A energia
vital em seu (des)equilíbrio
Por Alessandra
Leles Rocha
O cenário do mundo contemporâneo me
trouxe uma reflexão importante. Enquanto o instinto de preservação da espécie,
ou seja, o senso de coletividade trabalha em comunhão com o equilíbrio natural
da dinâmica da vida, o individualismo egóico narcisista se nutre do desequilíbrio.
E isso nada tem a ver com disputa,
qual tendência irá prevalecer. Talvez, por uma lógica já consagrada, o equilíbrio
tem uma certa vantagem porque está presente desde a estrutura biológica mais
simples. Mas, não só por isso. O consumo energético vital imposto pelos
sistemas de caos são insustentáveis.
Guerras, conflitos, destruição,
... tudo isso demanda um fluxo de energia incomensurável, o qual inclui,
necessariamente, as energias presentes nos corpos. Já experimentou observar o
quão cansado você fica após uma discussão acalorada? É como se a energia fosse
totalmente exaurida no sopro de uma explosão, deixando o corpo, a mente e o
espírito sob um cansaço indescritível.
De modo que as situações caóticas
vão repercutindo sobre os indivíduos de uma maneira, em tese, imperceptível;
mas, na prática, evidentes. O adoecimento da humanidade é uma realidade factual
e que pode ser observada sob diferentes formas e conteúdos. Lendo a matéria “Travessias
de imigrantes: ‘o delírio é tanto que alguns pulam achando que chegaram à terra
firme e morrem afogados’” 1, não
pude deixar de pensar a respeito.
Não são as situações de escassez,
de inacessibilidade ou de privação da dignidade humana, exclusivamente, as responsáveis
em si pelo adoecimento da humanidade. Elas têm a sua parcela importante e
significativa nesse processo. No entanto, é do caos emergido da luta diária e
intensa pela sobrevivência que milhões de seres humanos têm consumido de
maneira arbitrária e brutal a sua energia. Seja pelos deslocamentos forçados, ou
pela angústia aflitiva por um amanhã, ou pelas rupturas socioafetivas, ou pela
desconstrução identitária, ...
A verdade é que cada indivíduo acabou
se tornando o exército de um homem só, no grande desafio de preservar a si
mesmo. E isso extrapola a capacidade humana natural de ser. Pensar em tudo. Resolver
tudo. Estar sempre de prontidão. É assim
que os corpos se esgotam. Em razão de uma fadiga intensa para qual não foram
preparados.
Na tentativa de se enquadrar às
regras do jogo social contemporâneo, o ser humano foi lançado às arenas, à
revelia da sua própria anuência. Ele está cativo de uma realidade, para a qual
ele não foi preparado; sobretudo, o seu corpo. Com menos horas de sono, de
descanso, de silêncio, de lazer, de higiene mental, ... os indivíduos vão sendo
sugados até a última gota do seu equilíbrio físico, mental e espiritual.
Por favor, não se engane com o
argumento de que a expectativa de vida aumentou! Porque essas questões passam à
margem dos avanços médico-científicos contemporâneos. Remédios, terapias,
tratamentos, são incapazes de atuar no cerne dessa questão. Haja vista como as projeções
estatísticas têm sinalizado um mundo envelhecendo rapidamente, como apontou o
recente Censo Demográfico brasileiro 2.
Não é à toa, por exemplo, que nos
grandes centros urbanos a expectativa de vida decresce, sob o peso dos rigores
das conjunturas socioeconômicas sobre a dignidade humana. O envelhecimento nessas regiões sofre a influência
direta de fatores externos que catalisam a degradação dos corpos. Tanto que a aparência
de muitos indivíduos destoa da própria faixa etária, dada a intensificação do
seu esgotamento.
O desalinhamento em relação ao eixo
de equilíbrio está colocando a raça humana em xeque-mate. As vidas começam a
ser ceifadas antes mesmo que uma bomba, um míssil, um tiro, uma facada, ou
qualquer outra manifestação de beligerância, seja deflagrada. Elas estão se
autoimplodindo, em razão da sua exaustão energética. Os corpos estão se deteriorando
em nome de uma pseudossobrevivência. Como se fosse possível esticar os limites
indefinidamente.
As perguntas em torno dessa
reflexão passam inevitavelmente, pelo porquê. Por que nos rendemos à desumanidade?
Por que somos tão individualistas? Por que estamos tão enfastiados? Por que
queremos sempre uma novidade? Por que ...?
Assim, paremos por um instante e pensemos no que escreveu Lya Luft, “A vida não tece apenas uma ideia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos. O equilíbrio da balança depende muito do que soubermos e quisermos enxergar”. Pelo menos, nessa situação, a escolha ainda pode ser nossa.