Na sutileza
dos detalhes
Por Alessandra
Leles Rocha
Detalhes são importantes, sim! Na
maioria das vezes, está nas suas entrelinhas o que realmente é necessário saber.
A resposta sobre a voracidade do apetite fisiológico, de algumas bancadas
político-partidárias do Congresso Nacional, foi sutilmente respondida essa
manhã, durante o desfile cívico-militar, em Brasília, pela ausência do atual
Presidente da Câmara dos Deputados.
Para o contexto político da República,
essa atitude disse muito. Economizando qualquer gesto de civilidade, o Presidente
da Câmara dos Deputados desconsiderou completamente as ações do governo em promover,
apesar do pouco tempo, uma pequena reforma ministerial a fim de atender à sua solicitação
para alocação de alguns aliados políticos, pertencentes ao bloco que ele
encabeça. Colocando-se em uma posição de quem não sabe agradecer, apenas
exigir.
Sendo assim, a ideia de que tal práxis
fisiológica tende a recrudescer fica evidente, ao mesmo tempo, que indigesta. Aceitar
o fisiologismo como mal necessário para a governabilidade brasileira é
reafirmar a noção conformista e resignada de que não há outros caminhos. É curiosa
a rendição do governo, nesse contexto, na medida em que parece tornar os votos de
algumas bancadas político-partidárias do Congresso Nacional mais importantes do
que os votos dos seus próprios eleitores. Jogo arriscado; pois, brincar à beira
de um poço sem fundo pode ser fatal!
Vamos dar o nome correto para as
coisas. Isso não é diálogo ou negociação política, isso é só barganha, em
estado bruto. E nem se trata de uma mera troca de cargos por votos no plenário
do Legislativo federal, porque dependendo do tema a permuta pode sair ainda
mais cara. O que significa que há uma franca tentativa de corroer as estruturas
governamentais do país.
Alias, começou quando o Congresso
nacional aprovou a medida provisória 1.154/2003, que reestruturou os ministérios,
impondo uma organização contrária ao previsto pelo Executivo, numa clara
exibição de interferência de um Poder em outro. O que gerou profundo desagrado dentro
de certos setores da República; mas, particularmente, em uma parcela
significativa da opinião pública nacional e estrangeira.
Afinal, esse tipo de ingerência respaldada
pela mais absoluta falta de critério técnico e necessidade, se visibiliza no
ato das escolhas. Veja, por exemplo, que até ontem, o ministro que irá assumir
a pasta do Esportes nem sabia exatamente qual seria o seu destino na Esplanada
de Brasília. Poderia ser designado para qualquer lugar.
O que significa que o Ministério
dos Esportes, por exemplo, perdeu uma liderança técnica, respeitada no cenário
desportivo mundial, que poderia contribuir enormemente para o crescimento da
área no país, para uma escolha de caráter estritamente político.
Talvez, quem sabe, ele até consiga
realizar um bom trabalho; mas, longe da abrangência, da profundidade e da excelência
que poderia ser alcançada com alguém da área propriamente dita. E é por essas e
por outras que o Brasil perde. Porque ao transformar sua estrutura
institucional em moeda de troca política fragiliza a consolidação dos seus
potenciais de desenvolvimento e de progresso.
Só para citar um exemplo recente,
o país sabe bem o que foi ter cinco ministros à frente da pasta da Educação, no
último governo. Ou quatro ministros à frente da pasta da Saúde. A gestão
pública é assunto muito sensível e por essa razão exige conhecimento técnico, responsabilidade,
continuidade, para se ver alcançar resultados consistentes e promissores. Não é
espaço para satisfazer o desvario da sanha fisiológica, como pensam uns e
outros por aí.
Também vale ressaltar aqui que,
apesar da atmosfera aparentemente serena sobre as comemorações da Independência
do Brasil, a ausência do atual Presidente da Câmara dos Deputados reafirma,
para que não reste qualquer dúvida, o lado político-partidário que lhe é verdadeiramente
simpático.
Com esse discreto sinal aos
eleitores da direita e de seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, que
permanecem convictos na oposição ao atual governo, ele figura assim, como sendo
um bastião de esperança para essas pessoas.
Sim, porque basta recordar, as
duas comemorações anteriores da data, para constatar como ele estava esbanjando
simpatia e cordialidade no compartilhamento do palanque com o ex-Presidente da
República.
Daí a necessidade de parar,
pensar, refletir e analisar a realidade, que se apresenta a luz de nossos olhos,
quando estão em curso os acontecimentos. Essa é uma obrigação intransferível
para o cidadão. Sem essa de que “justificar tragédias como ‘vontade divina’
tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco).
Afinal de contas, em algum momento
da história, a negligência, o descaso ou a omissão, cobram o seu ônus. E é nesse
instante que se entende como “A justiça atrasada não é justiça, senão
injustiça qualificada e manifesta” (Rui Barbosa).