O
que adianta?
Por
Alessandra Leles Rocha
O ser humano já desbravou o
universo. Já revolucionou a ciência da informação e da tecnologia. Já interferiu
na genética. Já ampliou as fronteiras agrícolas. Já... Já... Mas o que adianta
se ainda não aprendeu a respeitar a diversidade da sua raça? Concordem ou não
há apenas uma raça, a humana. Que por sua vez espelha uma pluralidade que salta
aos olhos e enche de emoção pela infinitude de habilidades e competências capaz
de traduzir.
É por isso que em pleno século XXI
se torna inadmissível repetir os velhos equívocos, bater nas mesmas teclas e
regurgitar os discursos que tanto mal já causaram ao mundo. Nessa vastidão de
seres humanos é claro que nem tudo são flores; há gente boa, gente ruim, gente
compromissada, gente descompromissada, gente ignorante, gente educada,... Mas,
que por graça da capacidade de pensar e refletir deve aprender a conviver em
paz e harmonicamente.
Ao contrário do que muitas pessoas acreditam
não é a uniformidade do pensamento e comportamento humanos que nos faz evoluir.
É pesando os prós e os contras, colocando na balança os antagonismos que nossa
abençoada razão amplia os seus horizontes. Tarefa difícil e que exige do
aprendiz humano; mas, vale a pena. Descobrir que se pode chegar a um
denominador comum, cada um cedendo na medida da compreensão e dos argumentos é
sempre maravilhoso; afinal de contas, ninguém é dono e senhor da verdade.
Então, quando paramos para pensar
aonde o mundo já chegou e percebemos sua insistência em refazer os mesmos
ciclos inglórios, como se estes não nos tivessem deixado duras e amargas
heranças, chega a pairar um desalento. O que adiantam a fome, a miséria, à
destruição, o holocausto,... se não somos capazes de sermos melhores? O que adiantam o poder, a glória, a
riqueza,... se não somos capazes de coexistir em paz?
Infelizmente, para essa degeneração
nociva que nos impede de enxergar a vida como prioridade absoluta, talvez, não
tenhamos resposta. O tempo nos mostra quantas e quantas vezes agimos exatamente
assim, alheios às dores do mundo, cruéis, insensíveis, tiranos. Sob um discurso
de defesa dos direitos e interesses de todos; mas, quem seriam esses “todos”?
Distante do que acontece em outras
esferas da vida na Terra, a humanidade de fato não prima pelo respeito, pela
segurança, pelo bem-estar de seus semelhantes. Famílias negligenciam sua própria
prole. Estados-nação negligenciam seus próprios cidadãos. Somos a representação
de uma raça altamente individualista e que cada vez mais manifesta seu desprezo
pela perpetuação da própria espécie. Sim, mata-se com uma facilidade absurda. A
vida aparece no ranking das prioridades humanas como um bem vulgar.
E não venham pensar que estou sendo
alarmista ou melancólica. Abram as mídias, leiam com atenção as notícias. Permitam-se
respingar pela realidade que salta das palavras. O mundo, meus caros, está
assim... desabando, lentamente. Tentando contemporizar os fatos, muitos
atribuem o título de ‘bobagens’ a comportamentos que nada têm de inofensivos. Subverter
a ordem, a lógica, o bom senso,... não são bobagens. Enquanto vivemos nesse
planeta o EU não pode sobrepor ao NÓS. Precisamos respeitar os limites, as regras,
para que seja possível coexistir. Somos contra a guerra do outro lado do mundo,
sob a alegação do desrespeito as fronteiras, a soberania etc.; mas, debaixo do
próprio nariz, não vemos mal algum em colocar o lixo na porta do vizinho, furar
a fila do banco, dirigir embriagado etc. Como assim?!
De que lado estamos? Essa diminuta
esfera que gira solta no universo e onde estamos todos vivendo é a casa que nos
resta. Admitam ou não estamos regidos por um enorme efeito dominó; o que
acontece aqui repercute lá e vice-versa. A revelia de nossa vontade as perdas e
os ganhos de uns e outros impactam o nosso dia a dia. Nossa liberdade, nossa
autonomia, nossa vontade, enfim... “Nossa”, o quê, cara pálida? Por de trás de
tudo há sempre uma orientação maior, um interesse, uma ideologia. Nada é isento
como querem fazer parecer.
No fundo estamos sempre contidos
por muros, ainda que, invisíveis; basta prestar atenção para perceber. Muros que
definem os que podem e os que não podem, os que pertencem e os que não
pertencem, os que devem e os que não devem... Quem os define? Seres humanos. Sem
nos darmos conta disso, nós mesmos estabelecemos os nossos muros e, no fim, eles
não significam mais do que uma proteção, uma contenção, a nós mesmos. O que
condenamos, criticamos, apontamos, rechaçamos em nossos semelhantes é, na
verdade, o que pensamos sobre nós; mas, manifestar isso em relação ao outro
parece mais fácil, mais cômodo.
Entretanto, quando abrimos precedente
para esse comportamento de exclusão, de segregação, de intolerância, não
resolvemos nosso desconforto. Aliás, o ataque está longe de ser a melhor
defesa. Mais dia menos dia o agredido vai revidar, vai cobrar na mesma moeda; a
história é rica em exemplos assim. Nossos ‘muros’ só nos tornam cada vez mais
vulneráveis e apontam cada vez mais as nossas fragilidades existenciais, especialmente,
em não sabermos resolver os nossos próprios dilemas.
Dois mil e dezesseis está próximo
do fim, um momento oportuno, então, para pensar sobre tudo isso. Hora de parar
de esperar que outros cumpram essa obrigação e assumir o próprio quinhão de
responsabilidade, revendo valores, comportamentos, princípios. Se isso não
puder nos proteger dos descaminhos que o mundo aponta, pelo menos que nos ajude
a fortalecer o espírito para enfrentar as tormentas provocadas por quem não se dá
ao trabalho de pensar.
Discurso de Chaplin no filme O Grande Ditador.