sexta-feira, 7 de julho de 2023

Rei morto, Rei posto


Rei morto, Rei posto

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto muita gente, por aí, aponta a aprovação da Reforma Tributária, pela Câmara dos Deputados, como mais uma fragorosa derrota do Ex-Presidente da República, nas últimas semanas, eu não penso que as considerações a respeito recaiam exclusivamente sobre ele.

O que se viu, ontem, foi exatamente a velha máxima do “Rei morto, Rei posto”. Acontece que pela ótica da política partidária nacional, ela é muito mais abrangente do que se pensa, porque é a exibição clara da fragilidade das relações sociais. Isso quer dizer que as certezas, as convicções, estão fincadas em terrenos movediços, extremamente instáveis. Então, uma hora é fulano que se dá mal, outra é beltrano, lá na frente é sicrano, e por aí vai.

Porque a política não estabelece relações sólidas, profundas, inabaláveis. Nela não se fazem amigos, se fazem aliados, segundo os interesses, as circunstâncias, as necessidades. E as perspectivas costumam sempre trazer nuances importantes de diferença entre os envolvidos. As partes nem sempre estão olhando para o mesmo lado, o mesmo viés. Sem contar que, de repente, surge um outro elemento na história para impor uma outra análise, uma outra consideração.

E é esse movimento que cria conjunturas inesperadas no caminho. Diariamente tenho visto os veículos de informação e comunicação, tradicionais e alternativos, conjecturando possibilidades daqui e dali sobre o futuro político do país, e considero isso muito engraçado. Há muita água para rolar por debaixo das pontes até que se cheguem ao tempo dos novos pleitos eleitorais. Há muitas camadas de escombros a serem descobertas nesse ciclo de reconstrução nacional, que podem fazer emergir coisas do arco da velha, que ninguém nem poderia imaginar. Aliás, essa possibilidade não pode nunca ser descartada, no Brasil!

Então, do mesmo modo que puxaram o tapete do Ex-Presidente da República ao não satisfazerem a sua vontade, outros podem provar do mesmo gosto da traição republicana em outras circunstâncias. Muita gente ainda não entendeu que os poderes não são absolutos. Há neles uma dose de relatividade fenomenal. E basta sair da crista da onda, por algum motivo, para ver as certezas esfacelando no chão.

Dizem que o meio político é a seara da esperteza. Ora, mas sempre tem alguém que é mais esperto do que o outro! E é nessas horas que o poder, por si só, se mostra insuficiente para dar conta de segurar o cidadão no seu trono. Não é à toa que eles aprendem, desde cedo, a brilhante arte de pisar em ovos e evitar, ao máximo, criar indisposições e animosidades desnecessárias. Mas, tem sempre alguém que se irrita fácil, que não aceita seguir os protocolos, que só age em nome dos próprios interesses. Aí já viu?

É por essas e por outras que considerei demasiadamente inoportuna a quantidade de comentários ácidos e ferinos, dedicados ao Ex-Presidente da República, quando tem tanta gente na fila, aguardando para ser a bola da vez. Sim, ninguém no espectro político nacional pode se considerar a salvo de constrangimentos, de decepções, de traições, ... Na verdade, o problema de uma imensa maioria deles não se refere necessariamente ao que fizeram nos verões passados; mas, sobre o que pode vir a reverberar a respeito, no presente. Vai que alguém puxa o fio da meada...

Assim, essa reflexão aproveita os recentes acontecimentos para sinalizar a importância de não nos esquecermos de que a Terra gira ininterruptamente e o fluxo da vida não segue estritamente os nossos desejos. Afinal, não somos ilhas! Na maior parte do tempo estamos submetidos ao árduo exercício de alcançar um denominador comum, para as nossas necessidades, ambições, projetos, aspirações, com milhares de pessoas. Assim, os nossos pequenos ou pseudopoderes são totalmente relativizados, por infinitas questões que escapolem ao nosso controle. 

Nosso excesso de individualismo, de narcisismo, de egoísmo contemporâneo, só vale até a página dois! Daí por diante, a vida como ela é segue seu curso. Ora vencedores, ora vencidos. Refletindo as dicotomias da existência que fazem parte do manual de qualquer vivente com os pés fincados no planeta. Não se esqueça, a crista da onda é só o alerta de que, em algum momento, o caldo será inevitável.