quinta-feira, 13 de julho de 2023

A pauta é a escola


A pauta é a escola

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto diversos veículos de informação e comunicação tratam a questão das escolas cívico-militares pela perspectiva de uma discussão ideológica e político-partidária, um gigantesco espaço de discussão sobre a educação no Brasil se abre de maneira muito importante.

Não vou me ater recapitulando sobre todos os desafios e problemas do setor, os quais se arrastam historicamente. Afinal, são questões de conhecimento público e que, por milhares de pessoas, vividas e experenciadas diariamente. Portanto, a ideia aqui é lançar os pensamentos em outras direções tão importantes quanto e propor ao leitor uma reflexão particular a respeito.

Não sei mensurar o quanto de intenção, ou não, existe em marcar a educação brasileira pelas desigualdades; mas, que isso está claro não restam dúvidas. Porém, não é só uma questão de elite e periferia, zona urbana e zona rural, ensino público e ensino privado, ... é bem mais profundo e não se dá por traços internos aos muros da escola. São as desigualdades que nascem na concepção do sistema educacional brasileiro e que, muitas vezes, passam despercebidas da grande massa da população.

Fala-se muito dos defeitos, dos desajustes, das concepções, das estruturas, para tentar justificar o atraso educacional no país e ressaltar o grau de complexidade que reveste esse entendimento. Acontece que o sistema educacional brasileiro foi totalmente heterogeneizado ao longo do tempo. Basta olhar a educação e observar a fragmentação imposta pela existência de escolas privadas, públicas municipais, públicas estaduais, Colégios de Aplicação ou Unidades Especiais de Ensino vinculadas às Universidades Federais, escolas de educação profissional e tecnológica, e escolas cívico-militares.

Cada estrutura dessa trabalha dentro de um viés repleto de particularidades e de especificidades que acabam seletivizando seus corpos docentes e discentes em bolhas distintas, porque da infraestrutura física à didático-pedagógica há uma discrepância abissal entre elas. Haja vista a disparidade de remuneração e do processo de seleção dos profissionais de educação em cada tipo de escola no país.

Portanto, não se estabelece uma esteira educacional que seja capaz de mover qualitativa e quantitativamente os alunos para um nivelamento satisfatório e producente. Ao contrário de se definir um padrão educacional comum e que atenda às necessidades fundamentais contempladas pela educação contemporânea, a vida escolar do aluno se transforma numa roleta de oportunidades de acesso ou não.

Sem contar que, do ponto de vista dos profissionais de educação, a desigualdade expressa na valorização ou desvalorização do seu trabalho repercute diretamente no seu exercício docente. Ora, se a função é a mesma não deveria existir planos de carreira tão díspares, nem condições de trabalho tão extremas. Mas, é isso o que acontece e leva a estabelecer, no inconsciente coletivo, não somente desses profissionais, um sentimento de preconceito e desqualificação em relação à figura do professor. Algo que reforça, inclusive, os motivos da evasão docente. Simplesmente, o país permite estabelecer a existência de professores de primeira e de última classe.

O que não é só produtivo para os governos, do ponto de vista econômico; mas, também, cria uma certa animosidade entre os profissionais, por conta dessas diferenças que os enfraquecem quanto ao sentimento de classe e de coesão reivindicativa pelos direitos trabalhistas do setor. E por esse modus operandi, as perdas vão se somando e culminando na visibilização de um sistema de educação frágil, inconsistente, aquém das expectativas da realidade contemporânea.  

Pode-se dizer que o sistema vigente, portanto, não ensina seus alunos a construir o conhecimento, não desenvolve cidadãos, não capacita e qualifica a mão de obra do futuro, porque não alcança de maneira linear, homogênea, a sua população discente em toda a sua expressão de pluralidade, de diversidade e de regionalidade. Lamentavelmente, a educação brasileira encontra-se nesse estado de encapsulamento por bolhas criadas pelas próprias políticas públicas.   

E é fácil perceber que minhas considerações não estão equivocadas, quando se vê os resultados das provas de avaliação sistemática da educação, aplicadas tanto por entidades nacionais quanto internacionais. O Brasil quer correr parelha com o mundo, mas se mostra perdido e dissonante em relação aos países onde a educação já um fato bem consolidado, porque lhe falta olhar para si mesmo, encontrar o fio da sua meada e daí sim, planejar estrategicamente o que precisa e deve ser feito.

Bem, já dizia Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas, “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve...”. Por isso, o Brasil é o retrato clássico do provérbio “passando o carro na frente dos bois”. Na medida em que ele claramente permite que o desenvolvimento educacional se desalinhe cada vez mais das perspectivas de desenvolvimento. Isso só acontece porque ele não faz a mínima da ideia de onde quer e precisa chegar.  

Diante disso, as escolas cívico-militares são apenas um lado desse gigantesco prisma de equívocos, que o país comete em relação à sua educação. Pois, segundo Michel Foucault, “Todo sistema educacional é uma forma política de manter ou de modificar a adequação dos discursos com os conhecimentos e os poderes que acarretam”. O que justifica, pelo menos em parte, essa flagrante permissividade governamental em relação a toda essa heterogeneização presente no sistema educacional brasileiro. 

Nesse sentido, o ponto crítico mais relevante em relação às escolas cívicos-militares é que “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”. Em termos de Brasil, isso significa que elas se tornam, portanto, “incubadoras” de crenças, valores e princípios da Direita, particularmente, da ultradireita em franca expansão. Algo que fica claro na manifestação de resistência de alguns governadores, alinhados a esse perfil ideológico, quanto à decisão tomada pelo governo federal a respeito da não manutenção dessas escolas no país 1