Educação, Cidadania e outras reflexões
Por Alessandra Leles Rocha
Diante da acalorada discussão que se estabeleceu em torno da
PEC do teto de gastos públicos, proposta pelo governo federal, a Educação ocupa
espaço no debate em torno dos impactos a que estaria sujeita no caso da
aprovação da tal Proposta de Emenda Constitucional.
Mas, me preocupa o enfoque o qual está sendo dado a essa
pauta; porque, na verdade não se trata de pensarmos na Educação única e
exclusivamente pelo ponto de vista dos recursos. É claro que sem dinheiro
qualquer iniciativa encontra dificuldades para ser implementada; mas, olhemos
com seriedade para os descaminhos que a Educação brasileira vem trilhando e
perceberemos que as raízes dos seus problemas se arrastam por décadas e estão
além do dinheiro investido.
Penso que para falar de investimentos ou requerer mais deles precisamos
antes de tudo saber por que queremos, aonde vamos aplicar os recursos, de que
forma iremos fazê-lo, quais os objetivos a serem transformados em realidade
etc.etc.etc. Então, se a verba está aquém das expectativas, por que não nos
questionamos sobre o modelo de gestão vigente, hein? Sim, porque há em meio às
dificuldades orçamentárias (sobretudo, em pequenos municípios brasileiros),
casos de sucesso em que escolas se destacam pela eficiência da gestão e dos
resultados obtidos.
Desse modo, entendo que nos debruçarmos em favor das demandas
reais que impactam a Educação deveria ser o nosso primeiro compromisso cidadão.
Não vejo, embora as situações críticas se proliferem cotidianamente, ninguém
manifestar abertamente a necessidade, por exemplo, de se incorporar ao ambiente
escolar, seja ele publico ou privado, um núcleo multidisciplinar de apoio
psicopedagógico que contemple a presença de psicólogos, fonoaudiólogos e
assistentes sociais, para dar suporte ao professorado na assistência integral
aos alunos.
Lamentavelmente, não podemos fechar os olhos aos problemas
sociais que afloram extramuros da escola; pois, elas repercutem drasticamente
no seu interior e estão além da capacidade humana e profissional do corpo de
funcionários lá presentes (especialmente, os professores) . Inclusive, essas questões não podem continuar a
ser mascaradas ou desconsideradas no âmbito da evasão escolar e dos péssimos
resultados de aprendizagem apontados pelos exames nacionais. Ora, não precisa ser nenhum gênio para saber que
uma criança ou um adolescente que enfrenta situações de risco, de fragilidade e
vulnerabilidade social não tem equilíbrio e/ou motivação para manifestar suas
habilidades e competências de maneira plena durante os processos de ensino-aprendizagem.
Também, me parece quase silenciosas às manifestações sobre a
necessidade de se estabelecer uma proposta curricular verdadeiramente
consciente sobre a relação ensino/cidadania. Que cidadãos se pretende formar em
nossas escolas? Essa é uma pergunta fundamental, porque se não sabemos aonde queremos
chegar, também, não saberemos qual o melhor caminho a seguir. A preocupação
conteudista que nos perseguiu até aqui já assinala a sua falência há tempos e,
hoje, já repercute numa carência de mão de obra verdadeiramente qualificada,
porque os alunos não só não conseguem estabelecer uma lógica entre o que é
ensinado e sua aplicação no contexto real; como, também, não compreendem o
significado da educação na construção da sua cidadania.
E não venham contestar essa colocação com o argumento das
recentes ocupações das escolas, pois elas não traduzem verdadeiramente a
proposta de uma educação cidadã. Primeiro, porque não se trata de propor algo
como a criação de um conjunto de práticas pedagógicas para tratar de forma
efetiva as temáticas da cidadania de maneira multi e interdisciplinar dentro da
grade curricular, com vistas a envolver a participação de toda a comunidade
escolar. Aliás, o ensino carece muito da construção de um letramento crítico
por parte das disciplinas, o que naturalmente contribuiria muito para essa
fundamentação cidadã. Segundo, porque não faz sentido incentivar uma prática
que no intuito de defender uma ideia legítima coloque em xeque a legalidade;
posto que, a grande maioria desses alunos é menor de idade, segundo a
legislação brasileira, e, portanto, sujeita a tutela dos pais ou responsáveis. Ora,
e quem descumpre as leis afronta a própria cidadania, não é mesmo? Terceiro,
porque a questão novamente afrontou a legalidade na medida em que obstruiu o
direito daqueles que, embora concordassem com a defesa das ideias, não queriam
resolvê-la daquela forma e foram impedidos do seu direito de ir e vir e
frequentar as aulas. Uma atitude que me parece, também, contraditória ao que
preconiza a defesa democrática dos direitos e da cidadania; bem como, a própria
Educação.
Outro aspecto importante em relação aos debates educacionais
se dá pelos apelos e discursos em torno da utilização das novas tecnologias,
que verdadeiramente já estão absorvidas pela sociedade e não se pode negá-las,
pelo fato das novas gerações disporem de amplo domínio sobre a linguagem e
ferramentas tecnológicas. Mas, lamento informar que elas não são a solução
mágica para todos os problemas da Educação, como tentam fazer parecer. Não
bastam computadores, tablets e afins em todas as escolas; pois, a velocidade de informações
que chegam por minuto impede, na maioria das vezes, que estas sejam absorvidas,
interpretadas adequadamente e transformadas em conhecimento pelos estudantes. Isso
significa o mesmo que uma tempestade cair sobre o solo e não ter tempo hábil para
a água ser plenamente absorvida.
Assim, as novas tecnologias são ferramentas importantes e
úteis, quando bem usadas; no entanto, é preciso saber manejá-las e
incorporá-las conjuntamente a outros instrumentos pedagógicos já existentes. Nesse
contexto, para que o investimento desse porte seja disponibilizado é fundamental que o papel do professor seja o de atuar como um orientador do processo; porque ele, melhor do ninguém, sabe que não precisamos negar os materiais
que temos nas mãos em detrimento das novidades na medida em que tudo tem seu espaço, seu
momento de aplicação e é bem vindo para contribuir para o desenvolvimento do
processo de ensino-aprendizagem.
Também abafada nas discussões é a questão da inclusão, ou a
proposta da “escola aberta para as diferenças”. Além da ideia do núcleo
multidisciplinar de apoio psicopedagógico já falado anteriormente, nossas
escolas precisam muito conhecer e aprender a utilizar os materiais adaptados às
necessidades dos alunos e agir de maneira proativa, sem a necessidade de
medidas judiciais, no sentido de proporcionar a inclusão plena de seus alunos
no âmbito logístico, afetivo, social e de infraestrutura escolar.
A inclusão, também, aponta a importância do professor
assistente em sala de aula, o qual trabalhe de forma integrada com o professor
regente e possa efetivamente auxiliá-lo na condução das atividades; sobretudo,
com os alunos portadores de algum tipo de deficiência. Mas, para isso é preciso
nos preocupar com a qualificação da docência no país; de modo que, esta seja
uma formação condizente as realidades e a satisfação dos resultados esperados.
Não são apenas os baixos salários ou a precariedade de muitas escolas que
afugentam o professor da sala de aula; mas, a própria sensação de despreparo
para realizar o trabalho, causando-lhe profunda insegurança e temor.
Enfim, parece que estamos sempre olhando a realidade de forma
fragmentada, quando o assunto é Educação. O que adianta pagar dignamente o
professor e não lhe dar dignidade no exercício do seu ofício? O que adianta
reformar a escola e não ter uma merenda digna para oferecer aos alunos? O que
adianta oferecer o uniforme e não ter professor lecionando? O que adianta...?
Com o recurso disponível, também, não vemos ações já
previstas no âmbito da Educação ser realizadas de forma equilibrada e
sistêmica; elas, simplesmente, passam despercebidas por milhares de gestores.
Quantos projetos, por exemplo, de manutenção e revitalização das escolas você
conhece na sua cidade? E manutenção de hortas para melhoria da merenda escolar
(e fonte de aprendizagem para os alunos das séries iniciais, também)? Pois é,
leitor, para toda e qualquer iniciativa é preciso PLANEJAMENTO, PROJETO e,
particularmente, VONTADE DE TRANSFORMAÇÃO.
Então, caso toda a mobilização e discussão que estão
acontecendo resultem na rejeição e não aprovação da tal PEC do teto de gastos
públicos; assim, existindo a possibilidade de mais injeção de recursos
para Educação poderemos garantir, sem hesitação, que todos os problemas
estarão resolvidos? Na dúvida em responder, lembre-se das palavras de Buda, “Não acredite em algo simplesmente porque
ouviu. Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito. Não
acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.
Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.
Não acredite em tradições só porque foram repassadas de geração em geração. Mas
depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão,
e que conduz ao bem e benefício de todos, aceite-o e viva-o”.