PEC
03/2022: Pare. Leia. Reflita.
Por
Alessandra Leles Rocha
Quanto mais histriônico o
comportamento da direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas,
mais a sua vulnerável fragilidade se agiganta aos olhos dos seus observadores
mais atentos. Bem, essa foi a estratégia de sobrevivência escolhida por eles.
Pode ser chato, cansativo,
irritante, ... mas, só surte efeito se você fomentar a ideia. Portanto, esse é
o ponto de reflexão. Entendo perfeitamente, que não é pouca coisa o que essas
pessoas têm promovido, em termos negativos, no ambiente social. Com desdobramentos
e reverberações, muitas vezes, impossíveis de uma reversão completa dos
danos.
No entanto, prega o bom senso e a
inteligência que não extrapolemos quanto ao limite da visibilidade
disponibilizada a essas criaturas e seus poços de criatividade non sense.
Por mais irrelevantes, absurdas, perigosas, destrutivas, ... possam ser, a
dinâmica da vida ainda se estabelece dentro de limites e de variáveis
insólitas, as quais, em razão do imediatismo e da histrionia desses seres,
acabam desconsiderados e negligenciados. O que frustra as suas expectativas e
projeções futuras.
Nesse sentido, me parece que a
ideia da privatização de praias trazida pela Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 03/2022, é um bom exemplo. Mais uma vez, na esteira do “passar a
boiada”, o que se propõe é a extinção das áreas de marinha, ou seja,
aquelas situadas na costa marítima, margens de rios e lagoas, em faixa de 33m a
partir da posição de maré cheia, as quais são propriedade da União, segundo a
Constituição Federal vigente.
Qual o propósito? Reproduzir o
que aconteceu em Cancun, no México. Atrair empresas interessadas em explorar
esses locais com grandes empreendimentos hoteleiros, restringindo o acesso às
praias aos hóspedes desses hotéis. Portanto, lucro. Aliás, como costuma
acontecer na maioria dos projetos apresentados pela direita e seus matizes;
sobretudo, os mais radicais e extremistas.
Aí, eu me lembrei que, em
dezembro de 2022, a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), no último leilão do pré-sal do governo que se encerrava,
teve apenas quatro dos 11 blocos ofertados arrematados, inclusive, três deles
com participação da Petrobrás. Qual o
motivo do fiasco?
Primeiro, porque a exploração de
combustíveis fósseis vem despertando cada vez mais críticas, por conta da
necessidade de estratégias sustentáveis para reduzir os eventos extremos do
clima. Segundo, porque o risco de judicialização dos processos, antes mesmo da
própria exploração, é altamente prejudicial a reputação das empresas no
mercado. Por fim, o potencial de risco geológico torna inviável os
investimentos para operação nessas áreas.
Veja, esse é o ponto de análise.
Grandes investidores são muito bem assessorados para tomada de decisões
importantes. De modo que não se trata somente de flexibilizar ou de afrouxar
leis a fim de atrair seu interesse. Há outros aspectos que não lhes passa
despercebidos, dado o cuidado de minimizar os insucessos e os riscos.
Isso significa um olhar muito
atento e alinhado à Economia Verde, a qual propõe que o desenvolvimento econômico
esteja diretamente equilibrado com a preservação do meio ambiente, a proteção
dos recursos naturais e às preocupações com a inclusão social.
Nesse sentido, considerando todos
os fundamentos científicos disponíveis a respeito do aquecimento global, que
não só aponta para a elevação da temperatura dos oceanos; mas, para o processo
de degelo das calotas polares, aumentando significativamente o volume de água
nos mesmos, não parece viável investir para operar nas áreas de marinha.
A intensidade de tempestades e
outras consequências climáticas representa um risco real, antes mesmo da
própria exploração do local. Basta ver o que trouxe o relatório produzido
conjuntamente entre World Weather Attribution, Climate Central e o Centro
Climático da Cruz Vermelha.
Dentre as informações têm-se que “o
Brasil teve quase três meses a mais de calor por causa da crise do clima nos
últimos 12 meses” e uma das consequências diretas foi que, “enquanto a
seca castigava o Norte do país com a terra exposta onde antes eram rios, o Sul
foi tomado pela forte chuva que devastou o Rio Grande do Sul” 1.
Diante disso, mudar a legislação
ambiental não muda os fatos e, nem tampouco, exime os interessados na PEC
03/2022 das responsabilidades inerentes ao risco previamente estabelecido. Pensando
na perspectiva de que passadas duas décadas desde o tsunami de 2004, o que se
viu foi um recrudescimento de episódios de emergências climáticas diversas, em
todo o planeta.
Furacão Katrina, em 2005. Tsunami
que provocou o acidente nuclear na usina de Fukushima, a 260 km ao norte de
Tóquio, em 2011. Alemanha, Bélgica e Holanda debaixo d’água, em 2021. “Tsunami”
de lama no centro do Japão, em 2021. Enchentes na Líbia, em 2023. Incêndios e
enchentes na Grécia, em 2023. Tornados e tempestades no sul dos EUA, em 2024.
...
Segundo Debra Roberts, uma das
seis copresidentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), “Juntas, a crescente urbanização e as mudanças climáticas criam
riscos complexos, especialmente para aquelas cidades que já enfrentam
crescimento urbano mal planejado, altos níveis de pobreza e desemprego e falta
de serviços básicos”.
Portanto, uma proposta como a PEC
03/2022 não tem qualquer compromisso, nesse sentido. Ao contrário, nenhum
aspecto socioambiental é, sequer, considerado. O que se tem é a materialização
de um conceito retrógrado de progresso, que visa o acúmulo de capital em
detrimento da sobrevivência e da dignidade do planeta e seus habitantes. Em suma, um progresso desumanizado e radicalmente
exploratório.
Entretanto, apesar dessa
percepção, não creio, considerando pragmaticamente a realidade contemporânea,
que haja unanimidade para que tal proposta seja aprovada ou levada adiante. Jogar ideias fora, é fácil. Quero ver jogar
dinheiro fora! Na balança entre prós e
contras, os últimos estão ganhando de lavada!
Afinal, como escreveu José
Saramago, na epígrafe do seu Ensaio sobre a Cegueira, de 1995, “Se
podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Pois, “A pior cegueira é a
mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente” (José
Saramago - Ensaio sobre a Cegueira).