Diante
dos porquês ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Não são os problemas o nosso
maior desafio; mas, o modo como os enfrentamos e tentamos resolvê-los. Nem precisava
consultar a Ciência para entender o óbvio. Bastava olhar, prestar atenção, no
modo como cada país vem enfrentando a Pandemia, para ratificar o papel
fundamental do comportamento humano.
Pode negar, espernear, xingar,
porque nada muda a dimensão da inação que se abateu sobre o governo brasileiro,
diante das conjunturas. Não desconsidero que houve método e técnica, para tal. Era
muito conveniente manterem-se com os olhos fixos no horizonte de seu projeto
político de poder e lançar sob o tapete da história, tudo aquilo que não
coubesse nesse script.
Então, foram tecidas narrativas e
discursos providenciais, para criar uma barreira de distanciamento com a
realidade e continuar seguindo por uma via secundária. Em momento algum houve o
interesse de cerrar fileira com o restante do mundo e fazer a coisa certa. O Brasil
tinha seus próprios planos e interesses a defender, a tal ponto, que nenhum
vírus desconhecido poderia fazer frente às suas expectativas.
Sem contar que um detalhe muito
importante não pode ser esquecido no desenho dessa história. Desde a última
eleição, em 2018, a atual gestão já havia declarado uma cruzada ideológica
contra o que eles chamam de “esquerda”; mas, que na verdade, é tão somente a
legião de discordantes de seu radicalismo e conservadorismo retrógrado. E o
caminho para essa cruzada, se iniciava pelo desmantelamento das estruturas de
governo instituídas nas duas últimas décadas no país.
Desse modo, em 2019, bem antes
dos primeiros rumores sobre os Sars-Cov-2, o Brasil já atuava no sentido de
desconstruir as referidas estruturas. Cortes sumários de recursos e
investimentos. Alterações significativas nas normas jurídicas – leis, decretos,
portarias, resoluções. Exoneração e substituição de servidores por discordância
ideológica. Redução de contingente operacional em determinados setores do
governo. ... Sem que, no entanto, houvesse um plano substitutivo consistente
para dar continuidade ao bom andamento dos serviços públicos.
O que significa que setores como
a Educação e a Saúde, por exemplo, foram severamente impactados. Mas, até
então, ninguém poderia jamais supor que a vida do planeta estaria ameaçada por
uma catástrofe sanitária, a qual colocaria em xeque, principalmente, esses dois
ministérios. Inadvertidamente, o governo brasileiro atingiu o cerne que daria
sustentação as medidas de combate e prevenção ao novo vírus.
Sim, era chegada a hora da
Ciência brasileira mostrar todo o seu valor e brilhar no auxílio ao país. Do
Sistema Único de Saúde (SUS) dar o suporte necessário aos atendimentos de
baixa, média e alta complexidade, que resultariam do processo pandêmico, sem
perder o foco nas demandas cotidianas. Mas, eles haviam sido precarizados,
sucateados e inviabilizados economicamente para cumprir com excelência o seu
papel; o que ficou claríssimo, quando os números da Pandemia explodiram, de
repente, no país.
Foi nesse momento que as ações
governamentais iniciadas em 2019 ficaram expostas, na figura de um despreparo
muito mais profundo, do que se fosse decorrente apenas do ineditismo da
COVID-19.
Então, a fim de evitar uma
exposição cada vez maior da sua incapacidade de reversão das insuficiências e ineficiências,
o governo se abrigou sobre a narrativa de que as responsabilidades em relação à
Pandemia estavam a cargo de Estados e Municípios. O que contraria, inclusive,
uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2019, quanto à
responsabilidade solidária na Saúde.
Segundo o STF, “Os entes da Federação, em decorrência da competência
comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e
hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento,
conforme as regras de repartição de competências, e determinar o ressarcimento
a quem suportou o ônus financeiro” 1.
Assim, as tentativas de omissão
para manterem-se na inação durante a Pandemia, não os desobriga de atender aos cidadãos
no seu direito constitucional de receber tratamento médico ou remédio específico,
na rede pública; podendo estes, inclusive, ingressar com processos judiciais
para terem atendida a sua demanda.
Entretanto, no que diz respeito
ao governo federal não foi bem assim que tem transitado a sua participação na
gestão da Pandemia. Conforme pode-se acompanhar os trabalhos da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, instaurada pelo Senado da
República, as práxis empregadas pelo governo federal até aqui carregam sobre os
ombros uma estatística crescente de mais de 500 mil mortos e 18 milhões de
casos.
Está evidente a carência da
testagem em massa, como preconizado no início da Pandemia pela Organização
Mundial da Saúde (OMS); bem como, das medidas de restrição e isolamento social
e do empenho efetivo no aconselhamento as práticas básicas de higiene (lavar
bem as mãos, passar álcool em gel e usar máscaras cobrindo a boca e o nariz).
Sem contar, a insistência em
contrariar a Ciência quanto ao uso de medicamentos sem eficácia para o
Sras-Cov-2, em permitir a disseminação de informações incorretas junto à
população, promovendo ruídos e dificuldade de compreensão, agravando o quadro
da Pandemia no país, e a obstaculização na aquisição e distribuição de vacinas.
Aliás, nenhum desses aspectos
consegue ser superado, apesar dos esforços da Ciência, porque permanecem sendo
difundidas informações equivocadas e distorcidas a respeito, por integrantes e
aliados do governo federal.
Portanto, o imponderável colocou
os planos iniciais do governo federal de joelhos, porque tudo mudou. O país. O mundo.
A Economia. As relações sociais. Algo tão incomensurável que deixou o país sem
saber por onde começar a resolver os problemas, que ele próprio começou a tecer
antes da Pandemia.
Agora, todos os desafios estão
sob efeito cumulativo, incluindo as centenas de milhares de mortes, as quais continuam
a se multiplicar. Pois é, “A soberba nunca
desce de onde sobe, mas cai sempre de onde subiu” (Francisco Quevedo –
escritor espanhol), porque “Quando se
trata de destruir, todas as ambições se aliam facilmente” (Júlio Verne - escritor francês).
Hoje, o sentimento de olhar para
o Brasil é de total desalento. Tudo fora do lugar. Tudo desarrumado. Uma população
oprimida entre o luto e a sobrevivência. Exaurida na sua incansável esperança. Repleta
de ontem. Sem hoje. Sem amanhã. Talvez, entre lágrimas secas, ouvindo Drummond sussurrar,
“[...] você marcha, José! José, para onde?”2.
Ou, quem sabe, tomando consciência
da verdade simples que trazem as palavras de João Cabral de Melo Neto. Afinal de contas, “[...] Somos muitos Severinos / iguais em tudo e na sina: / a de abrandar
estas pedras / suando-se muito em cima, / a de tentar despertar / terra sempre
mais extinta, / a de querer arrancar / algum roçado de cinza. / Mas, para que
me conheçam / melhor Vossas Senhorias / e melhor possam seguir / a história de
minha vida, / passo a ser o Severino / que em vossa presença emigra [...]”3.