sábado, 15 de julho de 2023

Em busca de um outro olhar para a ciência e a tecnologia


Em busca de um outro olhar para a ciência e a tecnologia

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Todo o avanço científico e tecnológico desfrutado pela raça humana, ao longo dos séculos, tem permitido comprovar a dimensão da sua engenhosa e criativa capacidade cognitiva. Entretanto, considero que por forças da ambição capital tem havido um enviesamento, no campo dos interesses de pesquisa e inovação, para certos assuntos em detrimento de outros.

E é exatamente isso o que me leva, inúmeras vezes, a tecer reflexões bastante contundentes em relação às Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs), por exemplo. Enquanto elas causam um imenso frisson na sociedade contemporânea, com reflexos demasiadamente alienantes, o planeta segue seu curso de desafios e mazelas que acabam invisibilizados à revelia de sua imensa importância.

Confesso que isso me incomoda tanto quanto me entristece. Afinal, apesar de toda a tecnologia produzida até aqui, o planeta permanece no infortúnio de males que se arrastam historicamente, os quais, em sua imensa maioria, deveriam ser prioridade como pautas de pesquisa científica e tecnológica, especialmente, com fins socioambientais.

Não me parece justo e sensato o modo como a sociedade contemporânea analisa a geração de riquezas a partir da ciência e da tecnologia. No frigir dos ovos, acaba-se caindo na tentação   de uma tendência a limitar tudo à perspectiva do consumismo e dos grandes volumes de capital gerados.

Acontece que investir em ciência e tecnologia voltada para pesquisas de interesse socioambiental podem resultar em um ganho muito mais extraordinário para as políticas públicas no país, do que se pode pensar. Na medida em que permite que esses investimentos se tornem mecanismos fomentadores da prevenção e da recuperação, de forma a demandar recursos bem menores do que os usuais.

Com base nisso, estabeleço a partir daqui o que me impulsionou a escrever esse texto. Bem, tenho traçado amiúde uma relação entre os tempos coloniais, no Brasil, e a construção socioeconômica contemporânea, dada a sua imensa similaridade não somente de práxis, mas de fundamentação ideológica.

E nesse contexto, recordando a condição de colônia de exploração, na qual o extrativismo mineral teve importância significativa, torna-se possível entender o que leva o país a um recente recrudescimento desse tipo de atividade, inclusive, ocupando áreas de proteção ambiental e pertencentes a diferentes povos originários e quilombolas.

Sabemos que agora, não é somente pelo ouro; mas, pela busca dos chamados metais raros, espalhados pelo território nacional, os quais despertam um interesse gigantesco por parte do setor tecnológico mundial.

Assim, daqui e dali mineradoras esquadrinham os espaços geográficos à procura de novas jazidas de nióbio, tântalo, lantânio, térbio, neodímio e outros, que podem garantir não apenas a hegemonia dos países mais avançados em tecnologia, como a sobrevivência da própria inovação.   

Diante disso nos deparamos com o eterno dilema de Sofia 1. Considerando que tenhamos aprendido alguma coisa, ao longo desses pouco mais de 500 anos de história, sobre os efeitos devastadores da exploração mineral no país, sabemos que não há degradação desse tipo que não deixe um rastro de destruição socioambiental irrecuperável.

Tudo isso acrescentando-se o fato de que o mundo não apenas vive a triste realidade dos eventos extremos do clima, cuja existência decorre principalmente das consequências e desdobramentos desse tipo de ação antrópica; mas, que apesar de as pesquisas de prospecção apontarem para quantidades expressivas desses minerais, eles não têm uma presença maciça em todo o planeta e nem mesmo dentro de um mesmo país.

Bem, se estamos falando de recursos não renováveis haverá um momento em que eles não estarão mais disponíveis para atender a todas as demandas científicas e tecnológicas em curso, inclusive, dada a própria velocidade de desenvolvimento delas.  E aí?

Enquanto isso não acontece, nos países em que a exploração mineral impera, como é o caso do Brasil, as populações já convivem com diversos problemas, incluindo, os riscos de rompimento das barragens de rejeitos, os diferentes tipos de poluição desencadeados pelos modelos de extração mineral, a escassez e insalubridade hídrica em razão das demandas industriais para o processo extrativista, a alteração da geografia local e os impactos sobre os ecossistemas.

Foi pensando sobre tudo isso que me veio à mente a lembrança dos diamantes. Que olhos não se rendem aos encantos de um diamante, não é? Mas, não foi pela beleza que pensei. Os diamantes não estão só nas joias e adornos, “oitenta por cento dos diamantes são usados na indústria. O diamante é um material industrial fundamental, pois têm características únicas. É usado para cortar, moer e lustrar, bem como para lentes, chips de computador, e lâminas, algumas usadas na cirurgia crítica” 2.

Acontece que há uma pesquisa, fruto do trabalho da Unicamp, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da Universidade São Francisco, que criou um diamante artificial. Ele “é obtido por meio de um processo denominado Chemical Vapor Deposition (CVD) e consiste na aceleração do processo considerado natural de crescimento por meio da injeção de gases que contém carbono e hidrogênio em reator com atmosfera rarefeita”. O grande diferencial é que “O diamante sintético, obtido em laboratório através do processo CVD, tem qualidades superiores aos dos cristais de diamante formados sob a pressão e calor das lavas vulcânicas de grandes profundidades, comercializadas como joias”  3.

Como se vê, já existe precedente para que as pautas de pesquisa científica e tecnológica, no campo da mineralogia, possam ser ampliadas e aprofundadas a fim de contribuir para a efetividade do desenvolvimento sustentável. O que significa um passo fundamental para a vanguarda científica e tecnológica que se alia definitivamente à defesa do Meio Ambiente.

Ora, ao decidir investir na criação de minerais artificiais a fim de contribuir para a descontinuidade dos processos depredatórios oriundos da extração mineral; bem como, à mitigação de suas consequências e desdobramentos enquanto impactos socioambientais negativos, a ciência e a tecnologia ampliam o seu próprio potencial de desenvolvimento.

Quem sabe não é esse o caminho possível para garantir a jornada científica e tecnológica do planeta Terra sem fazê-lo sucumbir, sem exaurir suas reservas naturais, sem destruir seu patrimônio ambiental, sem deslocar e destruir o habitat de comunidades inteiras? É preciso tornar a ciência e a tecnologia parceiras da preservação socioambiental, ao invés de permitir que ela siga somente pelo viés de uma ameaça brutal para a humanidade.

Mais uma vez sou obrigada a concordar com Albert Einstein. Em sua obra Como vejo o mundo, de 1934, ele escreveu: “Os ideais que iluminaram meu caminho, e que várias vezes me deram coragem para enfrentar a vida com alegria, foram bondade, beleza e verdade. Sem o sentido de bondade, sem preocupação com o mundo objetivo – o eternamente inalcançável no campo da arte e dos esforços científicos – a vida pareceria vazia para mim. Os objetivos banais dos esforços humanos – posse, ostentação e luxo – sempre me pareceram desprezíveis”. Penso que essas palavras finalizam bem essa breve reflexão.