A
pauta é a escola
Por
Alessandra Leles Rocha
Enquanto diversos veículos de
informação e comunicação tratam a questão das escolas cívico-militares pela
perspectiva de uma discussão ideológica e político-partidária, um gigantesco
espaço de discussão sobre a educação no Brasil se abre de maneira muito
importante.
Não vou me ater recapitulando
sobre todos os desafios e problemas do setor, os quais se arrastam
historicamente. Afinal, são questões de conhecimento público e que, por milhares
de pessoas, vividas e experenciadas diariamente. Portanto, a ideia aqui é
lançar os pensamentos em outras direções tão importantes quanto e propor ao
leitor uma reflexão particular a respeito.
Não sei mensurar o quanto de
intenção, ou não, existe em marcar a educação brasileira pelas desigualdades;
mas, que isso está claro não restam dúvidas. Porém, não é só uma questão de elite
e periferia, zona urbana e zona rural, ensino público e ensino privado, ... é
bem mais profundo e não se dá por traços internos aos muros da escola. São as
desigualdades que nascem na concepção do sistema educacional brasileiro e que,
muitas vezes, passam despercebidas da grande massa da população.
Fala-se muito dos defeitos, dos
desajustes, das concepções, das estruturas, para tentar justificar o atraso
educacional no país e ressaltar o grau de complexidade que reveste esse
entendimento. Acontece que o sistema educacional brasileiro foi totalmente
heterogeneizado ao longo do tempo. Basta olhar a educação e observar a
fragmentação imposta pela existência de escolas privadas, públicas municipais, públicas
estaduais, Colégios de Aplicação ou Unidades Especiais de Ensino vinculadas às
Universidades Federais, escolas de educação profissional e tecnológica, e
escolas cívico-militares.
Cada estrutura dessa trabalha
dentro de um viés repleto de particularidades e de especificidades que acabam
seletivizando seus corpos docentes e discentes em bolhas distintas, porque da
infraestrutura física à didático-pedagógica há uma discrepância abissal entre
elas. Haja vista a disparidade de remuneração e do processo de seleção dos profissionais
de educação em cada tipo de escola no país.
Portanto, não se estabelece uma
esteira educacional que seja capaz de mover qualitativa e quantitativamente os
alunos para um nivelamento satisfatório e producente. Ao contrário de se
definir um padrão educacional comum e que atenda às necessidades fundamentais
contempladas pela educação contemporânea, a vida escolar do aluno se transforma
numa roleta de oportunidades de acesso ou não.
Sem contar que, do ponto de vista
dos profissionais de educação, a desigualdade expressa na valorização ou
desvalorização do seu trabalho repercute diretamente no seu exercício docente. Ora,
se a função é a mesma não deveria existir planos de carreira tão díspares, nem
condições de trabalho tão extremas. Mas, é isso o que acontece e leva a
estabelecer, no inconsciente coletivo, não somente desses profissionais, um sentimento
de preconceito e desqualificação em relação à figura do professor. Algo que
reforça, inclusive, os motivos da evasão docente. Simplesmente, o país permite
estabelecer a existência de professores de primeira e de última classe.
O que não é só produtivo para os
governos, do ponto de vista econômico; mas, também, cria uma certa animosidade
entre os profissionais, por conta dessas diferenças que os enfraquecem quanto ao
sentimento de classe e de coesão reivindicativa pelos direitos trabalhistas do
setor. E por esse modus operandi, as perdas
vão se somando e culminando na visibilização de um sistema de educação frágil,
inconsistente, aquém das expectativas da realidade contemporânea.
Pode-se dizer que o sistema vigente,
portanto, não ensina seus alunos a construir o conhecimento, não desenvolve cidadãos,
não capacita e qualifica a mão de obra do futuro, porque não alcança de maneira
linear, homogênea, a sua população discente em toda a sua expressão de
pluralidade, de diversidade e de regionalidade. Lamentavelmente, a educação brasileira
encontra-se nesse estado de encapsulamento por bolhas criadas pelas próprias políticas
públicas.
E é fácil perceber que minhas
considerações não estão equivocadas, quando se vê os resultados das provas de
avaliação sistemática da educação, aplicadas tanto por entidades nacionais
quanto internacionais. O Brasil quer correr parelha com o mundo, mas se mostra
perdido e dissonante em relação aos países onde a educação já um fato bem
consolidado, porque lhe falta olhar para si mesmo, encontrar o fio da sua meada
e daí sim, planejar estrategicamente o que precisa e deve ser feito.
Bem, já dizia Lewis Carroll,
autor de Alice no País das Maravilhas,
“Para quem não sabe para onde vai,
qualquer caminho serve...”. Por isso, o Brasil é o retrato clássico do
provérbio “passando o carro na frente dos
bois”. Na medida em que ele claramente permite que o desenvolvimento educacional se desalinhe cada vez mais das perspectivas
de desenvolvimento. Isso só acontece porque ele não faz a mínima da ideia de
onde quer e precisa chegar.
Diante disso, as escolas cívico-militares
são apenas um lado desse gigantesco prisma de equívocos, que o país comete em
relação à sua educação. Pois, segundo Michel Foucault, “Todo sistema educacional é uma forma política de manter ou de
modificar a adequação dos discursos com os conhecimentos e os poderes que
acarretam”. O que justifica, pelo menos em parte, essa flagrante permissividade
governamental em relação a toda essa heterogeneização presente no sistema
educacional brasileiro.
Nesse sentido, o ponto crítico mais relevante em relação às escolas cívicos-militares é que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”. Em termos de Brasil, isso significa que elas se tornam, portanto, “incubadoras” de crenças, valores e princípios da Direita, particularmente, da ultradireita em franca expansão. Algo que fica claro na manifestação de resistência de alguns governadores, alinhados a esse perfil ideológico, quanto à decisão tomada pelo governo federal a respeito da não manutenção dessas escolas no país 1.