sábado, 27 de fevereiro de 2021

O importante é...


O importante é...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Diante das notícias dos veículos de informação não posso deixar de pensar nas seguintes palavras do filósofo Jean-Paul Sartre, “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”. E a razão para isso é simples. Há uma indigesta indignação, por parte de uma considerável parcela da população, decorrente do modo como o governo brasileiro tem se comportado nessa Pandemia; sobretudo, no que diz respeito ao exercício de uma liderança sensata e humana.

Havia uma expectativa idealizada, a partir da normalidade que rege a envergadura dos altos postos de poder, que foi sumariamente destruída. O verniz sobre aquela ideia de que tudo dito antes, durante e depois da eleição de 2018 eram apenas “manifestações equivocadas”, “pequenos tropeços”, “brincadeiras de mau gosto”, “fanfarronices”, se esfacelou dando visibilidade a uma verdade constrangedora.

Não só pelo fato de descobrir que o país não tinha uma liderança, na medida exata e plena do que isso significa; mas, que incorreria em se submeter a constantes episódios de vergonha e total ausência de responsabilidade diplomática e social, ou seja, absurdos dentro e fora de suas fronteiras geográficas.

Mas, quando olho para o Brasil e vejo as pessoas se lamuriando e despendendo uma energia enorme sobre os custos dessa “carência governamental”, só me faz ter certeza da dimensão do pensamento colonial que reside em cada um. Esse pensamento renova um ranço de infantilidade, de dependência moral e tutorial de um regente que aponte como se deve pensar, agir, falar, fazer... típico de crianças incapazes de esboçar autonomia e autoralidade em cada seara do seu cotidiano.

O que é, no mínimo, estranho se pensarmos que esta já é a segunda década do século XXI. Que a sociedade já venceu a Modernidade e participa de uma Pós-Modernidade em que a emancipação e adultização dos seres humanos acontece cada vez mais cedo. Traços de um desejo de seguir os instintos da própria vontade, o qual não tem muita vocação para se sujeitar as imposições diretivas do mundo.   

Mas, enfim, esse é o cenário. Há quase um ano o país está à espera de uma voz que guie a população, coletivamente, por esse “tsunami sanitário” que se abateu sobre o planeta. Mesmo que, no fundo da alma, já soubesse dessa impossibilidade. A questão que não quer calar é por que? Por que precisamos de modelos a serem seguidos? Por que precisamos de alguém específico que nos reafirme o que já sabemos ser bom, ser útil, ser importante, ser necessário? Por que não cremos nos principais organismos de Saúde Pública do mundo? Por que?

Ao contrário dos argumentos que estendem essa necessidade aos grupos menos privilegiados e informados da sociedade, há milhares de pessoas nadando de braçada nas regalias e privilégios da vida, seguindo exatamente a trilha da desinformação e da negação por vontade própria. Um “efeito manada” para não destoar do grupo, não ser diferente, não perder a oportunidade de pertencimento, ainda que seja para estar em uma posição absolutamente equivocada da história.

O que significa que em quaisquer estratos da sociedade haverá pessoas que não se importam com o que é feito delas pelos seus próprios pares, a partir de sua própria anuência. Aí está a gravidade da situação. É como se o indivíduo tivesse se lançado em um abismo de desesperança tão profundo que ele perde a capacidade de lutar pela sua existência, pela sua sobrevivência, pela sua dignidade e valores humanos, e fica à mercê de alguém que lhe parece exercer alguma autoridade sobre sua vida.

Como era nos tempos do Brasil Colônia, a Metrópole era o cérebro de um corpo. Quando ela saiu de cena ele não sabia como pensar e seguir em frente. Se perdeu trocando passos à deriva. Então, essa parcela da população encarcerada nesse pensamento legitima o modelo de governança vigente; na medida em que ela não se importa com o que está fazendo dela própria. Ela se sente o espelho onde vê refletida a identidade do próprio governo e isso, então, lhe basta. Trata-se de uma relação de reciprocidade identitária tóxica.

Talvez, agora, diante de tudo o que está acontecendo e ainda está por vir, a sociedade brasileira promova uma ruptura com esse senso identitário. Não há excesso ou alarmismo em dizer que os caminhos levam o país ao fundo do poço, dessa vez. Portanto, as pessoas não terão muitas condições de se esquivarem das suas responsabilidades humanas, coletivas, institucionais; bem como, de todas as abstenções durante décadas de existência. Um dia a vida cobra a conta de tudo o que foi ou não. Simples assim.

Apesar de sermos únicos, impares, a vida é a imposição do coletivo. Entre nós há um etéreo laço de corresponsabilidades que nos une à revelia. Sendo assim, jamais se esqueça de que “A filosofia de uma pessoa não é melhor expressa em palavras; ela é expressa pelas escolhas que a pessoa faz. A longo prazo, moldamos nossas vidas e moldamos a nós mesmos. O processo nunca termina até que morramos. E, as escolhas que fizemos são, no final das contas, nossa própria responsabilidade” (Eleanor Roosevelt – Primeira-dama dos EUA, de 1933 a 1945).


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