Na
fronteira do extermínio
Por Alessandra
Leles Rocha
Acompanhando o mais recente
episódio da beligerância entre Israel e o Hamas, as camadas de análise vão se
tornando cada vez mais visíveis. De modo que, nos últimos dias, me pareceu
claro como as guerras e os conflitos, no frigir dos ovos, têm em comum a busca
pela limpeza étnica, promovida pelas nações opressoras sobre as nações
oprimidas.
Ora, se não fosse assim, não
seria necessária a barbárie sangrenta e letal que sempre se apresenta. É
visível a desproporcionalidade das perdas humanas em nome de territórios e de
poder. Portanto, a matança diz sim, respeito ao extermínio do outro, para que em
nenhum momento ele possa reivindicar em nome de seu povo, de sua nação.
Não, não é à toa que nas guerras
e conflitos as mulheres e as crianças sejam os alvos preferenciais. Elas
representam a possibilidade de gerações futuras. Matá-las é como “cortar o
mal pela raiz”. De modo que se
possibilite estabelecer uma homogeneização social, com base na identidade do
dominador.
Esse é um traço marcante da
selvageria que habita a essência humana desde sua gênese. Era essa a forma do
homem primitivo estabelecer a sua dominação, o seu poder. E por ser a forma
mais simples, mais rápida, mais decisiva, ele abdica da sua racionalidade e da
sua capacidade dialógica para resolver seus impasses dentro da sociedade. Ele
usa da força, da brutalidade impositiva para conseguir o que quer.
Não sejamos ingênuos, então, para
olhar o mundo pelo fragmento contemporâneo. O ser humano utilizou da limpeza
étnica durante o Colonialismo e o Neocolonialismo (Imperialismo). Povos
originários, em diferentes partes do planeta, foram dizimados sumariamente.
Tribos africanas também. Depois os armênios, pelo governo otomano, e os judeus,
ciganos, homossexuais, pelo regime nazista alemão.
Mas, os exemplos, não param por
aí. A limpeza étnica também ocorreu na Bósnia, na República Centro Africana, em
Mianmar, e agora, mais recentemente, tem-se o risco de ocorrer, novamente, com
os armênios de Nagorno-Karabakh. Em relação aos palestinos, ela vem sendo, de
certo modo, perpetrada ao longo de pouco mais de sete décadas, por meio de
violências sociais diversas cometidas pelo governo de Israel.
Aliás, é muito importante o papel
das estatísticas sobre as violências, porque é através delas que se percebe o
delinear do ideário de limpeza étnica que se espalha ao redor do mundo,
especialmente, aquele fomentado pela ultradireita ou outras linhas
político-partidárias extremistas e radicais. Quando se fala da contínua
exacerbação do racismo, da misoginia, da xenofobia, da aporofobia, da homo e/ou
transfobia, ... não se trata de episódios pontuais isolados ou desconectados,
que acontecem eventualmente por força de contextos específicos.
Infelizmente, o que se explica
pela tipificação de preconceitos, nada mais é do que um sentimento presente no
inconsciente coletivo, o qual ativa o traço selvagem do primitivismo humano de
exterminar o outro. Tudo o que parece uma ameaça à manutenção dos espaços de
poder, por determinados indivíduos, cria uma tensão que culmina pela via do
extermínio ao invés da racionalidade.
E por se tratar de um movimento
cada vez mais frequente, na sociedade contemporânea, é fácil identificar que, muitas
vezes, nem é preciso quaisquer comportamentos beligerantes, por parte das
minorias sociais, para que as manifestações de violência contra elas sejam
perpetradas. Aliás, há registros de grupos e de indivíduos que saem às ruas em
busca de cometer atos de violência contra certas minorias, a fim de promover a
limpeza étnica dentro de determinados espaços geográficos das cidades.
Portanto, falar em preconceito é
contemporizar e trivializar, algo que é muito mais profundo, tanto no indivíduo
quanto na sociedade. Talvez, a imensa dificuldade de nomear corretamente as
coisas é que faz com que os termos sejam atenuados para não chocar, não
impactar, tão severamente as pessoas. Mas, o nome dessa violência que se
alastra pela humanidade é extermínio, é limpeza étnica. Tanto que os anuários sobre
violência conseguem facilmente estabelecer o perfil das vítimas sob diferentes
perspectivas.
A grande questão e que, a imensa
maioria das pessoas não pensa a respeito, é o fato de que no calor da
belicosidade as ações perdem o controle e atingem a todos sem distinção. Porque
a violência homogeneíza a sociedade, fazendo com que as identidades se apaguem.
Ela é impulsiva, imediatista, oportunista, de modo que não há espaços para
saber quem sou eu ou quem é você. Nessa nova ordem social não basta a
consagração do poder pela força, é preciso exterminar o outro.
Usam bombas, mísseis, drones, artilharia pesada; mas, também, a fome, a miséria, o adoecimento, a desigualdade, a inacessibilidade, a negligência, a desumanidade, o deslocamento forçado, enfim... Charles Darwin dizia que “Paramos de procurar monstros debaixo da nossa cama quando percebemos que eles estavam dentro de nós”. Então, talvez, leve tempo para que essa sede de extermínio seja superada!