A previsibilidade do imprevisível
Por Alessandra Leles Rocha
Certamente essa semana não foi das mais fáceis de lidar, afinal somos seres humanos e os fatos da vida não nos passam despercebidos ainda que não estejamos expostos aos impactos diretamente. Esses episódios de horror explícito que se espalham mundo afora e, infelizmente, chegaram até o Brasil, demonstram que a alma humana está muito doente. O germe do primitivismo, da barbárie, da fúria, que habita dentro dos seres humanos parece ter despertado de forma incontrolável. Uma cegueira estranha toma conta do inconsciente e todos os valores e princípios humanos são perdidos e nada mais importa ao individuo.
O que somos em essência é de fato algo extremamente frágil e delicado. A convivência com o mundo e a infinitude de experiências é que vão moldando e domando essa argila invisível. Nada, absolutamente nada, nesse existir é bobagem ou algo sem grandes repercussões ou importância. Um mísero “arranhão” no dia pode sim golpear o ser humano de uma maneira tão drástica que o fato se repercutirá em ondas ao longo dos anos; é o que acontece no bullyng, por exemplo. Como no campo das patologias psiquiátricas muitas perguntas ainda não foram plenamente respondidas, o que acontece com a alma se torna em muitos casos imprevisível; rompantes em indivíduos que não conseguiram suportar as pressões armazenadas em seu próprio ser e extrapolaram todos os limites.
Em um contexto no qual a sociedade não vive a coletividade no seu sentido pleno, mas meramente superficial, a ausência de comprometimento e observação compartilhada de seus membros impede que os doentes da alma possam receber o auxílio adequado. Sob o pretexto de não invadir a individualidade e a privacidade do outro, alguns justificam a indiferença com os semelhantes. Argumento pouco convincente em uma época que o dissecamento da vida alheia das celebridades movimenta milhões. Creio que a verdadeira resposta encontre-se na opção em não se envolver, em não assumir um grau de responsabilidade maior com as pessoas; pois, no caso das doenças da alma, especialmente, existe sim uma exigência maior de apoio, suporte, afeto, atenção e nem sempre o ser humano está disposto a tamanho sacrifício e doação. No âmbito das famílias, inclusive, essa questão se torna ainda mais delicada, porque muitos pais têm receio em lidar com esse assunto e uma enorme dificuldade em assumir que seu filho (a) possa estar doente e necessitando de ajuda. É natural dos seres humanos não querer enxergar ou aceitar o que destoa do padrão estabelecido pela sociedade. Entretanto esse não fazer para uns, pode significar a perda de muitos outros. A prevenção ainda significa mais do que remediar; uma alma doente, atormentada, “esquisita”, clama no silêncio do seu distanciamento social por socorro. Basta olhar com mais atenção nos olhos de alguém assim, para perceber a profundidade do abismo que repousa seu espírito. A efervescência dos sentimentos, das emoções se configura descompensada (em ausência ou em excesso exacerbado) nessas pessoas e é facilmente perceptível; necessitando apenas de observação e encaminhamento para ajuda imediata.
A vida nos parece cada dia mais difícil, mais desafiadora, mais implacável e cruel. Todos nós, sem exceção, somos expostos aos mais diferentes tipos e níveis de pressão, de exigência, de superação, de resultados,... Mas, a maneira de lidar com tudo isso é muito particular. Há quem traga consigo uma força interior descomunal e capaz de transpor as adversidades com total desenvoltura. Há quem consiga enfrentar o cotidiano, mas sacrificando e bombardeando o corpo físico (vê-se pelo número de consultas e hospitalizações em razão de infarto e acidente vascular cerebral, em decorrência de stress). Mas não se pode esquecer ou negligenciar que há os que não suportam e manifestam a sua incapacidade de lidar com a vida através da violência individual ou coletiva. É preciso romper a barreira que isola esses indivíduos do restante da sociedade, antes que seja tarde demais. Por mais imprevisível que tragédias como essa ocorrida no Rio de Janeiro sejam não há crime perfeito e “sinais” foram manifestados pelo assassino antes do fato ser consumado; agora, depois do ocorrido, parentes e conhecidos contam que ele havia dito isso, feito aquilo, mas... Em todos os círculos da sociedade – família, escola, trabalho, igreja, clube, academia etc.– cabe ao ser humano exercer a sua responsabilidade social, no sentido de estar sempre atento e alerta ao comportamento de seus semelhantes para evitar carregar consigo o peso da omissão e da indiferença. Dessa vez foram treze mortos e uma nação inteira em luto!