terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Sob escombros ...


Sob escombros ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É sempre assim, as atenções sempre se voltam para a tragédia da vez! Mas, não deveria ser! O estardalhaço midiático diante das catástrofes tem justificativa e razão. O problema está no fato do cálculo político milimétrico das autoridades, esperando o burburinho se arrefecer e tudo cair no esquecimento, até uma próxima vez.

Ora, os discursos giram, sempre, em torno de licitações que estão em fase final para serem realizadas, de obras que aguardam detalhes para a sua entrega, enfim... Contudo, depois que as notícias seguem o fluxo da substituição por assuntos mais recentes, é só aguardar a próxima calamidade para descobrir que nada, do que foi afirmado ou prometido, saiu do lugar.

Verdade seja dita, a postergação nacional para assuntos de pequena ou máxima complexidade é uma maldita herança colonial. O Brasil aprendeu a não ter pressa, a não cumprir com suas responsabilidades, porque o deixar para amanhã pode significar muito em termos de poder e dinheiro. E assim muitas indústrias da promessa são erguidas no país, desde sua gênese. Quem nunca ouviu falar na indústria da seca, por exemplo?

Se o Brasil teima em arrastar correntes em relação às suas mazelas, é por essas e por outras. Parece não haver palanque melhor do que o oportunismo imediatista dos desastres, no qual se oferece um assistencialismo qualquer, de primeira hora, enquanto tecem uma rede de promessas que jamais deixarão de ser exatamente isso.

Basta observar como o mundo tem reagido aos eventos extremos do clima. Há mais de 50 anos se tem os prognósticos de que o planeta sofreria sérios impactos se não tomasse medidas cabíveis para mitigar ou evitar hecatombes socioambientais de proporções inimagináveis.

Bem, os previdentes parecem ter criado protocolos para gerir os desafios, para realinhar suas diretrizes. Haja vista o Japão, recentemente atormentado por um terremoto de 7.6 de magnitude. Houve destruição, houve mortes; mas, nem de longe, os impactos configuraram o efeito verdadeiramente devastador que acenava no horizonte.

Mas, por aqui, desastres atrás de desastres e nada está sendo feito para minimizar os efeitos. A população mal se reestabelece de um infortúnio e é exposta novamente ao rigor da natureza. Desabamento de encostas. Chuvas torrenciais. Inundações. Tornados. Tempestades de granizo. ... Situações que afrontam a geografia e ultrapassam as fronteiras do urbano e do rural, destruindo o que tem pela frente.

Daí a necessidade de entender que o estabelecimento de protocolos emergenciais não é só por conta da fúria destrutiva que esses eventos impõem. Mais de 50 anos depois dos avisos das autoridades climáticas, dos cientistas, dos pesquisadores, o tempo da destruição chegou, o que significa que a ocorrência desses fenômenos tende a ser cada vez mais frequente e intensa.

Portanto, as populações mais afetadas terão cada vez menos tempo para se recuperarem. As cidades terão menos tempo de promover e consolidar melhorias na infraestrutura e na prevenção de acidentes. As demandas por recursos orçamentários serão cada vez mais expressivas. De modo que não vai mais adiantar jogar a sujeira sob o tapete ou postergar ad aeternum.

Lamento, mas os eventos extremos do clima chegaram para amplificar toda a fragilidade e a vulnerabilidade presentes na gestão pública nacional. Não só porque as ocorrências se somatizam às mazelas cotidianas já conhecidas; mas, porque elas criam novos cenários desafiadores e não considerados a priori.

 A tendência conjuntural que se apresenta diz, claramente, que “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia [...]” 1. As transformações estão sim, sobrepondo o país, e o mundo, em camadas de escombros, sem tempo hábil para planejar, projetar, em longo prazo. A palavra de ordem é pragmatismo. Somente encarando as situações com objetividade e praticidade é que a raça humana terá alguma chance de sobreviver.

Assim, cada gabinete nacional de crise, que é organizado, traz a nítida impressão do improviso, do não saber exatamente o que fazer, da inexistência de protocolos e diretrizes, da ausência de obras e ações que já deveriam estar vigorando, de um amadorismo, bem a cara do Brasil. E de amadorismos em amadorismos sabemos bem onde vamos chegar, não é mesmo? Afinal, não é aqui o país do “jeitinho”? Então..

O pior de tudo é constatar que a ínfima parcela da pirâmide social brasileira, que representa as elites tradicionais do país, não se manifesta porque, em pleno século XXI, ela ainda acredita que seu status social lhe coloca acima, inclusive, das mudanças do clima. Bem, se não forem afetadas aqui poderão ser em qualquer parte do planeta, porque os eventos extremos do clima não analisam nem passaporte e nem extrato bancário antes de agir.

Só posso dizer que, nessa história, ninguém está a salvo! Daí a necessidade de exercitar a cidadania e cobrar das autoridades uma atuação mais ética, mais responsável, mais técnica e mais ágil. Temos que decidir se as vidas humanas são importantes ou não são, porque cidadãos estão à mercê da morte por inação das autoridades governamentais. E uma vida perdida é uma vida perdida. Não tem volta. Não tem ressarcimento. Não tem indenização.

Basta, de trivializar os infortúnios cotidianos! De manter essa subserviência colonial, que se curva para promessas sabidamente vazias. Visite os veículos de comunicação e de informação, veja as imagens, leia as notícias, pare e reflita. Se, mesmo assim, você não se indignar, não se comover, não se consternar, aí será o sinal de que “A tragédia do homem é o que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo” (Albert Schweitzer).



1 Como uma onda (Zen-surfismo), 1983, Lulu Santos / Nelson Motta - https://www.letras.mus.br/lulu-santos/47132/