Antropização...
Por
Alessandra Leles Rocha
Já perdi as contas de quantas calamidades
naturais o Brasil tem enfrentado ao longo de sua história. Enchentes,
deslizamentos de encostas, trombas d’água, ciclones, ... Mas, também, já perdi
as contas de quantas calamidades ambientais o país vem se permitindo enfrentar
pelo descaso crônico com esse assunto. Carência de saneamento básico, mau uso e
ocupação do solo, descarte incorreto de insumos agrícolas, pesticidas,
derivados de hidrocarboneto (gasolina, óleo diesel e afins), ... E contrariando
a percepção de muita gente, essas duas mazelas acabam de um jeito ou de outro
se encontrando por aí.
Assistindo aos problemas que
enfrenta o estado do Acre, nas últimas semanas, venho refletindo a respeito
desse assunto. Sabemos que essa não é a primeira e, nem tampouco, a derradeira
vez em que os rios da região cobrirão cidades inteiras e deixarão milhares de
pessoas desabrigadas e desassistidas depois de perderem moradia, pertences
materiais, entes queridos. A questão é que esse panorama reflete apenas o topo
de uma montanha de problemas muito maior.
O mundo tem convivido, desde o
século XX, com uma intensificação das mudanças climáticas e suas repercussões contributivas
na deterioração da estrutura socioambiental. A realidade de extremos tem sido
experimentada e discutida globalmente a fim de que sejam postas em prática
medidas, no mínimo, mitigadoras; mas, as correntes de resistência ainda
representam enormes desafios. Na queda de braços entre a Sustentabilidade e a
Economia, a tentação de atender aos interesses da segunda parece sempre
prevalecer.
No entanto, os episódios catastróficos
têm se ampliado em intensidade e frequência, o que dificulta atender a todas as
demandas emergenciais e de reconstrução. Olhando para o exemplo do Acre, nesse
momento, o que se tem é exatamente o encontro das duas calamidades citadas
acima. Ao responder as intempéries climáticas, a Natureza esbarra na negligência
instaurada pelas gestões públicas em relação as calamidades ambientais.
Aquela velha história de que “obra
embaixo da terra não rende voto” se traduz pela inexistência de saneamento
básico. No entanto, quando acontece uma inundação a população fica totalmente exposta
ao risco de contaminações diversas e a necessidade, em alguns casos, de
atendimento médico-hospitalar. Leptospirose, Hepatites (A, E), Diarreias, Febre
Tifoide, Cólera, Tétano, são alguns exemplos. O que em tempos de Pandemia seria
um ônus a mais a recair sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), já tão colapsado.
Mas, não para por aí. O mau uso e
ocupação do solo, também, contribui para a tragédia. Há uma visível permissividade
gestora em relação a produção das cidades. As áreas habitadas e o tipo de
edificação dispensada para a população deixa lacunas imensas de vulnerabilidade
social; o que, diante de conjunturas extremas produz desdobramentos capazes de acirrar
e aprofundar as linhas de desigualdade social.
A falta de orientação e incentivo
as práticas de extrativismo e produção sustentáveis favorecem plenamente que a
elevação dos rios arraste para o seu leito toneladas de insumos agrícolas,
pesticidas, derivados de hidrocarboneto (gasolina, óleo diesel e afins),
poluindo com severidade os cursos d’água, os quais são fonte de abastecimento dessas
cidades. Um tipo de poluição que reflete em patologias importantes e, muitas
vezes, letais; mas, que tendem a não ser tratadas adequadamente pela própria
fragilidade da rede de saúde pública disponível nessa região.
Como se vê, as discussões
ambientais não se limitam a Natureza em si, fauna e flora. Na medida em que o
ser humano faz parte do Meio Ambiente, a análise se torna automaticamente
ampliada. Porque ele não só é partícipe; mas, também, conquistador, desbravador
e explorador. Ele interfere na dinâmica e no equilíbrio de onde decide se fixar.
Cada vez que isso acontece há impactos e consequências passiveis ou não de
estimativa e de recuperação; portanto, há custos.
Observando atentamente o mundo
atual, fica fácil perceber o enorme equívoco que se tem, então, ao pensar que o
custo da preservação é demasiadamente alto. Não, não é. A destruição custa
muito mais. Primeiro, porque nem tudo o que é destruído poderá, algum dia, ser
recuperado. Haja vista as imensas áreas desertificadas no planeta e a mudança
de perfil climático que foram obrigadas a se adaptar. Algumas delas são só
areia, não produzem mais nada, nem mesmo por meio da implementação de
tecnologias de última geração.
Segundo, porque o meio ambiente
ainda é fonte de alimentação, trabalho e renda para milhões de pessoas. Uma vez
alterado pelas ações antrópicas, a sua capacidade de atender a essa demanda vai
se tornando escassa. O exemplo das ilhas de plástico nos oceanos é ideal para
representar essa destruição da flora e fauna aquáticas, que se manifesta na
imediata redução quantitativa e qualitativa de peixes e frutos do mar para
pescadores e indústria pesqueira.
Isso sem contar as toneladas de resíduos
sólidos e efluentes lançados ao mar por grandes embarcações, navios de turismo
e os próprios emissários de esgoto dos centros urbanos que correm pelas praias.
Os oceanos estão se transformando em um verdadeiro “lixão flutuante”.
Enfim, o modo de vida
estabelecido pelos seres humanos precisa urgentemente ser repensado. Há de se
ter responsabilidade com os mínimos espaços ocupados. Com tudo o que é
produzido e depois descartado. Saiba que pior do que o lixo que se vê lançado inadequadamente
por aí, é aquele que não se vê, que é resultado de produtos químicos altamente tóxicos
a se disseminar pelo solo, pelo ar, pelas águas.
As altas esferas do poder vêm
sendo munidas de informações técnico-científicas detalhadas, há tempos. Deveriam
perceber que o fim da linha se aproxima, porque chega uma hora em que “Você pode enganar os eleitores, mas não o
meio ambiente” (Donella Meadows – cientista ambiental, professora e escritora
coautora do livro “Os limites do crescimento”, traduzido para mais de 28
idiomas).