A era dos
descartáveis
Por Alessandra
Leles Rocha
A monetização humana praticada
por alguns esportes, incluindo o futebol, não é assunto recente. Há tempos que
os contratos bilionários movimentam o mundo da bola e estimulam a fantasia de
milhares de garotos, porque as garotas ainda estão longe desse cenário, quanto
a um futuro de luxo, regalias e fortunas incalculáveis.
E como esse assunto rende debates
acalorados a respeito, decidi romper com certa alienação que envolve algumas
pessoas e veículos de comunicação, para trazer uma outra perspectiva de análise
não menos contemporânea. Pois é, se os caminhos da inovação tecnológica e da Inteligência
Artificial (I.A.) continuarem nessa dinâmica vertiginosa que tem se
apresentado, os dias de discussão sobre esse viés monetizante estarão contados.
Considerando que boa parte das
cifras comercializadas nos esportes de alto rendimento são constituídas por
ações de marketing – campanhas publicitárias, ações de responsabilidade social,
participações em programas de TV, personificação de marca etc. –, com o recurso
da Inteligência Artificial (I.A.) não será necessário um ser humano para
satisfazer essas demandas. Num piscar de olhos, a imagem humana monetizada
tende a ser substituída por uma digital com elevado requinte de perfeição e a
um custo infinitamente inferior.
Portanto, não será preciso pagar,
a peso de ouro, um desportista renomado, porque a tecnologia é capaz de criar um
influenciador digital humanisticamente realista. E desse movimento, para a sociedade
alcançar uma tecnologização plena do esporte, pode ser um pulo! Na verdade, tudo
isso representa um impacto devastador sobre o mundo das celebridades
desportivas, porque abre-se uma possibilidade real para que elas sejam substituídas
por imagens construídas tecnologicamente.
Nada de estrelismos, de arroubos
temperamentais, de exigências mil, de contratos absurdamente desalinhados à
realidade econômica da grande maioria da população, enfim. A imagem virtual supre
as demandas de quaisquer contratantes sem exigir nada. Afinal, ela é uma
criação perfeitamente ajustada aos interesses do projeto, de modo que ela não
cria sombras de riscos de nenhuma natureza e, além disso, amplia a margem de
lucro, ou seja, é perfeita.
Lamento; mas, não se trata de
alarmismo e sim, de realismo! A opção por postergar as análises e reflexões a
respeito do assunto é uma opção. No entanto, ela não interrompe o fluxo natural
dos acontecimentos e expõe a sociedade a iminência de ser surpreendida por
situações, talvez, irreversíveis. Não é à toa que Hollywood está às voltas com
uma greve de grandes proporções. Começou com os roteiristas e já atinge atores
e outros componentes da produção cinematográfica 1.
Em busca de reduzir os custos ao
máximo e ampliar demasiadamente os lucros, todo o contexto social contemporâneo
baseado na criatividade, na imagem, no melhor da performance humana, está
ameaçado. As ferramentas tecnológicas que vêm sendo apresentadas com todo o
frisson e assombro chegam para estreitar a importância e as oportunidades de
milhares de pessoas, mundo afora, sem quaisquer chances concretas e palpáveis
de estabelecer um equilíbrio de forças entre o real e o virtual.
Caro (a) leitor (a), enquanto uns
e outros por aí se limitam a discutir questões éticas na perspectiva do mundo real,
a questão ética que se impõe, na verdade, diz respeito a algo muito mais
profundo trazido pelo contexto virtual. Não há qualquer controle ou intenção de
criar parâmetros éticos sobre o quão longe a Inteligência Artificial (I.A.) e
outras ferramentas de inovação tecnológica podem ir, nem haverá. Simplesmente,
porque tudo isso materializa uma riqueza absurda para seus idealizadores,
investidores e governos.
O que temos bem diante do nariz é,
portanto, a possibilidade de um abrupto nivelamento do empobrecimento social global;
mas, de uma perspectiva diferente porque, nesse contexto, estaria também atingindo
camadas que jamais pensaram estar vulneráveis ou ameaçadas de perder suas
regalias, privilégios e posições.
Agora se sabe que o grande
inimigo da sociedade não é, e nem nunca foi, a mobilidade social e/ou o combate
às desigualdades socioeconômicas. O grande inimigo chega pelas mãos da própria elite
intelectualizada através da expressão máxima da inovação tecnológica. Quantas
empresas, por aí, já não dispõem de avatares para representá-las no contexto do
seu marketing?