sexta-feira, 8 de setembro de 2023

A Pangeia Geopolítica


A Pangeia Geopolítica

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada melhor para explicar o mundo do que o próprio mundo. Enquanto o frisson, em torno da reunião do G20, na Índia, toma conta dos veículos de comunicação e de informação, lembrei-me da Pangeia, a grande massa terrestre que figurou como continente único sobre a superfície do planeta, entre os períodos Permiano e Triássico.  

Por que a lembrança? O modo como se deu a sua formação e posterior fragmentação. Tensões decorrentes do movimento das placas tectônicas fizeram com que elas fossem se desagregando e acomodando as relações entres as camadas terrestres e as águas oceânicas. Primeiro, a fragmentação resultou em duas partes, ou seja, Gondwana e Laurásia. Depois, novos fragmentos foram se organizando até constituírem a estrutura continental que conhecemos hoje.

Então, olhando do ponto de vista geopolítico, a organização em blocos vem seguindo a mesma trilha. Quem não se lembra da bipolarização do mundo pela Guerra Fria? Ao longo de toda a história da humanidade, as tensões sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e ambientais têm exercido esse papel de interferência direta na composição dos agregados geopolíticos.

Só para citar alguns, o mundo tem hoje o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a União Europeia, o USMCA (Acordo Estados Unidos, México e Canadá) . APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), a Comunidade Andina de Nações, a ASEAN (Associação de nações do Sudeste Asiático), a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) e os BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), recentemente unidos à Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.

De modo que é fácil perceber como manter agregados os blocos, sob um mesmo guarda-chuva de objetivos e interesses comuns, é extremamente difícil. Não se trata apenas do fato de uma constante iminência de ruptura; mas, da própria dinâmica dos desafios globais. Guerras e conflitos armados. Deslocamentos humanos forçados. Fome. Miséria. Epidemias. Eventos extremos do clima. Crise hídrica. Desertificação. ...

E o que, talvez, não tenha sofrido alterações significativas ao longo do tempo é justamente o status dos países quanto ao desenvolvimento, em desenvolvimento e subdesenvolvimento. De modo que equacionar as marcas profundas impostas pelas desigualdades, para a realidade de cada nação, torna-se uma barreira nas mesas de negociação. Enquanto alguns têm muito a oferecer, outros não têm quase nada e dependem de ajuda, muitas vezes.

Por isso, observando atentamente as estruturas dos blocos geopolíticos é possível perceber como são permeadas de vulnerabilidades e fragilidades as suas negociações. E com o acirramento dos desafios globais, a coesão entre eles parece cada vez mais trabalhosa e inatingível.

Aliás, recentemente, durante a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém (PA), com a presença de oito chefes de estado integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), divergências impediram o consenso esperado para a confecção do documento final.

Outro exemplo que se arrasta há algum tempo é o Mercosul. Ele enfrenta desafios importantes para se manter unido. Países como o Paraguai e o Uruguai já se colocam desconfortáveis diante da existência de uma Tarifa Externa Comum (TEC), a qual dificulta a assinatura de acordos de comércio bilaterais com economias de fora do bloco.

Os indicativos de que a separação da Pangeia geopolítica é cada vez mais uma realidade concreta deveria, então, sinalizar como um alerta importante. A dificuldade em estabelecer consensos se torna uma ameaça real, no mundo contemporâneo, na medida em que há um recrudescimento cada vez maior dos desafios a serem debelados pelos países. Se os vetores teimam em se anular sobre as mesas de negociação, isso significa que os problemas irão, de algum modo, devorar as expectativas de soluções ou de melhorias para populações inteiras.

Ainda que se analise os acontecimentos pela perspectiva de um rearranjo dessa Pangeia geopolítica, as diferenças naturais entre os países componentes apontam para obstáculos bastante resistentes a serem transpostos. Votos vencidos, por exemplo, tendem a ser subjugados, muitas vezes, por circunstâncias que estão acima da sua capacidade de absorção, gerando desdobramentos ainda mais severamente impactantes para sua realidade.

Não é difícil ver que dos tempos da bipolarização do mundo, pela Guerra Fria, a fragmentação dos blocos geopolíticos deu vazão a uma torrente de pequenos agrupamentos em busca de satisfazer, de alguma maneira, o mínimo possível de suas demandas. Entretanto, a pergunta a se fazer é: houve algum sucesso retumbante nessa empreitada? O mundo, do ponto de vista da sua coletividade, ficou efetivamente melhor, menos desigual, menos turbulento?

Até aqui, os blocos geopolíticos vêm tentando construir alternativas e soluções solidarizadas aos problemas comuns; mas, antes de serem um bloco, cada um tem seus próprios desafios a sanar. E nessa espiral de dificuldades, assistimos o mundo ser soterrado por camadas de situações insolúveis. A ânsia de tomar a decisão certa, de colocar um ponto final nas adversidades, desvia as nações da análise, do planejamento, enquanto cria respostas atabalhoadas, inconsistentes, inócuas e que acabam por retroalimentar a irritação, o enfurecimento, a repulsa e o ódio.

Talvez, por isso, encontros diplomáticos, como o G20, representam a máxima reafirmação de que as tensões estão por todos os lados, desestabilizando os países e seus aglomerados geopolíticos.  Portanto, não há paz. Nem equilíbrio. Nem solução para os problemas recentes e, tampouco, para os históricos. No fim das contas, qualquer que seja a Pangeia, ela acaba sendo apenas um ideário.   

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