sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Balaio de gatos... entre miados e reflexões


Balaio de gatos... entre miados e reflexões

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Balaio de gatos. É assim que a percepção da vida contemporânea parece se guiar. Entre futilidades e questões de altíssima relevância, a interpretação do ser humano não parece mais se conduzir por um fio condizente com os fatos. Há sempre uma tendenciosidade aqui, outra ali, uma interpretação enviesada, um jeito de forçar as coisas a caber dentro do contexto ... De modo que, no frigir dos ovos, há bem mais do que dois pesos e duas medidas.

Isso significa a urgência de se colocar as mãos na consciência e perceber o nível de responsabilidade que cada sujeito tem nesse processo. Parar de creditar na conta do acaso e entender, de uma vez por todas, que na vida o que existe são consequências, desdobramentos de nossas escolhas, por mais simples que pareçam ser. Portanto, é uma falácia, a posição vitimista que se tenta empregar sempre que alguma coisa acontece fora das expectativas idealizadas.

Dizia Mahatma Gandhi que “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. No entanto, contrariando essa ideia é que milhões de pessoas vivem o seu cotidiano. Ranqueando os acontecimentos de uma maneira que possam ser justificados dentro de um balizamento de maior ou menor importância, de maior ou menor impacto, de maior ou menor gravidade, ... Só que isso não é verdade.

Amiúde as pessoas se indignam com a corrupção, o desrespeito, a incivilidade, a incompetência etc.etc.etc. Estão cobertas de razão? Sim. De fato, não faltam motivos. E a razão de se sentirem assim, significa terem consciência a respeito desde os níveis mais elementares até os mais complexos do dia a dia. Elas têm a devida dimensão dos limites que perpassam o certo e o errado, o bem e o mal.

Mas, eis que de repente, por algum motivo de natureza pessoal lhes emerge uma aflição incontida em dar asas a flexibilização interpretativa e começam a se colocar contemporizando, amenizando, atenuando a questão a fim de torná-la menos indigesta e/ou constrangedora aos olhos do mundo.  Acontece que ao agir assim, as pessoas abrem precedentes, rompem padrões e critérios, o que inevitavelmente coloca em risco a sua credibilidade, o seu senso de justiça, os seus parâmetros éticos e morais.

Um modo estranho de não destoar da massa, de pertencer ao coletivo, de encontrar respaldo para andar fora da linha? Talvez. Mas, o qual cobra um preço alto. Pode ser que por algum tempo o mundo não se dê conta. Porém, diante do espelho, no silêncio nosso de cada dia, cada um sabe o que fez nos verões passados. Sabe bem os riscos que se escondem ao se permitir repetir que “os fins justificam os meios”; afinal, a máxima serve para qualquer um, não tem exclusividade.

Então, pare por um instante e pense. Observe com atenção o que acontece nas esquinas do poder nacional e pergunte para si mesmo se tudo lhe parece normal e confortável. Seja íntegro e honesto na resposta; afinal, você está respondendo a si mesmo. Agora, repita o procedimento em relação ao seu contexto de entretenimento ou quaisquer outros parâmetros da sua existência social. A percepção é a mesma em ambos os casos? O modo de responder é o mesmo?

Infelizmente, o percentual de concordância costuma ser bem pequeno. Cada vez mais, a sociedade se perde em seus pesos e medidas. Como se houvesse um mundo de “deslizes” e outro de “DESLIZES”, que se aplica de maneira distinta para mim e para os demais. Cobra-se muito de seus pares, exigi-lhes uma correção absoluta, um comportamento exemplar; mas, para si ... o ser humano veste uma capa de humildade para criar uma imagem de humanidade, que pode falhar, errar porque ainda não está pronto.

Talvez, por tudo isso se expliquem as idas e vindas no seu discurso, a transitoriedade de suas narrativas. Às vezes, vaias, ais e uis. Em outras, esfuziantes aplausos e menções de apoio. Folhas de bananeira que pendem ao sabor dos ventos interesseiros. Estranha habilidade, capacidade de ver o mundo seletivamente.

Assim, sem limites, sem critérios, sem padrões a sociedade se perde e se compromete. Destrói lugares de fala enquanto ergue muros de conivência silenciosa. Aponta, diz, brada; mas, não age com efetividade porque no fundo reconhece o quão preso está ao vício de ceder as tentações e burlar os parâmetros. Não é à toa que Benjamin Franklin1 dizia, “Lembre-se não só de dizer a coisa certa no lugar certo, mas ainda muito mais difícil, de não dizer a coisa errada no momento de tentação”.



1 Político e fundador dos EUA (1706 – 1790).