A Pangeia
Geopolítica
Por Alessandra
Leles Rocha
Nada melhor para explicar o mundo
do que o próprio mundo. Enquanto o frisson, em torno da reunião do G20, na Índia,
toma conta dos veículos de comunicação e de informação, lembrei-me da Pangeia, a
grande massa terrestre que figurou como continente único sobre a superfície do
planeta, entre os períodos Permiano e Triássico.
Por que a lembrança? O modo como
se deu a sua formação e posterior fragmentação. Tensões decorrentes do
movimento das placas tectônicas fizeram com que elas fossem se desagregando e
acomodando as relações entres as camadas terrestres e as águas oceânicas.
Primeiro, a fragmentação resultou em duas partes, ou seja, Gondwana e Laurásia.
Depois, novos fragmentos foram se organizando até constituírem a estrutura
continental que conhecemos hoje.
Então, olhando do ponto de vista
geopolítico, a organização em blocos vem seguindo a mesma trilha. Quem não se
lembra da bipolarização do mundo pela Guerra Fria? Ao longo de toda a história
da humanidade, as tensões sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e
ambientais têm exercido esse papel de interferência direta na composição dos
agregados geopolíticos.
Só para citar alguns, o mundo tem
hoje o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a União Europeia, o USMCA (Acordo
Estados Unidos, México e Canadá) . APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), a
Comunidade Andina de Nações, a ASEAN (Associação de nações do Sudeste Asiático),
a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) e os BRICS (Brasil,
Rússia, Índia e África do Sul), recentemente unidos à Argentina, Arábia Saudita,
Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.
De modo que é fácil perceber como
manter agregados os blocos, sob um mesmo guarda-chuva de objetivos e interesses
comuns, é extremamente difícil. Não se trata apenas do fato de uma constante iminência
de ruptura; mas, da própria dinâmica dos desafios globais. Guerras e conflitos
armados. Deslocamentos humanos forçados. Fome. Miséria. Epidemias. Eventos extremos
do clima. Crise hídrica. Desertificação. ...
E o que, talvez, não tenha
sofrido alterações significativas ao longo do tempo é justamente o status dos
países quanto ao desenvolvimento, em desenvolvimento e subdesenvolvimento. De modo
que equacionar as marcas profundas impostas pelas desigualdades, para a
realidade de cada nação, torna-se uma barreira nas mesas de negociação. Enquanto
alguns têm muito a oferecer, outros não têm quase nada e dependem de ajuda,
muitas vezes.
Por isso, observando atentamente
as estruturas dos blocos geopolíticos é possível perceber como são permeadas de
vulnerabilidades e fragilidades as suas negociações. E com o acirramento dos
desafios globais, a coesão entre eles parece cada vez mais trabalhosa e
inatingível.
Aliás, recentemente, durante a
Cúpula da Amazônia, realizada em Belém (PA), com a presença de oito chefes de
estado integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), divergências
impediram o consenso esperado para a confecção do documento final.
Outro exemplo que se arrasta há
algum tempo é o Mercosul. Ele enfrenta desafios importantes para se manter
unido. Países como o Paraguai e o Uruguai já se colocam desconfortáveis diante da
existência de uma Tarifa Externa Comum (TEC), a qual dificulta a assinatura de
acordos de comércio bilaterais com economias de fora do bloco.
Os indicativos de que a separação
da Pangeia geopolítica é cada vez mais uma realidade concreta deveria, então, sinalizar
como um alerta importante. A dificuldade em estabelecer consensos se torna uma
ameaça real, no mundo contemporâneo, na medida em que há um recrudescimento
cada vez maior dos desafios a serem debelados pelos países. Se os vetores
teimam em se anular sobre as mesas de negociação, isso significa que os
problemas irão, de algum modo, devorar as expectativas de soluções ou de
melhorias para populações inteiras.
Ainda que se analise os acontecimentos
pela perspectiva de um rearranjo dessa Pangeia geopolítica, as diferenças naturais
entre os países componentes apontam para obstáculos bastante resistentes a
serem transpostos. Votos vencidos, por exemplo, tendem a ser subjugados, muitas
vezes, por circunstâncias que estão acima da sua capacidade de absorção,
gerando desdobramentos ainda mais severamente impactantes para sua realidade.
Não é difícil ver que dos tempos
da bipolarização do mundo, pela Guerra Fria, a fragmentação dos blocos
geopolíticos deu vazão a uma torrente de pequenos agrupamentos em busca de satisfazer,
de alguma maneira, o mínimo possível de suas demandas. Entretanto, a pergunta a
se fazer é: houve algum sucesso retumbante nessa empreitada? O mundo, do ponto
de vista da sua coletividade, ficou efetivamente melhor, menos desigual, menos
turbulento?
Até aqui, os blocos geopolíticos
vêm tentando construir alternativas e soluções solidarizadas aos problemas
comuns; mas, antes de serem um bloco, cada um tem seus próprios desafios a
sanar. E nessa espiral de dificuldades, assistimos o mundo ser soterrado por
camadas de situações insolúveis. A ânsia de tomar a decisão certa, de colocar
um ponto final nas adversidades, desvia as nações da análise, do planejamento, enquanto
cria respostas atabalhoadas, inconsistentes, inócuas e que acabam por
retroalimentar a irritação, o enfurecimento, a repulsa e o ódio.
Talvez, por isso, encontros diplomáticos, como o G20, representam a máxima reafirmação de que as tensões estão por todos os lados, desestabilizando os países e seus aglomerados geopolíticos. Portanto, não há paz. Nem equilíbrio. Nem solução para os problemas recentes e, tampouco, para os históricos. No fim das contas, qualquer que seja a Pangeia, ela acaba sendo apenas um ideário.