sábado, 1 de junho de 2024

PEC 03/2022: Pare. Leia. Reflita.


PEC 03/2022: Pare. Leia. Reflita.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quanto mais histriônico o comportamento da direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, mais a sua vulnerável fragilidade se agiganta aos olhos dos seus observadores mais atentos. Bem, essa foi a estratégia de sobrevivência escolhida por eles.

Pode ser chato, cansativo, irritante, ... mas, só surte efeito se você fomentar a ideia. Portanto, esse é o ponto de reflexão. Entendo perfeitamente, que não é pouca coisa o que essas pessoas têm promovido, em termos negativos, no ambiente social. Com desdobramentos e reverberações, muitas vezes, impossíveis de uma reversão completa dos danos. 

No entanto, prega o bom senso e a inteligência que não extrapolemos quanto ao limite da visibilidade disponibilizada a essas criaturas e seus poços de criatividade non sense. Por mais irrelevantes, absurdas, perigosas, destrutivas, ... possam ser, a dinâmica da vida ainda se estabelece dentro de limites e de variáveis insólitas, as quais, em razão do imediatismo e da histrionia desses seres, acabam desconsiderados e negligenciados. O que frustra as suas expectativas e projeções futuras.  

Nesse sentido, me parece que a ideia da privatização de praias trazida pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 03/2022, é um bom exemplo. Mais uma vez, na esteira do “passar a boiada”, o que se propõe é a extinção das áreas de marinha, ou seja, aquelas situadas na costa marítima, margens de rios e lagoas, em faixa de 33m a partir da posição de maré cheia, as quais são propriedade da União, segundo a Constituição Federal vigente.

Qual o propósito? Reproduzir o que aconteceu em Cancun, no México. Atrair empresas interessadas em explorar esses locais com grandes empreendimentos hoteleiros, restringindo o acesso às praias aos hóspedes desses hotéis. Portanto, lucro. Aliás, como costuma acontecer na maioria dos projetos apresentados pela direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas.

Aí, eu me lembrei que, em dezembro de 2022, a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no último leilão do pré-sal do governo que se encerrava, teve apenas quatro dos 11 blocos ofertados arrematados, inclusive, três deles com participação da Petrobrás.  Qual o motivo do fiasco?

Primeiro, porque a exploração de combustíveis fósseis vem despertando cada vez mais críticas, por conta da necessidade de estratégias sustentáveis para reduzir os eventos extremos do clima. Segundo, porque o risco de judicialização dos processos, antes mesmo da própria exploração, é altamente prejudicial a reputação das empresas no mercado. Por fim, o potencial de risco geológico torna inviável os investimentos para operação nessas áreas.

Veja, esse é o ponto de análise. Grandes investidores são muito bem assessorados para tomada de decisões importantes. De modo que não se trata somente de flexibilizar ou de afrouxar leis a fim de atrair seu interesse. Há outros aspectos que não lhes passa despercebidos, dado o cuidado de minimizar os insucessos e os riscos.

Isso significa um olhar muito atento e alinhado à Economia Verde, a qual propõe que o desenvolvimento econômico esteja diretamente equilibrado com a preservação do meio ambiente, a proteção dos recursos naturais e às preocupações com a inclusão social.   

Nesse sentido, considerando todos os fundamentos científicos disponíveis a respeito do aquecimento global, que não só aponta para a elevação da temperatura dos oceanos; mas, para o processo de degelo das calotas polares, aumentando significativamente o volume de água nos mesmos, não parece viável investir para operar nas áreas de marinha.

A intensidade de tempestades e outras consequências climáticas representa um risco real, antes mesmo da própria exploração do local. Basta ver o que trouxe o relatório produzido conjuntamente entre World Weather Attribution, Climate Central e o Centro Climático da Cruz Vermelha.

Dentre as informações têm-se que “o Brasil teve quase três meses a mais de calor por causa da crise do clima nos últimos 12 meses” e uma das consequências diretas foi que, “enquanto a seca castigava o Norte do país com a terra exposta onde antes eram rios, o Sul foi tomado pela forte chuva que devastou o Rio Grande do Sul” 1.

Diante disso, mudar a legislação ambiental não muda os fatos e, nem tampouco, exime os interessados na PEC 03/2022 das responsabilidades inerentes ao risco previamente estabelecido. Pensando na perspectiva de que passadas duas décadas desde o tsunami de 2004, o que se viu foi um recrudescimento de episódios de emergências climáticas diversas, em todo o planeta.

Furacão Katrina, em 2005. Tsunami que provocou o acidente nuclear na usina de Fukushima, a 260 km ao norte de Tóquio, em 2011. Alemanha, Bélgica e Holanda debaixo d’água, em 2021. “Tsunami” de lama no centro do Japão, em 2021. Enchentes na Líbia, em 2023. Incêndios e enchentes na Grécia, em 2023. Tornados e tempestades no sul dos EUA, em 2024. ...

Segundo Debra Roberts, uma das seis copresidentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “Juntas, a crescente urbanização e as mudanças climáticas criam riscos complexos, especialmente para aquelas cidades que já enfrentam crescimento urbano mal planejado, altos níveis de pobreza e desemprego e falta de serviços básicos”.

Portanto, uma proposta como a PEC 03/2022 não tem qualquer compromisso, nesse sentido. Ao contrário, nenhum aspecto socioambiental é, sequer, considerado. O que se tem é a materialização de um conceito retrógrado de progresso, que visa o acúmulo de capital em detrimento da sobrevivência e da dignidade do planeta e seus habitantes.  Em suma, um progresso desumanizado e radicalmente exploratório.

Entretanto, apesar dessa percepção, não creio, considerando pragmaticamente a realidade contemporânea, que haja unanimidade para que tal proposta seja aprovada ou levada adiante.  Jogar ideias fora, é fácil. Quero ver jogar dinheiro fora!  Na balança entre prós e contras, os últimos estão ganhando de lavada!

Afinal, como escreveu José Saramago, na epígrafe do seu Ensaio sobre a Cegueira, de 1995, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Pois, “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente” (José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira).