À
luz da catarse...
Por
Alessandra Leles Rocha
Até certo ponto, pode-se dizer
que a sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a COVID-19, que
se estendeu até altas horas de ontem, tenha sido catártica para muita gente.
Entretanto, é lamentável que
depois de mais de 500 anos de história, o país venha se permitindo conviver com
o ranço de velhas práxis, as quais nunca resultaram em benefício algum para ele
mesmo.
Fico observando e penso que o
brasileiro, não a sua totalidade, mas uma boa parcela, se comporta como o
sujeito que vai ao cinema e assiste repetidas vezes ao mesmo filme, só na
esperança de que o final seja diferente. No fundo, ele sabe que isso é
impossível; mas, o seu desejo de fazer a ficção, ou a vida, caber dentro dos
moldes das suas expectativas parece ser bem maior.
A sociedade, então, entra nessa
de ficar sempre remendando a sua colcha de problemas, tão esgarçada e puída pelo
tempo, como se ela pudesse ser o que não é. Já passou da hora de o brasileiro
entender que, embora o voto seja a expressão da representatividade política,
ele não desobriga o indivíduo do exercício de sua própria cidadania.
Porque é justamente nesse ponto
que se fundamenta o desafio do país. As pessoas querem, porque querem,
acreditar que elegendo um “salvador da pátria”,
tudo fica resolvido. Que não há necessidade dele, o cidadão, empreender nenhum
esforço ou dedicação para o país caminhar na direção certa.
Tudo muito prático. Sem contar, em
uma eventual possibilidade, com alguma benesse, algum “agradinho”, que o
candidato possa lhe proporcionar, além do voto recebido. Como uma manifestação
concreta de que ele, o eleitor, não é figura invisível para o candidato; muito pelo
contrário.
De modo que, a partir desses
pequenos “mimos”, a relação entre eles vai sendo construída e consolidada ao
longo do tempo. Quem já não ouviu falar em “curral eleitoral”? Pois é, ainda que,
aos olhos do eleitor, isso pareça normal, ranqueado no rol das “gentilezas
políticas”, no fundo da consciência, ele sabe muito bem que não é assim.
Que ambos estão incorrendo em uma
prática moral e eticamente contestável. Porém, sentem-se absolvidos pela
legitimidade advinda do tempo; afinal de contas, o hábito se arrasta pelos
séculos.
E, muito embora, seja a mais pura
verdade “que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira” 1,
ao tentar aplacar a própria consciência, muitos eleitores esperam de seus
representantes da classe política, um comportamento quase “santificado”, de extrema
lisura e comprometimento; mas, que está longe de ser a representatividade deles
próprios.
Observe, por exemplo, como os
discursos e narrativas inflamados em torno de plataformas virtuosas acabam
arrebatando os corações dos eleitores, traduzindo uma euforia e contentamento
que extrapolam os limites do bom senso.
Desse modo, quando em plena realidade,
a prática se distancia anos luz da teoria, há um choque, uma frustração, uma
indignação avassaladora. As aparências não foram suficientemente fortes para conduzir
a história e, de repente, tudo derrete. A força das convicções. Os apoios. As narrativas.
O encantamento. As alianças. ... E as verdades guardadas no fundo dos porões da
consciência são alçadas abruptamente ao sol, em uma tentativa de acabar com o
cheiro forte e o mofo.
Ora, e não há nada mais
constrangedor e incomodativo do que essa situação. Na maioria do tempo, as
pessoas escolhem atalhos ou vias secundárias, justamente, para não confrontar os
fatos. A realidade é sempre desafiadora, indigesta, contrária aos sonhos e
idealizações.
Nem todos estão aptos e prontos
para lidar com isso e enfrentar o que vier. Embora, haja quem prefira caminhar
ao lado dela e economizar tempo, enxugando as lamúrias e/ou tentando corrigir
os erros e os fracassos. O que temos, nesse exato momento da história
brasileira, é isso.
Mais de um mesmo, que se repete
secularmente. Verdades óbvias, sendo dissecadas e expostas à opinião pública. Sendo
que, a única novidade nesse cenário, é a razão central desse processo, uma Pandemia
em curso. Dessa vez não foi o sol; mas, um vírus, o que iluminou as verdades e
trouxe à tona o odor da podridão fermentada pelo tempo.
Realmente, é muito pesado admitir
o peso das escolhas; mas, sobretudo, das suas consequências. Por isso, não me
constranjo em dizer que cada experiência dessas tem sido muito desgastante, por
mais distante que possa me posicionar do olho desse furacão.
Na verdade, não se trata de uma
escolha, porque todos fazemos parte do país e tudo o que acontece repercute em
nós e em nossas vidas. Daí a compreensão
de que este é um movimento corrosivo, cuja energia dissipada fica pairando expectativas
no ar. É uma dinâmica intensa de acontecimentos, como um jogo em que se avança
ou retrocede em um piscar de olhos.
Contudo, apesar de todos os
pesares e muito além do que se vê, o que realmente me intriga e preocupa é
pensar em relação ao contínuo da história. Se esta não foi a primeira vez, se
já se construiu um histórico de repetições e semelhanças, será que dessa vez a
sociedade irá realmente se redimir? Irá aprender? Irá mudar?
Porque manter essa repetição,
como escreveu Margaret Atwood, significaria a comprovação de que, no fundo, de
algum modo, “As pessoas são capazes de
fazer qualquer coisa para não admitir que suas vidas não têm sentido. Não têm
utilidade, melhor dizendo. Não têm enredo” (O Conto da Aia). E essa falta
de sentido explica muita coisa, no Brasil!