segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Definidos pela (des)igualdade


Definidos pela (des)igualdade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se o mundo está, ou não, de cabeça para baixo, eu não sei. Talvez, sim. Talvez, não. Fato é que as pessoas vêm, cada dia mais, se permitindo criar realidades paralelas e distorcidas, a fim de negar a vida como ela é.

Porém, isso é inócuo. Fingir que não vê, ou negar até a morte, ou passar pano, ou desligar a TV, nada disso muda os fatos. Mas, tome alienação daqui e dali, não é mesmo?

Tratemos, então, da notícia de que os cinco homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas. Por favor, nada de interjeições do tipo uau!, nossa!, caramba! Porque não há o que comemorar.

E esse é o ponto de reflexão! Aliás, não pude deixar de lembrar do clipe da música “Another day in paradise” (1989) 1, do Phil Collins, para tecer minhas considerações nesse texto. (Assista, que você irá entender!)

Tenho cá as minhas dúvidas, se a imprensa divulga esse tipo notícia por obrigação ou por inconsciência. Afinal, ninguém melhor do que a classe jornalística para saber, muito bem, o que se esconde nas entrelinhas de uma informação como essa.   

Mas, me permito dizer que nem todos mergulharam por completo no mar da alienação esfuziante. Houve quem escrevesse em letras garrafais, “Fortunas dos maiores bilionários do mundo cresceram em 114% desde a pandemia, enquanto 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres – Segundo o levantamento da Oxfam, nos próximos 10 anos o mundo poderá ter seu primeiro trilionário, mas, no ritmo atual, levará quase 230 anos para acabar com a pobreza” 2.

Bem, trazer à tona a realidade é fundamental! É só dessa forma que se consegue dar a devida materialidade a certas questões, tais como a precarização do trabalho ou o trabalho análogo à escravidão, a remuneração insuficiente às demandas de sobrevivência humana, a insalubridade e o adoecimento populacional, a insegurança alimentar, a fragilização educacional, que em síntese refletem uma coisa só, ou seja, a desigualdade global.

Vejam que o inconsciente coletivo humano já está tão dominado e manipulado pelas forças e tensões da desigualdade, que não nos constrangemos em enaltecer midiaticamente o enriquecimento de uma ínfima minoria, em detrimento do empobrecimento da grande massa da população. O que significa que nos colocamos cada vez mais desimportantes no cenário da pirâmide social contemporânea.

Para muitos pode parecer bobagem; mas, não é! Quando reafirmamos essa inversão de prioridades, estamos legitimando todo tipo de discriminação, de preconceito, de violência e de precarização social.

Estamos estabelecendo linhas divisórias profundas para dizer quem pode e quem não pode viver. Estamos possibilitando reproduzir padrões históricos nefastos, dentro das relações sociais.

De maneira sutil, estamos sim, verbalizando que algumas vidas importam e outras não, ou seja, que a dignidade humana pode e deve ser relativizada, ao sabor dos interesses de quem detém os poderes, no mundo.

Pois é, caro (a) leitor (a), isso é música para os ouvidos da Direita; sobretudo, seus matizes e simpatizantes mais radicais e extremistas.  

Basta pegar as pautas desse segmento político-partidário e encontrar nas tramas do seu ideário a defesa de tudo aquilo que pode garantir a manutenção e a perpetuação das desigualdades do mundo. Não importa, se aqui, ali ou acolá!

Nesse sentido, essa passividade resignada tende sim, a recrudescer os efeitos devastadores que já se impõem à realidade contemporânea. Afinal, o que possibilita o enriquecimento dessa ínfima minoria da população está centrado nos próprios caminhos da Revolução Industrial.

E ela já se encontra na sua 4ª versão, representada por um amplo sistema de tecnologias avançadas como, por exemplo, a inteligência Artificial (I.A.), a robótica, a internet das coisas e a computação em nuvem.

O que significa que não apenas as formas de produção e negócios estão mudando, no Brasil e no mundo; mas, a própria importância da força humana de trabalho.  

À revelia de suas habilidades, talentos e competências, milhões de seres humanos serão lançados às arenas da desigualdade pela força da ambição e da ganância dos mais ricos do mundo.

Já há estimativas, por exemplo, de que cerca de 300 milhões de pessoas vão perder o emprego para a Inteligência Artificial (I.A.), até 2030, sendo 23% no Brasil.

Isso, sem contar que todo o aparato tecnológico trazido pela revolução 4.0, que fascina e entorpece a sociedade de consumo, no fim das contas, não passa de um conjunto de artifícios para o controle e a manipulação social.

Condicionados a viver na sociedade de consumo, preocupados, muito mais, em Ter do que em SER, a realidade nua e crua das verdadeiras intenções, passa despercebida e ineficaz para promover quaisquer tensionamentos ou rebeliões contra a dinâmica social em curso.  Como escreveu George Orwell, “O Grande Irmão está de olho em você” (1984).

Assim, ao contrário das pessoas se aproximarem da mobilidade social e da ascensão econômica, que é o grande slogan que impulsiona a sociedade de consumo, elas estão caminhando na direção oposta.

Podendo usufruir cada vez menos do seu tempo, da sua família, dos seus interesses particulares, dos seus direitos sociais, ... da sua dignidade humana. Queira você, ou não, o mundo está empobrecendo a olhos vistos!

Se recorda da canção dos anos 90, “[...]quero me livrar dessa situação precária / Onde o rico cada vez fica mais rico / E o pobre cada vez fica mais pobre / E o motivo todo mundo já conhece / É que o de cima sobe e o de baixo desce [...]” 3? Pois é ...

Até quando a raça humana vai resistir, só a dinâmica das conjunturas dirá. Mas, lembre-se de que Bertolt Brecht nos alertou: “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar” 4.