quarta-feira, 10 de maio de 2023

Responsabilidades. Irresponsabilidades. Eis a questão!


Responsabilidades. Irresponsabilidades. Eis a questão!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como o Brasil é cansativo! Nunca sabe se quer ou se não quer. Nunca é claro e objetivo nas suas ações. Está sempre flertando com uma postergação que possa lhe render benefícios, nada ortodoxos, e que não esbarre ou afete a sua pseudoestabilidade histórica. Só para início de conversa, essa é uma boa síntese para o que temos visto acontecer nos últimos tempos por aqui, em termos de universo tecnológico. Ora, tão logo passaram a figurar no cenário cotidiano, anônimos e famosos, incluindo políticos e autoridades, não titubearam em mergulhar nas novidades e assim, modular sua vida pública por esses instrumentos 1.

Foi preciso uma enxurrada de acontecimentos terríveis para que o país se despertasse da sua costumeira letargia oportunista. Tivemos que assistir estarrecidos, por exemplo, à barbárie que assolou a capital federal, em dezembro de 2022 e em janeiro de 2023, na imagem brutal da depredação das sedes dos Poderes da República, para que se entendesse a dimensão dos descaminhos impostos pela ação delituosa arquitetada nos submundos virtuais.

Pois é, displicentes que somos, nós brasileiros, padecemos de uma preguiça monumental que não nos permite sequer ler os sinais que transitam entre nós. Em 2016, quando “’Pós-verdade’ foi eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford”, em razão do seu “destaque dentro do debate político” 2, algo deveria ter nos desconfortado para nos aprofundarmos a respeito.

Afinal de contas, a Pós-verdade só conquistou tamanha visibilidade pela força motriz incansável das Fake News, propagadas aos bilhões pelo impulso das redes sociais do mundo virtual. A imaterialidade da construção e modelação da opinião pública, sobre os mais diferentes assuntos, adquiriu a materialidade necessária através das ferramentas tecnológicas, que estão dissociadas da relação tempo/espaço e podem, portanto, agir sem limites, sem restrições.

E como toda novidade que se preza, encantou e persuadiu sem resistências a humanidade. A sensação de ter o poder social nas mãos foi tão avassaladora que extinguiu o balizamento da vida pelos parâmetros éticos e morais. A Pós-verdade materializou o sentido de ter o poder pleno nas mãos, expressando-se por Fake News, ou seja, informações rasas, distorcidas, não factuais; mas, que poderiam ser absorvidas sem demandar tempo de análise e/ou reflexão.

Desse modo, a Pós-verdade prosperou e consolidou a disseminação global do efeito manada. O que torna importante observar quem mais se beneficiou com esse movimento. Pois é, a Direita e seus matizes, especialmente a ultradireita, passaram a nadar de braçada nesse mar. O surgimento da Pós-verdade deu impulso aos seus sentimentos de revanchismo decorrentes dos resultados da Segunda Guerra Mundial.

Haja vista como beligerância odiosa passou a figurar entre as manchetes contemporâneas, em casos de racismo, xenofobia, misoginia, intolerância religiosa, trabalho análogo à escravidão e diversas outras formas de violência física, emocional e comportamental. Algo que aponta para uma investida pesada em favor do resgate de certos valores, crenças e princípios, os quais já se fizeram presentes na história da humanidade, resultando em episódios abomináveis.

E como seria óbvio de acontecer, as negações começam a mostrar suas garras. Sim, porque não houve negacionismo apenas do ponto de vista ideológico, ou seja, da Pós-verdade em si, como se ela não existisse ou fosse totalmente inócua, desmerecendo quaisquer atenções e cuidados. Aqueles que dela se beneficiaram ou desenvolveram as suas bases, também, negaram suas responsabilidades e obrigações, por meio de uma omissão e abstenção profundamente conscientes.   

Quando se olha, então, para o legislativo federal brasileiro, recém-eleito, e se verifica como sua organização político-partidária está imersa predominantemente na Direita e seus matizes, em especial, na ultradireita, pairam dúvidas importantes em torno da discussão do PL das Fake News. Será que as recentes depreciações ao referido projeto de lei, manifestas pelas Big Techs 3, são mesmo autorais, frutos de suas próprias convicções, ou encontram respaldo velado de certos legisladores que se beneficiaram da Pós-verdade, inclusive, para se (re) elegerem?  

Infelizmente, sabemos que o histórico do legislativo brasileiro é manchado pelas diferentes práxis fisiologistas, as quais nunca se constrangeram em legislar em seu benefício próprio. No entanto, nos últimos anos, algo mudou radicalmente. O toma lá dá cá não é mais o alicerce central do fisiologismo político nacional.

Com o advento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), o emprego da Pós-verdade tornou-se a moeda de aquisição de poder, porque estabelece uma manipulação da opinião pública a partir da força dos apelos emocionais e não, os factuais. As Fake News mostraram todo o seu potencial devastador no campo político, distorcendo a realidade a tal ponto que levou a uma explosão da barbárie no país, especialmente durante e pós o pleito eleitoral de 2022.

E muitos dos eleitos, no campo legislativo federal, são figuras presentes nesse cenário. De modo que as obstaculizações e impedimentos, os quais vêm se articulando nos bastidores do PL das Fake News, representam, em tese, fogo amigo. Descoberto todo o potencial da Pós-verdade no cenário político-partidário, ao ponto de as Fake News continuarem sendo disseminadas a torto e a direito, ninguém quer se opor ou restringir a sua manifestação, ainda que em detrimento da paz, do equilíbrio e do bem-estar nacional. Por outro lado, as Big Techs encontram nessa atitude do legislativo o amparo para lutar pela manutenção dos interesses econômicos que a Pós-verdade lhes permite ampliar.  

Em 2021, eu já escrevia “as Fake News são sim, um tipo de máscara que esconde rostos e intenções humanas. De seu lugar, no enigmático mundo das telas, eles controlam e manipulam a credulidade, a escolha, os caminhos que os outros devem seguir. [...] Não é sem razão, portanto, que ‘as mentiras têm uma grande vantagem sobre os raciocínios: a de serem admitidas sem provas por uma multitude de leitores’ (Alessandro Manzoni – escritor e poeta italiano). De modo que a sociedade se absolve da imprevidência pela dinâmica da vida e só entende o preço pago por isso, quando nem sempre é possível reverter o caos e os prejuízos” 4.

Portanto, se temos, bem diante dos olhos, uma junção robusta de forças e de interesses entre membros da Direita e seus matizes, especialmente a ultradireita, e das Big Techs, é porque a sociedade brasileira se permitiu transitar pela mais absoluta displicência voluntária. Pagou para ver! Brincou com fogo! E aí, como tinha que ser, acabou queimada! Material e imaterialmente falando. E se nada for feito, os danos podem ser ainda maiores.