Sob
escombros ...
Por Alessandra
Leles Rocha
É sempre assim, as atenções
sempre se voltam para a tragédia da vez! Mas, não deveria ser! O estardalhaço
midiático diante das catástrofes tem justificativa e razão. O problema está no
fato do cálculo político milimétrico das autoridades, esperando o burburinho se
arrefecer e tudo cair no esquecimento, até uma próxima vez.
Ora, os discursos giram, sempre,
em torno de licitações que estão em fase final para serem realizadas, de obras que
aguardam detalhes para a sua entrega, enfim... Contudo, depois que as notícias seguem
o fluxo da substituição por assuntos mais recentes, é só aguardar a próxima
calamidade para descobrir que nada, do que foi afirmado ou prometido, saiu do
lugar.
Verdade seja dita, a postergação
nacional para assuntos de pequena ou máxima complexidade é uma maldita herança
colonial. O Brasil aprendeu a não ter pressa, a não cumprir com suas
responsabilidades, porque o deixar para amanhã pode significar muito em termos de
poder e dinheiro. E assim muitas indústrias da promessa são erguidas no país,
desde sua gênese. Quem nunca ouviu falar na indústria da seca, por exemplo?
Se o Brasil teima em arrastar
correntes em relação às suas mazelas, é por essas e por outras. Parece não
haver palanque melhor do que o oportunismo imediatista dos desastres, no qual
se oferece um assistencialismo qualquer, de primeira hora, enquanto tecem uma
rede de promessas que jamais deixarão de ser exatamente isso.
Basta observar como o mundo tem
reagido aos eventos extremos do clima. Há mais de 50 anos se tem os prognósticos
de que o planeta sofreria sérios impactos se não tomasse medidas cabíveis para
mitigar ou evitar hecatombes socioambientais de proporções inimagináveis.
Bem, os previdentes parecem ter
criado protocolos para gerir os desafios, para realinhar suas diretrizes. Haja vista
o Japão, recentemente atormentado por um terremoto de 7.6 de magnitude. Houve destruição,
houve mortes; mas, nem de longe, os impactos configuraram o efeito
verdadeiramente devastador que acenava no horizonte.
Mas, por aqui, desastres atrás de
desastres e nada está sendo feito para minimizar os efeitos. A população mal se
reestabelece de um infortúnio e é exposta novamente ao rigor da natureza. Desabamento
de encostas. Chuvas torrenciais. Inundações. Tornados. Tempestades de granizo.
... Situações que afrontam a geografia e ultrapassam as fronteiras do urbano e
do rural, destruindo o que tem pela frente.
Daí a necessidade de entender que
o estabelecimento de protocolos emergenciais não é só por conta da fúria
destrutiva que esses eventos impõem. Mais de 50 anos depois dos avisos das
autoridades climáticas, dos cientistas, dos pesquisadores, o tempo da
destruição chegou, o que significa que a ocorrência desses fenômenos tende a
ser cada vez mais frequente e intensa.
Portanto, as populações mais
afetadas terão cada vez menos tempo para se recuperarem. As cidades terão menos
tempo de promover e consolidar melhorias na infraestrutura e na prevenção de
acidentes. As demandas por recursos orçamentários serão cada vez mais
expressivas. De modo que não vai mais adiantar jogar a sujeira sob o tapete ou
postergar ad aeternum.
Lamento, mas os eventos extremos
do clima chegaram para amplificar toda a fragilidade e a vulnerabilidade
presentes na gestão pública nacional. Não só porque as ocorrências se somatizam
às mazelas cotidianas já conhecidas; mas, porque elas criam novos cenários
desafiadores e não considerados a priori.
A tendência conjuntural que se apresenta diz, claramente,
que “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia [...]” 1. As transformações estão sim,
sobrepondo o país, e o mundo, em camadas de escombros, sem tempo hábil para
planejar, projetar, em longo prazo. A palavra de ordem é pragmatismo. Somente encarando
as situações com objetividade e praticidade é que a raça humana terá alguma
chance de sobreviver.
Assim, cada gabinete nacional de
crise, que é organizado, traz a nítida impressão do improviso, do não saber
exatamente o que fazer, da inexistência de protocolos e diretrizes, da ausência
de obras e ações que já deveriam estar vigorando, de um amadorismo, bem a cara
do Brasil. E de amadorismos em amadorismos sabemos bem onde vamos chegar, não é
mesmo? Afinal, não é aqui o país do “jeitinho”? Então..
O pior de tudo é constatar que a
ínfima parcela da pirâmide social brasileira, que representa as elites
tradicionais do país, não se manifesta porque, em pleno século XXI, ela ainda acredita
que seu status social lhe coloca acima, inclusive, das mudanças do clima. Bem,
se não forem afetadas aqui poderão ser em qualquer parte do planeta, porque os
eventos extremos do clima não analisam nem passaporte e nem extrato bancário antes
de agir.
Só posso dizer que, nessa
história, ninguém está a salvo! Daí a necessidade de exercitar a cidadania e
cobrar das autoridades uma atuação mais ética, mais responsável, mais técnica e
mais ágil. Temos que decidir se as vidas humanas são importantes ou não são,
porque cidadãos estão à mercê da morte por inação das autoridades
governamentais. E uma vida perdida é uma vida perdida. Não tem volta. Não tem
ressarcimento. Não tem indenização.
Basta, de trivializar os infortúnios
cotidianos! De manter essa subserviência colonial, que se curva para promessas
sabidamente vazias. Visite os veículos de comunicação e de informação, veja as
imagens, leia as notícias, pare e reflita. Se, mesmo assim, você não se
indignar, não se comover, não se consternar, aí será o sinal de que “A
tragédia do homem é o que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo”
(Albert Schweitzer).
1 Como uma onda (Zen-surfismo), 1983, Lulu Santos / Nelson Motta - https://www.letras.mus.br/lulu-santos/47132/