente para si mesmas, incapazes de demonstrar solidariedade, empatia, respeito, ... É o egoísmo, ou o egocentrismo, em estado bruto. Mas, elas sobrevivem na sociedade porque as relações sociais, especialmente, no mundo contemporâneo, estão baseadas no TER. O que significa que TER é PODER. De modo que ninguém questiona os meios, porque o que importa são os fins.

Clarice Lispector escreveu que “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”.  A questão, agora, é saber como essa sociedade, depois de ver in loco o seu país ser alvejado, por uma Pandemia dessa magnitude, e reconhecer todas as demais desgraças que a sua naturalização das tragédias cotidianas, particularmente, a corrupção, foi capaz de causar, irá se comportar.

Pela milionésima vez, fomos nocauteados pelo sistema que permitimos vigorar; mas, isso não significa que não podemos mudar. Porque, não se tem mais a desculpa, o pretexto, de dizer que não entendeu que “A maior corrupção se acha onde a maior pobreza está ao lado da maior riqueza” (José Bonifácio de Andrada e Silva).

Haja vista, os dados divulgados, hoje, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A taxa de desemprego no país foi de 14,7% no trimestre fechado em abril [...] No total, são 14,8 milhões de pessoas buscando trabalho. A taxa e o número de desempregados são os maiores desde o início da série histórica, iniciada em 2012”1; e os desocupados e os subocupados representam 33,3 milhões, enquanto os desalentados são 6 milhões.

Então, o mais importante desse lapso de lucidez é não se deixar cair na tentação de ser capturado, novamente, pelos tentáculos da alienação voluntária. Sobretudo, em relação à corrupção.

Afinal de contas, há sempre um risco, pois “Vivemos em uma sociedade sombria. Ser bem-sucedido, eis o ensinamento que, gota a gota, vai caindo da corrupção que avança”; e, “Pode-se resistir à invasão de exércitos, não à invasão de ideias” (Victor Hugo – escrito francês do século XIX). Porque, “As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante” (Karl Marx – filósofo alemão).