quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O que nos diz o silenciamento contemporâneo?


O que nos diz o silenciamento contemporâneo?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em tempos de silenciamento social, daqui e dali, não pude deixar de tecer reflexões a respeito. Desrespeitando a lógica de usar, e abusar, de uma das maiores dádivas que os seres humanos receberam, ou seja, a capacidade de se comunicar dialogicamente, temos sido cada vez mais induzidos a abdicar desse presente.

Silenciar, no contexto contemporâneo, é algo bem mais profundo do que pensa muita gente, por aí. Não é simplesmente calar a si ou ao outro, no campo das linguagens. Vai além, muito além. Silenciar na contemporaneidade é calar as ideias, os pensamentos, no sentido de esgarçar ou, pelo menos, fragilizar a tecitura argumentativa.

Acontece que esse processo não é fruto somente das polarizações ideológico-sociais. Não é apenas o medo, ou o receio, ou o desconforto diante do contraditório, que silencia as vozes, as letras, a expressão humana. O que me parece pesar, analisando sob a ótica da contemporaneidade, é o papel das diferentes formas e conteúdos em que se apresentam as conjunturas sociais.

Embora, esses sejam tempos de uma profunda mecanização e tecnologização, o ser humano vive em constante atrito com o relógio. Vive-se sob os ditames da pressa, da efervescência, tudo é pra já, nesse momento, porque os seres humanos foram enovelados por uma linha muito tênue, que os separa do mundo real e virtual.

Acontece que sob um volume descomunal de tarefas, de informações, de atividades, o tempo se tornou uma variável cada vez mais rara. E se falta tempo, os reflexos dessa carência vão impactar diretamente nos processos cognitivos e intelectuais dos indivíduos, levando a um movimento de sintetização e superficialização do pensamento, da linguagem, da percepção, da memória e do raciocínio.

Basta observar o mundo em redor para perceber como a dinâmica frenética do cotidiano conduz as pessoas a um grau de impaciência, de angústia, de ansiedade e de desassossego. Longos textos, longos diálogos, longas leituras, estão, neste cenário, totalmente fora de cogitação, porque eles comprometem a eficiência social contemporânea das pessoas.

Lentamente, os hábitos foram sendo substituídos para caber nessa realidade. Uma certa mídia social, por exemplo, só permite 140 caracteres por mensagem. Aplicativos de mensagem tornaram-se a forma de comunicação padrão, tanto na vida pessoal quanto profissional. Sem tempo e disposição para a leitura de um livro ou de um jornal, ninguém mais se preocupa em ler apenas o resumo ou as manchetes.

Porém, nada disso é normal! Desperdiçar a capacidade cerebral, dessa maneira, tem um custo elevadíssimo. Alimentar o cérebro com migalhas de informação, o conduz a uma acomodação e uma limitação de respostas, contribuindo para a inativação das conexões neurais, por pura falta de uso. Sem nos darmos conta, a humanidade está se tornando intelectualmente rasa e desconectada no seu raciocínio lógico, da sua natureza pensante e ativa.

O que explica, por exemplo, porque tantos alunos têm dificuldade em escrever uma redação de 25 linhas. A escrita pode sim, ser um dom, um talento, uma habilidade. Mas, para escrever uma boa redação já existem técnicas consagradas que, se bem aplicadas, garantem o resultado esperado.

Acontece que, mesmo assim, é preciso ter no inconsciente as informações armazenadas, um banco de dados generalista, mas razoável, dos assuntos mais falados, para ter condições de escrever.

E vivendo em um mundo que consagra, cada dia mais, a sintetização e superficialização do pensamento, da linguagem, da percepção, da memória e do raciocínio, torna-se difícil construir uma comunicação. Daí o silenciamento. Ninguém quer despender tempo interagindo comunicativamente. E isso é triste; mas, não é o pior.

Por trás desse cenário, está o controle e a manipulação social. Depois de fragilizada e vulnerabilizada, a capacidade comunicativa passa a não discernir o enviesamento e o condicionamento quanto às migalhas que a alimentam. Toda a análise crítico-reflexiva, que cria os filtros para o processamento intelectual, parece atrofiada e incapaz de realizar seu papel.

Razão pela qual, a contemporaneidade vem sendo liderada com facilidade pela pós-verdade e sua enxurrada de Fake News. Checar em diferentes fontes, observar os argumentos, extrair suas próprias considerações e conclusões, ... tudo parece trabalhoso demais, cansativo demais, diante de um tempo cotidiano já tão escasso. Assim, o cérebro humano vai lentamente sendo induzido à chamada “lei do menor esforço”.

E se nada for feito a esse respeito, a tendência natural, dada a constante atualização dos processos de mecanização e tecnologização, é que haverá um comprometimento ainda mais severo da comunicação entre os seres humanos.

Um silenciamento que depois de calar as vozes, as palavras, as expressões, terá finalmente calado o pensamento humano e nos reduzido a uma condição social autômata. Sim, porque o silenciar, o calar, fala diretamente à construção identitária de cada um de nós.

Não nos esqueçamos de que a comunicação é um viés da identidade humana, pelo qual podemos distinguir um indivíduo do outro, uma civilização de outra, pelas marcas que ela transmite na cultura, na história, no espaço geográfico, no idioma. Portanto, o silenciamento que está em curso pode nos levar a uma massificação sem precedentes.