terça-feira, 15 de agosto de 2023

A era dos descartáveis


A era dos descartáveis

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A monetização humana praticada por alguns esportes, incluindo o futebol, não é assunto recente. Há tempos que os contratos bilionários movimentam o mundo da bola e estimulam a fantasia de milhares de garotos, porque as garotas ainda estão longe desse cenário, quanto a um futuro de luxo, regalias e fortunas incalculáveis.  

E como esse assunto rende debates acalorados a respeito, decidi romper com certa alienação que envolve algumas pessoas e veículos de comunicação, para trazer uma outra perspectiva de análise não menos contemporânea. Pois é, se os caminhos da inovação tecnológica e da Inteligência Artificial (I.A.) continuarem nessa dinâmica vertiginosa que tem se apresentado, os dias de discussão sobre esse viés monetizante estarão contados.

Considerando que boa parte das cifras comercializadas nos esportes de alto rendimento são constituídas por ações de marketing – campanhas publicitárias, ações de responsabilidade social, participações em programas de TV, personificação de marca etc. –, com o recurso da Inteligência Artificial (I.A.) não será necessário um ser humano para satisfazer essas demandas. Num piscar de olhos, a imagem humana monetizada tende a ser substituída por uma digital com elevado requinte de perfeição e a um custo infinitamente inferior.

Portanto, não será preciso pagar, a peso de ouro, um desportista renomado, porque a tecnologia é capaz de criar um influenciador digital humanisticamente realista. E desse movimento, para a sociedade alcançar uma tecnologização plena do esporte, pode ser um pulo! Na verdade, tudo isso representa um impacto devastador sobre o mundo das celebridades desportivas, porque abre-se uma possibilidade real para que elas sejam substituídas por imagens construídas tecnologicamente.

Nada de estrelismos, de arroubos temperamentais, de exigências mil, de contratos absurdamente desalinhados à realidade econômica da grande maioria da população, enfim. A imagem virtual supre as demandas de quaisquer contratantes sem exigir nada. Afinal, ela é uma criação perfeitamente ajustada aos interesses do projeto, de modo que ela não cria sombras de riscos de nenhuma natureza e, além disso, amplia a margem de lucro, ou seja, é perfeita.

Lamento; mas, não se trata de alarmismo e sim, de realismo! A opção por postergar as análises e reflexões a respeito do assunto é uma opção. No entanto, ela não interrompe o fluxo natural dos acontecimentos e expõe a sociedade a iminência de ser surpreendida por situações, talvez, irreversíveis. Não é à toa que Hollywood está às voltas com uma greve de grandes proporções. Começou com os roteiristas e já atinge atores e outros componentes da produção cinematográfica 1.  

Em busca de reduzir os custos ao máximo e ampliar demasiadamente os lucros, todo o contexto social contemporâneo baseado na criatividade, na imagem, no melhor da performance humana, está ameaçado. As ferramentas tecnológicas que vêm sendo apresentadas com todo o frisson e assombro chegam para estreitar a importância e as oportunidades de milhares de pessoas, mundo afora, sem quaisquer chances concretas e palpáveis de estabelecer um equilíbrio de forças entre o real e o virtual.

Caro (a) leitor (a), enquanto uns e outros por aí se limitam a discutir questões éticas na perspectiva do mundo real, a questão ética que se impõe, na verdade, diz respeito a algo muito mais profundo trazido pelo contexto virtual. Não há qualquer controle ou intenção de criar parâmetros éticos sobre o quão longe a Inteligência Artificial (I.A.) e outras ferramentas de inovação tecnológica podem ir, nem haverá. Simplesmente, porque tudo isso materializa uma riqueza absurda para seus idealizadores, investidores e governos.

O que temos bem diante do nariz é, portanto, a possibilidade de um abrupto nivelamento do empobrecimento social global; mas, de uma perspectiva diferente porque, nesse contexto, estaria também atingindo camadas que jamais pensaram estar vulneráveis ou ameaçadas de perder suas regalias, privilégios e posições.

Agora se sabe que o grande inimigo da sociedade não é, e nem nunca foi, a mobilidade social e/ou o combate às desigualdades socioeconômicas. O grande inimigo chega pelas mãos da própria elite intelectualizada através da expressão máxima da inovação tecnológica. Quantas empresas, por aí, já não dispõem de avatares para representá-las no contexto do seu marketing? Sem que a humanidade se desse conta, depois dos vírus biológicos, são as novas tecnologias a grande ameaça ao modelo de sobrevivência que ela tem pela frente.