Responsabilidades.
Irresponsabilidades. Eis a questão!
Por
Alessandra Leles Rocha
Como o Brasil é cansativo! Nunca sabe
se quer ou se não quer. Nunca é claro e objetivo nas suas ações. Está sempre
flertando com uma postergação que possa lhe render benefícios, nada ortodoxos,
e que não esbarre ou afete a sua pseudoestabilidade histórica. Só para início
de conversa, essa é uma boa síntese para o que temos visto acontecer nos
últimos tempos por aqui, em termos de universo tecnológico. Ora, tão logo
passaram a figurar no cenário cotidiano, anônimos e famosos, incluindo políticos
e autoridades, não titubearam em mergulhar nas novidades e assim, modular sua
vida pública por esses instrumentos 1.
Foi preciso uma enxurrada de
acontecimentos terríveis para que o país se despertasse da sua costumeira
letargia oportunista. Tivemos que assistir estarrecidos, por exemplo, à barbárie
que assolou a capital federal, em dezembro de 2022 e em janeiro de 2023, na
imagem brutal da depredação das sedes dos Poderes da República, para que se
entendesse a dimensão dos descaminhos impostos pela ação delituosa arquitetada
nos submundos virtuais.
Pois é, displicentes que somos,
nós brasileiros, padecemos de uma preguiça monumental que não nos permite
sequer ler os sinais que transitam entre nós. Em 2016, quando “’Pós-verdade’ foi eleita a palavra do ano
pelo Dicionário Oxford”, em razão do seu “destaque dentro do debate político” 2,
algo deveria ter nos desconfortado para nos aprofundarmos a respeito.
Afinal de contas, a Pós-verdade
só conquistou tamanha visibilidade pela força motriz incansável das Fake News, propagadas aos bilhões pelo
impulso das redes sociais do mundo virtual. A imaterialidade da construção e
modelação da opinião pública, sobre os mais diferentes assuntos, adquiriu a
materialidade necessária através das ferramentas tecnológicas, que estão dissociadas
da relação tempo/espaço e podem, portanto, agir sem limites, sem restrições.
E como toda novidade que se preza,
encantou e persuadiu sem resistências a humanidade. A sensação de ter o poder
social nas mãos foi tão avassaladora que extinguiu o balizamento da vida pelos parâmetros
éticos e morais. A Pós-verdade materializou o sentido de ter o poder pleno nas
mãos, expressando-se por Fake News, ou seja, informações rasas, distorcidas, não
factuais; mas, que poderiam ser absorvidas sem demandar tempo de análise e/ou
reflexão.
Desse modo, a Pós-verdade prosperou
e consolidou a disseminação global do efeito manada. O que torna importante
observar quem mais se beneficiou com esse movimento. Pois é, a Direita e seus
matizes, especialmente a ultradireita, passaram a nadar de braçada nesse mar. O
surgimento da Pós-verdade deu impulso aos seus sentimentos de revanchismo
decorrentes dos resultados da Segunda Guerra Mundial.
Haja vista como beligerância odiosa
passou a figurar entre as manchetes contemporâneas, em casos de racismo,
xenofobia, misoginia, intolerância religiosa, trabalho análogo à escravidão e
diversas outras formas de violência física, emocional e comportamental. Algo que
aponta para uma investida pesada em favor do resgate de certos valores, crenças
e princípios, os quais já se fizeram presentes na história da humanidade,
resultando em episódios abomináveis.
E como seria óbvio de acontecer,
as negações começam a mostrar suas garras. Sim, porque não houve negacionismo
apenas do ponto de vista ideológico, ou seja, da Pós-verdade em si, como se ela
não existisse ou fosse totalmente inócua, desmerecendo quaisquer atenções e cuidados.
Aqueles que dela se beneficiaram ou desenvolveram as suas bases, também, negaram
suas responsabilidades e obrigações, por meio de uma omissão e abstenção
profundamente conscientes.
Quando se olha, então, para o
legislativo federal brasileiro, recém-eleito, e se verifica como sua
organização político-partidária está imersa predominantemente na Direita e seus
matizes, em especial, na ultradireita, pairam dúvidas importantes em torno da
discussão do PL das Fake News. Será que as recentes depreciações ao referido projeto
de lei, manifestas pelas Big Techs 3, são
mesmo autorais, frutos de suas próprias convicções, ou encontram respaldo
velado de certos legisladores que se beneficiaram da Pós-verdade, inclusive,
para se (re) elegerem?
Infelizmente, sabemos que o
histórico do legislativo brasileiro é manchado pelas diferentes práxis fisiologistas,
as quais nunca se constrangeram em legislar em seu benefício próprio. No entanto,
nos últimos anos, algo mudou radicalmente. O toma lá dá cá não é mais o
alicerce central do fisiologismo político nacional.
Com o advento das Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TICs), o emprego da Pós-verdade tornou-se a moeda
de aquisição de poder, porque estabelece uma manipulação da opinião pública a
partir da força dos apelos emocionais e não, os factuais. As Fake News
mostraram todo o seu potencial devastador no campo político, distorcendo a
realidade a tal ponto que levou a uma explosão da barbárie no país, especialmente
durante e pós o pleito eleitoral de 2022.
E muitos dos eleitos, no campo
legislativo federal, são figuras presentes nesse cenário. De modo que as
obstaculizações e impedimentos, os quais vêm se articulando nos bastidores do
PL das Fake News, representam, em tese, fogo amigo. Descoberto todo o potencial
da Pós-verdade no cenário político-partidário, ao ponto de as Fake News
continuarem sendo disseminadas a torto e a direito, ninguém quer se opor ou
restringir a sua manifestação, ainda que em detrimento da paz, do equilíbrio e
do bem-estar nacional. Por outro lado, as Big Techs encontram nessa atitude do legislativo
o amparo para lutar pela manutenção dos interesses econômicos que a Pós-verdade
lhes permite ampliar.
Em 2021, eu já escrevia “as Fake News são sim, um tipo de máscara
que esconde rostos e intenções humanas. De seu lugar, no enigmático mundo das
telas, eles controlam e manipulam a credulidade, a escolha, os caminhos que os
outros devem seguir. [...] Não é sem razão, portanto, que ‘as mentiras têm uma
grande vantagem sobre os raciocínios: a de serem admitidas sem provas por uma
multitude de leitores’ (Alessandro Manzoni – escritor e poeta italiano). De
modo que a sociedade se absolve da imprevidência pela dinâmica da vida e só
entende o preço pago por isso, quando nem sempre é possível reverter o caos e
os prejuízos” 4.
Portanto, se temos, bem diante
dos olhos, uma junção robusta de forças e de interesses entre membros da Direita
e seus matizes, especialmente a ultradireita, e das Big Techs, é porque a
sociedade brasileira se permitiu transitar pela mais absoluta displicência
voluntária. Pagou para ver! Brincou com fogo! E aí, como tinha que ser, acabou
queimada! Material e imaterialmente falando. E se nada for feito, os danos
podem ser ainda maiores.
1 https://tecnoblog.net/especiais/vazamento-mensagens-telegram-sergio-moro-deltan-dallagnol/
https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/o-tamanho-do-poder-da-familia-bolsonaro-no-telegram
2 https://g1.globo.com/educacao/noticia/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano-pelo-dicionario-oxford.ghtml
3 https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/05/09/telegram-ataca-pl-das-fake-news-e-autoridades-brasileiras-reagem.ghtml
4 E não é que as mentiras cresceram! - https://emprosaeverso-alr.blogspot.com/2021/04/e-nao-e-que-as-mentiras-cresceram.html