Uma
reflexão para todas as mulheres
Por
Alessandra Leles Rocha
É comum ouvir que “por trás de um grande homem há sempre uma
grande mulher”. Mas, e o contrário? Esse não se escuta. Mais uma daquelas
sutilezas perversas que permeiam o universo de invisibilização e silêncio feminino.
Mulheres colocadas em segundo plano, em subalternidade, em posições menores em
relação aos homens. São nesses pequenos detalhes do cotidiano, banalizados por inúmeras
repetições, que as desigualdades se retroalimentam e regurgitam sua toxicidade
pelo mundo.
Quem assistiu ao filme A Esposa (The Wife) 1, de 2019,
percebe isso muito bem. Essa ideia da “grande
mulher” persiste ainda, em pleno século XXI, na construção de uma relação
muito mais atrelada a submissão do que a emancipação feminina. Afinal de
contas, o controle e o poder das sociedades estão essencialmente nas mãos
masculinas.
De modo que essa regência não tem
por hábito ou por formação humana compreender a relevância de dividir espaços,
de compartilhar. Homens crescem cientes de que são o centro majoritário do
universo e tudo deve sempre girar ao seu redor, para o seu prazer, para o seu
sucesso, para a sua glória e o seu triunfo.
Dentro desse contexto, então, expressões
do tipo “grande homem” e “grande mulher” parecem estar fadadas a
traduzir uma resolutividade absoluta, no sentido da compreensão social. Como se
os papéis desempenhados por cada um fossem previamente de conhecimento e
aceitação pública. Mas, será? Será que em milênios de história da humanidade o
mundo não transitou por caminhos que lhe permitissem dar vida a novos
pensamentos? Será que não há, mesmo, espaço para a ascensão feminina?
No que diz respeito as relações
sociais, parece existir determinados princípios pétreos, os quais conseguem lamentavelmente
obstaculizar a fluidez desse movimento de transformação. A velha síntese do status da “bela,
recatada e do lar” que arrasta nas suas entrelinhas os registros de “boa filha”, “boa esposa” e “boa mãe”,
como verdadeiros “poços de virtude”,
faz com que a mulher seja orientada a se ocupar cotidianamente daquilo
que a sociedade acredita pertencer ao seu “universo” de atenção.
Apesar das inúmeras conquistas sociais e
intelectuais, elas são continuamente confrontadas (conscientemente ou não) a se
posicionarem socialmente em relação a toda e qualquer conquista que esbarre nas
fronteiras do seu objetivo primaz que deve ser o casamento e a constituição de
uma família em moldes conservadoramente tradicionais. Isso significa que
quaisquer que sejam os níveis de seu empoderamento, a sociedade permanece lhes
cobrando a manutenção do chamado “capital marital” 2.
Talvez a dinâmica frenética do mundo
Pós-Moderno cause uma impressão ofuscada de tudo isso; na medida em que vemos
mulheres trabalhando em seus ofícios diversos, frequentando universidades,
expandindo sua formação intelectual, escolhendo o momento mais apropriado para
ter um filho, enfim... Mas, na intimidade subjetiva de suas vidas, elas ainda são
vistas e percebidas como coadjuvantes de menor expressão.
É; engana-se quem pensa que uma
mulher só pode ser silenciada socialmente quando alguém decide elevar a mão em
sua direção sinalizando a intenção de calar sua voz. Não. Mulheres vêm sendo
emudecidas nas suas expressões e linguagens de diferentes formas, o que inclui
essa estereotipização. Ela pode ser “grande”;
mas, não o bastante para ofuscar ou apagar o brilho do homem. E como é fácil
perceber essa vigência da supremacia masculina em cada canto da sociedade!
A desigualdade percentual de
mulheres à frente das Ciências, das Tecnologias, das Letras, das Artes, ...
acontece não por falta de “grandeza”,
ou de talento, ou por incapacidade. A Biologia sempre deixou muito claro que
tanto homens quanto mulheres foram dotados de capacidade cognitiva e intelectual.
A questão é que há uma resistência inata, egocêntrica por parte deles em
aceitar que todos podem ultrapassar as mesmas fronteiras, os mesmos limites,
invertendo as lógicas seculares ditadas por tempos que já foram, em muito,
ultrapassados.
E essa resistência é que impede o
desenvolvimento, o progresso; mas, sobretudo, o equilíbrio e a harmonia das
relações humanas. De repente, tudo se torna pretexto para rivalidade, desafio, negação,
desqualificação, que não raras as vezes alcançam o extremismo das violências. E
ao contrário do
que se possa pensar, a estereotipização feminina é sim uma violência
extremamente grave.
Trata-se de um ataque a essência, ao cerne de
humanidade que reside em uma mulher, ou seja, a sua identidade. Ela passa a ser
aquilo que a sociedade lhe permite; não o que ela é genuinamente. Ela é levada
a assumir a identidade de uma personagem que cabe nos moldes daquele contexto
social em que ela coexiste.
O que é extremante doloroso e punitivo; pois,
isso significa que ela vai tendo rebaixada a sua dignidade gradativamente, a
partir das pressões sociais. Cada vez que a pressão se torna mais potente, o
seu senso de humanidade vai sendo dissecado e o seu silêncio vai emergindo.