O que nos
diz o silenciamento contemporâneo?
Por Alessandra
Leles Rocha
Em tempos de silenciamento
social, daqui e dali, não pude deixar de tecer reflexões a respeito. Desrespeitando
a lógica de usar, e abusar, de uma das maiores dádivas que os seres humanos
receberam, ou seja, a capacidade de se comunicar dialogicamente, temos sido
cada vez mais induzidos a abdicar desse presente.
Silenciar, no contexto contemporâneo,
é algo bem mais profundo do que pensa muita gente, por aí. Não é simplesmente
calar a si ou ao outro, no campo das linguagens. Vai além, muito além. Silenciar
na contemporaneidade é calar as ideias, os pensamentos, no sentido de esgarçar
ou, pelo menos, fragilizar a tecitura argumentativa.
Acontece que esse processo não é
fruto somente das polarizações ideológico-sociais. Não é apenas o medo, ou o
receio, ou o desconforto diante do contraditório, que silencia as vozes, as
letras, a expressão humana. O que me parece pesar, analisando sob a ótica da
contemporaneidade, é o papel das diferentes formas e conteúdos em que se
apresentam as conjunturas sociais.
Embora, esses sejam tempos de uma
profunda mecanização e tecnologização, o ser humano vive em constante atrito
com o relógio. Vive-se sob os ditames da pressa, da efervescência, tudo é pra
já, nesse momento, porque os seres humanos foram enovelados por uma linha muito
tênue, que os separa do mundo real e virtual.
Acontece que sob um volume
descomunal de tarefas, de informações, de atividades, o tempo se tornou uma variável
cada vez mais rara. E se falta tempo, os reflexos dessa carência vão impactar
diretamente nos processos cognitivos e intelectuais dos indivíduos, levando a
um movimento de sintetização e superficialização do pensamento, da linguagem,
da percepção, da memória e do raciocínio.
Basta observar o mundo em redor
para perceber como a dinâmica frenética do cotidiano conduz as pessoas a um
grau de impaciência, de angústia, de ansiedade e de desassossego. Longos textos,
longos diálogos, longas leituras, estão, neste cenário, totalmente fora de
cogitação, porque eles comprometem a eficiência social contemporânea das
pessoas.
Lentamente, os hábitos foram
sendo substituídos para caber nessa realidade. Uma certa mídia social, por
exemplo, só permite 140 caracteres por mensagem. Aplicativos de mensagem tornaram-se
a forma de comunicação padrão, tanto na vida pessoal quanto profissional. Sem
tempo e disposição para a leitura de um livro ou de um jornal, ninguém mais se
preocupa em ler apenas o resumo ou as manchetes.
Porém, nada disso é normal!
Desperdiçar a capacidade cerebral, dessa maneira, tem um custo elevadíssimo. Alimentar
o cérebro com migalhas de informação, o conduz a uma acomodação e uma limitação
de respostas, contribuindo para a inativação das conexões neurais, por pura
falta de uso. Sem nos darmos conta, a humanidade está se tornando
intelectualmente rasa e desconectada no seu raciocínio lógico, da sua natureza
pensante e ativa.
O que explica, por exemplo,
porque tantos alunos têm dificuldade em escrever uma redação de 25 linhas. A
escrita pode sim, ser um dom, um talento, uma habilidade. Mas, para escrever
uma boa redação já existem técnicas consagradas que, se bem aplicadas, garantem
o resultado esperado.
Acontece que, mesmo assim, é
preciso ter no inconsciente as informações armazenadas, um banco de dados
generalista, mas razoável, dos assuntos mais falados, para ter condições de
escrever.
E vivendo em um mundo que
consagra, cada dia mais, a sintetização e superficialização do pensamento, da
linguagem, da percepção, da memória e do raciocínio, torna-se difícil construir
uma comunicação. Daí o silenciamento. Ninguém quer despender tempo interagindo comunicativamente.
E isso é triste; mas, não é o pior.
Por trás desse cenário, está o
controle e a manipulação social. Depois de fragilizada e vulnerabilizada, a
capacidade comunicativa passa a não discernir o enviesamento e o condicionamento
quanto às migalhas que a alimentam. Toda a análise crítico-reflexiva, que cria
os filtros para o processamento intelectual, parece atrofiada e incapaz de realizar
seu papel.
Razão pela qual, a contemporaneidade
vem sendo liderada com facilidade pela pós-verdade e sua enxurrada de Fake
News. Checar em diferentes fontes, observar os argumentos, extrair suas próprias
considerações e conclusões, ... tudo parece trabalhoso demais, cansativo
demais, diante de um tempo cotidiano já tão escasso. Assim, o cérebro humano
vai lentamente sendo induzido à chamada “lei do menor esforço”.
E se nada for feito a esse respeito,
a tendência natural, dada a constante atualização dos processos de mecanização
e tecnologização, é que haverá um comprometimento ainda mais severo da
comunicação entre os seres humanos.
Um silenciamento que depois de
calar as vozes, as palavras, as expressões, terá finalmente calado o pensamento
humano e nos reduzido a uma condição social autômata. Sim, porque o silenciar,
o calar, fala diretamente à construção identitária de cada um de nós.
Não nos esqueçamos de que a comunicação é um viés da identidade humana, pelo qual podemos distinguir um indivíduo do outro, uma civilização de outra, pelas marcas que ela transmite na cultura, na história, no espaço geográfico, no idioma. Portanto, o silenciamento que está em curso pode nos levar a uma massificação sem precedentes.