O
importante é...
Por
Alessandra Leles Rocha
Diante das notícias dos veículos
de informação não posso deixar de pensar nas seguintes palavras do filósofo
Jean-Paul Sartre, “O importante não é
aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram
de nós”. E a razão para isso é simples. Há uma indigesta indignação, por
parte de uma considerável parcela da população, decorrente do modo como o
governo brasileiro tem se comportado nessa Pandemia; sobretudo, no que diz
respeito ao exercício de uma liderança sensata e humana.
Havia uma expectativa idealizada,
a partir da normalidade que rege a envergadura dos altos postos de poder, que
foi sumariamente destruída. O verniz sobre aquela ideia de que tudo dito antes,
durante e depois da eleição de 2018 eram apenas “manifestações equivocadas”, “pequenos
tropeços”, “brincadeiras de mau gosto”,
“fanfarronices”, se esfacelou dando
visibilidade a uma verdade constrangedora.
Não só pelo fato de descobrir que
o país não tinha uma liderança, na medida exata e plena do que isso significa;
mas, que incorreria em se submeter a constantes episódios de vergonha e total ausência
de responsabilidade diplomática e social, ou seja, absurdos dentro e fora de
suas fronteiras geográficas.
Mas, quando olho para o Brasil e
vejo as pessoas se lamuriando e despendendo uma energia enorme sobre os custos
dessa “carência governamental”, só me
faz ter certeza da dimensão do pensamento colonial que reside em cada um. Esse pensamento
renova um ranço de infantilidade, de dependência moral e tutorial de um regente
que aponte como se deve pensar, agir, falar, fazer... típico de crianças
incapazes de esboçar autonomia e autoralidade em cada seara do seu cotidiano.
O que é, no mínimo, estranho se
pensarmos que esta já é a segunda década do século XXI. Que a sociedade já
venceu a Modernidade e participa de uma Pós-Modernidade em que a emancipação e
adultização dos seres humanos acontece cada vez mais cedo. Traços de um desejo
de seguir os instintos da própria vontade, o qual não tem muita vocação para se
sujeitar as imposições diretivas do mundo.
Mas, enfim, esse é o cenário. Há
quase um ano o país está à espera de uma voz que guie a população,
coletivamente, por esse “tsunami
sanitário” que se abateu sobre o planeta. Mesmo que, no fundo da alma, já
soubesse dessa impossibilidade. A questão que não quer calar é por que? Por que
precisamos de modelos a serem seguidos? Por que precisamos de alguém específico
que nos reafirme o que já sabemos ser bom, ser útil, ser importante, ser
necessário? Por que não cremos nos principais organismos de Saúde Pública do
mundo? Por que?
Ao contrário dos argumentos que
estendem essa necessidade aos grupos menos privilegiados e informados da
sociedade, há milhares de pessoas nadando de braçada nas regalias e privilégios
da vida, seguindo exatamente a trilha da desinformação e da negação por vontade
própria. Um “efeito manada” para não destoar
do grupo, não ser diferente, não perder a oportunidade de pertencimento, ainda
que seja para estar em uma posição absolutamente equivocada da história.
O que significa que em quaisquer
estratos da sociedade haverá pessoas que não se importam com o que é feito
delas pelos seus próprios pares, a partir de sua própria anuência. Aí está a
gravidade da situação. É como se o indivíduo tivesse se lançado em um abismo de
desesperança tão profundo que ele perde a capacidade de lutar pela sua existência,
pela sua sobrevivência, pela sua dignidade e valores humanos, e fica à mercê de
alguém que lhe parece exercer alguma autoridade sobre sua vida.
Como era nos tempos do Brasil
Colônia, a Metrópole era o cérebro de um corpo. Quando ela saiu de cena ele não
sabia como pensar e seguir em frente. Se perdeu trocando passos à deriva. Então,
essa parcela da população encarcerada nesse pensamento legitima o modelo de
governança vigente; na medida em que ela não se importa com o que está fazendo
dela própria. Ela se sente o espelho onde vê refletida a identidade do próprio
governo e isso, então, lhe basta. Trata-se de uma relação de reciprocidade identitária
tóxica.
Talvez, agora, diante de tudo o
que está acontecendo e ainda está por vir, a sociedade brasileira promova uma
ruptura com esse senso identitário. Não há excesso ou alarmismo em dizer que os
caminhos levam o país ao fundo do poço, dessa vez. Portanto, as pessoas não
terão muitas condições de se esquivarem das suas responsabilidades humanas,
coletivas, institucionais; bem como, de todas as abstenções durante décadas
de existência. Um dia a vida cobra a conta de tudo o que foi ou não. Simples
assim.
Apesar de sermos únicos, impares,
a vida é a imposição do coletivo. Entre nós há um etéreo laço de corresponsabilidades
que nos une à revelia. Sendo assim, jamais se esqueça de que “A filosofia de uma pessoa não é melhor
expressa em palavras; ela é expressa pelas escolhas que a pessoa faz. A longo
prazo, moldamos nossas vidas e moldamos a nós mesmos. O processo nunca termina
até que morramos. E, as escolhas que fizemos são, no final das contas, nossa própria
responsabilidade” (Eleanor Roosevelt – Primeira-dama dos EUA, de 1933 a
1945).