quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Janeiro Branco


Janeiro Branco

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento; mas, não há como dissociar a influência tecnológica do esgotamento e deterioração da saúde física e mental contemporânea. Daí ser tão importante falar sobre esse assunto, ao invés de lançá-lo sob o tapete da negligência, do desrespeito e da desumanização.  Afinal de contas, saúde é coisa seríssima!

Sim, a maioria das doenças manifestas pelo corpo surgem a partir da simbiose mente e alma. Quando em estado de paz, tranquilidade, serenidade, elas têm um papel fundamental na manutenção do equilíbrio orgânico. Haja vista como o estresse, a depressão e/ou os transtornos alimentares, por exemplo, afetam diretamente o corpo humano.  

Mas, por que as mentes e as almas têm andado fora do prumo? Essa pergunta merece uma resposta franca e honesta; pois, ela não é uma pergunta banal. Ao contrário de todas as promessas feitas pela Revolução Industrial, incluindo mais tempo livre, menos sobrecarga laboral, mais equilíbrio financeiro, ... o que se viu na prática foi exatamente o oposto.

De modo que a cada versão desse movimento industrializante, pior ficaram as condições existenciais dos seres humanos. Porque além de serem a força motriz do sistema produtivo, as pessoas também são obrigadas a desempenhar o papel consumidor. E isso exige uma compatibilização entre trabalho e renda que é, naturalmente, obstaculizada pela desigualdade social.

Para a grande massa da população é exigido um malabarismo cotidiano extenuante para conseguir sobreviver. Longas jornadas de trabalho, ainda assim, não garantem a renda necessária para custear o essencial e o supérfluo, conforme estabelecido pela sociedade de consumo. Mas não para por aí, o tempo todo, o ser humano vem tendo sua atenção absorvida pelas tecnologias e o midiatismo.

Com a tecnologia ao acesso das mãos, o ser humano chega ao ponto de sofrer crise de abstinência, quando impedido de interagir com o mundo virtual. Simplesmente, porque essa realidade vem criando um cenário cotidiano em que míseros fiapos de tempo, restantes da cansativa jornada real dos indivíduos, são destinados às mídias tecnológicas.

Isso significa que as pessoas estão comprometendo a qualidade do seu sono, da sua alimentação, do seu consumo de informações, do seu lazer, ... sob diferentes aspectos.

O que, inevitavelmente, vai afetar a sua saúde mental, pela manifestação de doenças. Ansiedade. Síndrome do Pânico. Depressão. Síndrome de Burnout. ... Porque os limites de tolerabilidade fisiológica são corrompidos pelo excesso de atividades mentais simultâneas.  

A máquina humana também tem seus limites. Respeitá-los e aceitá-los é imperioso para garantir qualidade de vida, ou seja, o equilíbrio entre corpo, mente e alma.

Mas, o condicionamento do inconsciente coletivo pelas forças sociais, ao longo do tempo, estabeleceu esse quadro. O ser humano foi automatizado a seguir pelo fluxo das imposições estabelecidas dentro do próprio coletivo social que ele pertence.

Assim, a maioria das pessoas só se dá conta dos prejuízos físicos e emocionais, quando a situação já está fora de controle e as consequências já estão materializadas. É desse contexto que emerge a exacerbação da agressividade, da violência, da intolerância, da indisposição dialógica.

Todos querem ter razão para não ter que despender energia argumentativa, para não se cansarem ainda mais. Por isso elas querem soluções rápidas para tudo, o tempo todo.

Ora, mas sabemos que a vida real não funciona dessa maneira! Daí os embates, as afrontas, as confusões, as quais, no fim das contas, contribuem na proliferação do adoecimento populacional.

Não é à toa, por exemplo, que em 2022, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, soube-se que “mais de 700 mil pessoas morrem por ano devido ao suicídio, o que representa uma a cada 100 mortes registradas” 1. Portanto, mais do que à beira de um ataque de nervos, o ser humano está, cada vez mais, à beira da morte.

Nessa história, não há um individuo sequer que não tenha um bocado de responsabilidade a respeito. Começando pelo fato de que cuidar de si, que é o pontapé inicial para cuidar do mundo. Você só pode fazer algo pelo outro, quando está bem consigo mesmo.

Eu sei que as conjunturas externas, do mundo, estão caminhando para se tornar mais e mais hostis, difíceis, ameaçadoras; mas, se não exercermos alguma pitada de egoísmo e fazermos em prol de nós mesmos, nenhum governo, ou empresa, ou quem quer que seja, vai fazer.

Infelizmente, há uma tendência global de tornar o ser humano desimportante, o que nos obriga a agir em nosso favor. Basta observar como a dinâmica contemporânea está dilapidando, dia a dia, os seus parcos direitos, a sua dignidade.

E, apesar disso, você continua no mesmo ritmo frenético, consumido pelas mesmas aspirações e desejos, como se pudesse suplantar as adversidades e vencer o jogo. Acontece que isso está longe de ser verdade.

Então, pede a prudência, a lógica, o bom senso, que você se realinhe à uma realidade, a qual você possa realmente caber, se sentir confortável e ser feliz.

É hora de começar a questionar o mundo, suas engrenagens, suas ordens, para definir os seus próprios caminhos, em nome do seu bem-estar, da sua saúde física, mental e espiritual. Hora de sair dessa bolha massificante, extenuante, opressora, que não está nos levando a lugar nenhum.

Veja bem, por excelência cada um de nós é único. Somos iguais só até a página dois! Portanto, temos que viver segundo nossos próprios valores, crenças, princípios, e não os dos outros.

Se engana quem pensa que subordinar-se a qualquer violência de natureza psicoemocional vai lhe fazer pertencer ao mundo de maneira plena. Não vai. Haverá sempre uma porta fechada, uma cara amarrada, um senão.

Não se esqueça de que “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” (Jiddu Krishnamurti). Por isso, cuide de você.  Preserve a sua identidade para que seja possível conseguir garantir a sua dignidade. Isso é cuidar da saúde mental, física e espiritual!

Não temos que correr atrás das perspectivas e expectativas de ninguém; mas, das nossas. É com esse olhar que, de repente, vamos nos encontrar pertencentes a uma tribo, cujas ideias coadunam com as nossas.  E assim, nos sentiremos felizes, alegres, renovados, inspirados e motivados, para viver as aventuras e as desventuras de nossa condição humana.