sábado, 26 de junho de 2021

À luz da catarse...


À luz da catarse...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Até certo ponto, pode-se dizer que a sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, que se estendeu até altas horas de ontem, tenha sido catártica para muita gente.

Entretanto, é lamentável que depois de mais de 500 anos de história, o país venha se permitindo conviver com o ranço de velhas práxis, as quais nunca resultaram em benefício algum para ele mesmo.

Fico observando e penso que o brasileiro, não a sua totalidade, mas uma boa parcela, se comporta como o sujeito que vai ao cinema e assiste repetidas vezes ao mesmo filme, só na esperança de que o final seja diferente. No fundo, ele sabe que isso é impossível; mas, o seu desejo de fazer a ficção, ou a vida, caber dentro dos moldes das suas expectativas parece ser bem maior.

A sociedade, então, entra nessa de ficar sempre remendando a sua colcha de problemas, tão esgarçada e puída pelo tempo, como se ela pudesse ser o que não é. Já passou da hora de o brasileiro entender que, embora o voto seja a expressão da representatividade política, ele não desobriga o indivíduo do exercício de sua própria cidadania.

Porque é justamente nesse ponto que se fundamenta o desafio do país. As pessoas querem, porque querem, acreditar que elegendo um “salvador da pátria”, tudo fica resolvido. Que não há necessidade dele, o cidadão, empreender nenhum esforço ou dedicação para o país caminhar na direção certa.

Tudo muito prático. Sem contar, em uma eventual possibilidade, com alguma benesse, algum “agradinho”, que o candidato possa lhe proporcionar, além do voto recebido. Como uma manifestação concreta de que ele, o eleitor, não é figura invisível para o candidato; muito pelo contrário.

De modo que, a partir desses pequenos “mimos”, a relação entre eles vai sendo construída e consolidada ao longo do tempo. Quem já não ouviu falar em “curral eleitoral”? Pois é, ainda que, aos olhos do eleitor, isso pareça normal, ranqueado no rol das “gentilezas políticas”, no fundo da consciência, ele sabe muito bem que não é assim.

Que ambos estão incorrendo em uma prática moral e eticamente contestável. Porém, sentem-se absolvidos pela legitimidade advinda do tempo; afinal de contas, o hábito se arrasta pelos séculos.

E, muito embora, seja a mais pura verdade “que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira” 1, ao tentar aplacar a própria consciência, muitos eleitores esperam de seus representantes da classe política, um comportamento quase “santificado”, de extrema lisura e comprometimento; mas, que está longe de ser a representatividade deles próprios.

Observe, por exemplo, como os discursos e narrativas inflamados em torno de plataformas virtuosas acabam arrebatando os corações dos eleitores, traduzindo uma euforia e contentamento que extrapolam os limites do bom senso.

Desse modo, quando em plena realidade, a prática se distancia anos luz da teoria, há um choque, uma frustração, uma indignação avassaladora. As aparências não foram suficientemente fortes para conduzir a história e, de repente, tudo derrete. A força das convicções. Os apoios. As narrativas. O encantamento. As alianças. ... E as verdades guardadas no fundo dos porões da consciência são alçadas abruptamente ao sol, em uma tentativa de acabar com o cheiro forte e o mofo.

Ora, e não há nada mais constrangedor e incomodativo do que essa situação. Na maioria do tempo, as pessoas escolhem atalhos ou vias secundárias, justamente, para não confrontar os fatos. A realidade é sempre desafiadora, indigesta, contrária aos sonhos e idealizações.

Nem todos estão aptos e prontos para lidar com isso e enfrentar o que vier. Embora, haja quem prefira caminhar ao lado dela e economizar tempo, enxugando as lamúrias e/ou tentando corrigir os erros e os fracassos. O que temos, nesse exato momento da história brasileira, é isso.

Mais de um mesmo, que se repete secularmente. Verdades óbvias, sendo dissecadas e expostas à opinião pública. Sendo que, a única novidade nesse cenário, é a razão central desse processo, uma Pandemia em curso. Dessa vez não foi o sol; mas, um vírus, o que iluminou as verdades e trouxe à tona o odor da podridão fermentada pelo tempo.

Realmente, é muito pesado admitir o peso das escolhas; mas, sobretudo, das suas consequências. Por isso, não me constranjo em dizer que cada experiência dessas tem sido muito desgastante, por mais distante que possa me posicionar do olho desse furacão.

Na verdade, não se trata de uma escolha, porque todos fazemos parte do país e tudo o que acontece repercute em nós e em nossas vidas.  Daí a compreensão de que este é um movimento corrosivo, cuja energia dissipada fica pairando expectativas no ar. É uma dinâmica intensa de acontecimentos, como um jogo em que se avança ou retrocede em um piscar de olhos.

Contudo, apesar de todos os pesares e muito além do que se vê, o que realmente me intriga e preocupa é pensar em relação ao contínuo da história. Se esta não foi a primeira vez, se já se construiu um histórico de repetições e semelhanças, será que dessa vez a sociedade irá realmente se redimir? Irá aprender? Irá mudar?

Porque manter essa repetição, como escreveu Margaret Atwood, significaria a comprovação de que, no fundo, de algum modo, “As pessoas são capazes de fazer qualquer coisa para não admitir que suas vidas não têm sentido. Não têm utilidade, melhor dizendo. Não têm enredo” (O Conto da Aia). E essa falta de sentido explica muita coisa, no Brasil!



1 Quase sem querer – Legião Urbana (https://www.youtube.com/watch?v=7YDcS_F8nL8)


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