segunda-feira, 1 de março de 2021

#MesDaMulher


Uma reflexão para todas as mulheres

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É comum ouvir que “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Mas, e o contrário? Esse não se escuta. Mais uma daquelas sutilezas perversas que permeiam o universo de invisibilização e silêncio feminino. Mulheres colocadas em segundo plano, em subalternidade, em posições menores em relação aos homens. São nesses pequenos detalhes do cotidiano, banalizados por inúmeras repetições, que as desigualdades se retroalimentam e regurgitam sua toxicidade pelo mundo.

Quem assistiu ao filme A Esposa (The Wife) 1, de 2019, percebe isso muito bem. Essa ideia da “grande mulher” persiste ainda, em pleno século XXI, na construção de uma relação muito mais atrelada a submissão do que a emancipação feminina. Afinal de contas, o controle e o poder das sociedades estão essencialmente nas mãos masculinas.

De modo que essa regência não tem por hábito ou por formação humana compreender a relevância de dividir espaços, de compartilhar. Homens crescem cientes de que são o centro majoritário do universo e tudo deve sempre girar ao seu redor, para o seu prazer, para o seu sucesso, para a sua glória e o seu triunfo.

Dentro desse contexto, então, expressões do tipo “grande homem” e “grande mulher” parecem estar fadadas a traduzir uma resolutividade absoluta, no sentido da compreensão social. Como se os papéis desempenhados por cada um fossem previamente de conhecimento e aceitação pública. Mas, será? Será que em milênios de história da humanidade o mundo não transitou por caminhos que lhe permitissem dar vida a novos pensamentos? Será que não há, mesmo, espaço para a ascensão feminina?

No que diz respeito as relações sociais, parece existir determinados princípios pétreos, os quais conseguem lamentavelmente obstaculizar a fluidez desse movimento de transformação. A velha síntese do status da “bela, recatada e do lar” que arrasta nas suas entrelinhas os registros de “boa filha”, “boa esposa” e “boa mãe”, como verdadeiros “poços de virtude”, faz com que a mulher seja orientada a se ocupar cotidianamente daquilo que a sociedade acredita pertencer ao seu “universo” de atenção.

Apesar das inúmeras conquistas sociais e intelectuais, elas são continuamente confrontadas (conscientemente ou não) a se posicionarem socialmente em relação a toda e qualquer conquista que esbarre nas fronteiras do seu objetivo primaz que deve ser o casamento e a constituição de uma família em moldes conservadoramente tradicionais. Isso significa que quaisquer que sejam os níveis de seu empoderamento, a sociedade permanece lhes cobrando a manutenção do  chamado “capital marital” 2.

Talvez a dinâmica frenética do mundo Pós-Moderno cause uma impressão ofuscada de tudo isso; na medida em que vemos mulheres trabalhando em seus ofícios diversos, frequentando universidades, expandindo sua formação intelectual, escolhendo o momento mais apropriado para ter um filho, enfim... Mas, na intimidade subjetiva de suas vidas, elas ainda são vistas e percebidas como coadjuvantes de menor expressão.

É; engana-se quem pensa que uma mulher só pode ser silenciada socialmente quando alguém decide elevar a mão em sua direção sinalizando a intenção de calar sua voz. Não. Mulheres vêm sendo emudecidas nas suas expressões e linguagens de diferentes formas, o que inclui essa estereotipização. Ela pode ser “grande”; mas, não o bastante para ofuscar ou apagar o brilho do homem. E como é fácil perceber essa vigência da supremacia masculina em cada canto da sociedade!

A desigualdade percentual de mulheres à frente das Ciências, das Tecnologias, das Letras, das Artes, ... acontece não por falta de “grandeza”, ou de talento, ou por incapacidade. A Biologia sempre deixou muito claro que tanto homens quanto mulheres foram dotados de capacidade cognitiva e intelectual. A questão é que há uma resistência inata, egocêntrica por parte deles em aceitar que todos podem ultrapassar as mesmas fronteiras, os mesmos limites, invertendo as lógicas seculares ditadas por tempos que já foram, em muito, ultrapassados.

E essa resistência é que impede o desenvolvimento, o progresso; mas, sobretudo, o equilíbrio e a harmonia das relações humanas. De repente, tudo se torna pretexto para rivalidade, desafio, negação, desqualificação, que não raras as vezes alcançam o extremismo das violências. E ao contrário do que se possa pensar, a estereotipização feminina é sim uma violência extremamente grave.

Trata-se de um ataque a essência, ao cerne de humanidade que reside em uma mulher, ou seja, a sua identidade. Ela passa a ser aquilo que a sociedade lhe permite; não o que ela é genuinamente. Ela é levada a assumir a identidade de uma personagem que cabe nos moldes daquele contexto social em que ela coexiste.

O que é extremante doloroso e punitivo; pois, isso significa que ela vai tendo rebaixada a sua dignidade gradativamente, a partir das pressões sociais. Cada vez que a pressão se torna mais potente, o seu senso de humanidade vai sendo dissecado e o seu silêncio vai emergindo.

Daí a importância de não trivializar a vida; mas, de retirar dos acontecimentos as suas camadas de intenção. Tudo o que se diz e faz tem um propósito seja ele bom ou ruim; mas, tem. Por isso, se quisermos viver em um mundo em que não haja mais a objetificação feminina, que o seu trato não seja entendido como propriedade, que não haja a sua subjugação, nem tampouco, a violência de nenhuma natureza, havemos de nos posicionar conscientemente. Afinal de contas, “O silêncio é o verdadeiro crime contra a humanidade” (Nadezhda Mandelstam – escritora, educadora e esposa do poeta Osip Mandelstam).


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