Em
busca de um outro olhar para a ciência e a tecnologia
Por
Alessandra Leles Rocha
Todo o avanço científico e tecnológico
desfrutado pela raça humana, ao longo dos séculos, tem permitido comprovar a
dimensão da sua engenhosa e criativa capacidade cognitiva. Entretanto,
considero que por forças da ambição capital tem havido um enviesamento, no
campo dos interesses de pesquisa e inovação, para certos assuntos em detrimento
de outros.
E é exatamente isso o que me
leva, inúmeras vezes, a tecer reflexões bastante contundentes em relação às
Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs), por exemplo. Enquanto elas
causam um imenso frisson na sociedade contemporânea, com reflexos
demasiadamente alienantes, o planeta segue seu curso de desafios e mazelas que
acabam invisibilizados à revelia de sua imensa importância.
Confesso que isso me incomoda
tanto quanto me entristece. Afinal, apesar de toda a tecnologia produzida até
aqui, o planeta permanece no infortúnio de males que se arrastam
historicamente, os quais, em sua imensa maioria, deveriam ser prioridade como
pautas de pesquisa científica e tecnológica, especialmente, com fins socioambientais.
Não me parece justo e sensato o
modo como a sociedade contemporânea analisa a geração de riquezas a partir da ciência
e da tecnologia. No frigir dos ovos, acaba-se caindo na tentação de uma tendência
a limitar tudo à perspectiva do consumismo e dos grandes volumes de capital
gerados.
Acontece que investir em ciência e
tecnologia voltada para pesquisas de interesse socioambiental podem resultar em
um ganho muito mais extraordinário para as políticas públicas no país, do que
se pode pensar. Na medida em que permite que esses investimentos se tornem mecanismos
fomentadores da prevenção e da recuperação, de forma a demandar recursos bem
menores do que os usuais.
Com base nisso, estabeleço a
partir daqui o que me impulsionou a escrever esse texto. Bem, tenho traçado amiúde
uma relação entre os tempos coloniais, no Brasil, e a construção socioeconômica
contemporânea, dada a sua imensa similaridade não somente de práxis, mas de
fundamentação ideológica.
E nesse contexto, recordando a
condição de colônia de exploração, na qual o extrativismo mineral teve importância
significativa, torna-se possível entender o que leva o país a um recente
recrudescimento desse tipo de atividade, inclusive, ocupando áreas de proteção ambiental
e pertencentes a diferentes povos originários e quilombolas.
Sabemos que agora, não é somente pelo
ouro; mas, pela busca dos chamados metais raros, espalhados pelo território
nacional, os quais despertam um interesse gigantesco por parte do setor tecnológico
mundial.
Assim, daqui e dali mineradoras esquadrinham
os espaços geográficos à procura de novas jazidas de nióbio, tântalo, lantânio,
térbio, neodímio e outros, que podem garantir não apenas a hegemonia dos países
mais avançados em tecnologia, como a sobrevivência da própria inovação.
Diante disso nos deparamos com o eterno
dilema de Sofia 1. Considerando que
tenhamos aprendido alguma coisa, ao longo desses pouco mais de 500 anos de
história, sobre os efeitos devastadores da exploração mineral no país, sabemos
que não há degradação desse tipo que não deixe um rastro de destruição
socioambiental irrecuperável.
Tudo isso acrescentando-se o fato
de que o mundo não apenas vive a triste realidade dos eventos extremos do
clima, cuja existência decorre principalmente das consequências e
desdobramentos desse tipo de ação antrópica; mas, que apesar de as pesquisas de
prospecção apontarem para quantidades expressivas desses minerais, eles não têm
uma presença maciça em todo o planeta e nem mesmo dentro de um mesmo país.
Bem, se estamos falando de recursos
não renováveis haverá um momento em que eles não estarão mais disponíveis para
atender a todas as demandas científicas e tecnológicas em curso, inclusive,
dada a própria velocidade de desenvolvimento delas. E aí?
Enquanto isso não acontece, nos países
em que a exploração mineral impera, como é o caso do Brasil, as populações já
convivem com diversos problemas, incluindo, os riscos de rompimento das
barragens de rejeitos, os diferentes tipos de poluição desencadeados pelos
modelos de extração mineral, a escassez e insalubridade hídrica em razão das
demandas industriais para o processo extrativista, a alteração da geografia
local e os impactos sobre os ecossistemas.
Foi pensando sobre tudo isso que
me veio à mente a lembrança dos diamantes. Que olhos não se rendem aos encantos
de um diamante, não é? Mas, não foi pela beleza que pensei. Os diamantes não
estão só nas joias e adornos, “oitenta
por cento dos diamantes são usados na indústria. O diamante é um material
industrial fundamental, pois têm características únicas. É usado para cortar,
moer e lustrar, bem como para lentes, chips de computador, e lâminas, algumas
usadas na cirurgia crítica” 2.
Acontece que há uma pesquisa, fruto
do trabalho da Unicamp, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e
da Universidade São Francisco, que criou um diamante artificial. Ele “é obtido por meio de um processo denominado
Chemical Vapor Deposition (CVD) e consiste na aceleração do processo
considerado natural de crescimento por meio da injeção de gases que contém
carbono e hidrogênio em reator com atmosfera rarefeita”. O grande
diferencial é que “O diamante sintético,
obtido em laboratório através do processo CVD, tem qualidades superiores aos
dos cristais de diamante formados sob a pressão e calor das lavas vulcânicas de
grandes profundidades, comercializadas como joias” 3.
Como se vê, já existe precedente para
que as pautas de pesquisa científica e tecnológica, no campo da mineralogia, possam
ser ampliadas e aprofundadas a fim de contribuir para a efetividade do
desenvolvimento sustentável. O que significa um passo fundamental para a vanguarda
científica e tecnológica que se alia definitivamente à defesa do Meio Ambiente.
Ora, ao decidir investir na
criação de minerais artificiais a fim de contribuir para a descontinuidade dos
processos depredatórios oriundos da extração mineral; bem como, à mitigação de
suas consequências e desdobramentos enquanto impactos socioambientais negativos,
a ciência e a tecnologia ampliam o seu próprio potencial de desenvolvimento.
Quem sabe não é esse o caminho
possível para garantir a jornada científica e tecnológica do planeta Terra sem
fazê-lo sucumbir, sem exaurir suas reservas naturais, sem destruir seu patrimônio
ambiental, sem deslocar e destruir o habitat de comunidades inteiras? É preciso
tornar a ciência e a tecnologia parceiras da preservação socioambiental, ao invés
de permitir que ela siga somente pelo viés de uma ameaça brutal para a
humanidade.
Mais uma
vez sou obrigada a concordar com Albert Einstein. Em sua obra Como
vejo o mundo, de 1934, ele escreveu: “Os ideais que iluminaram meu caminho, e que várias vezes me deram coragem
para enfrentar a vida com alegria, foram bondade, beleza e verdade. Sem o
sentido de bondade, sem preocupação com o mundo objetivo – o eternamente
inalcançável no campo da arte e dos esforços científicos – a vida pareceria
vazia para mim. Os objetivos banais dos esforços humanos – posse, ostentação e
luxo – sempre me pareceram desprezíveis”. Penso que essas palavras
finalizam bem essa breve reflexão.
1 Trata-se de
uma expressão utilizada para demonstrar a imposição de uma decisão difícil sob
pressão e enorme sacrifício pessoal.