Ah,
aqueles cabelos vermelhos...
Por
Alessandra Leles Rocha
Ah, aqueles cabelos vermelhos
emblemáticos que falavam por si só! Nos farão sentir saudades, não por um saudosismo
qualquer de época; mas, porque deixaram um rastro de memórias transformadoras e
educativas para uma sociedade inteira. Rita é um ícone atemporal, não chegou a
esse mundo para se ajustar aos padrões, aos protocolos. Apenas chegou. Com a
sua doçura ácida e vibrante ... impetuosamente cativante.
Por linhas e entrelinhas de
canções geniais ela se faz presente, sempre. Suas palavras tinham a sabedoria
de se juntar corretamente para elucidar as incompreensões sobre esse mundo
insistentemente equivocado e estranho. Pois é, quem disse que o rock’n’roll não acalma? Rita pacificava
ideias como quem traz aconchego em abraços. No fundo, a Rita era bem mais comum
do que diferente, pelo simples fato da lucidez que ela se permitia empregar aos
olhos para ver o mundo e suas verdades. Coisa que a grande maioria, por aí, tem
tanto medo de fazer!
Rita não fazia gênero. Rita era
Rita, e ponto final. Esbanjando consciência sobre si mesma, seus valores, suas
convicções e seus princípios, sua trajetória não se deixou marcar pelo disse me
disse alheio. Mesmo em tempos difíceis, conturbados, Rita sempre se permitiu
ser sem pedir licença para ninguém. Ela sabia que não estava na subserviência, ou
no silêncio, quaisquer garantias para sua existência ou de quem quer que seja. Por
isso, ela preservava com tanto afinco a sua liberdade existencial.
Aliás, suas lentes coloridas eram
só charme, estilo! Nunca tiveram a pretensão de ressignificar o mundo por novas
cores. Rita, por mais que não gostasse das apresentações que a vida lhe fazia, sabia,
como ninguém, lidar com as realidades nuas e cruas. Extrair delas lições e
presságios, sem se deixar contaminar pela tendência humana de se refugiar na
alienação que bloqueia qualquer fluxo de dor ou sofrimento. Rita se permitia
viver a vida do direito e do avesso, porque entendia que isso é viver.
Mesmo quando não tinha explicação
para tudo, a Rita era um esteio para nos sustentar nas nossas crises mais
triviais. Imaginar como ela se posicionaria, dessa ou daquela forma, naquela
dada situação, já acalentava a alma. Colocar-se no lugar de Rita, ainda que por
um segundo, era sim, entretenimento garantido. Alegria. Leveza. Altíssimo astral.
Afinal, Rita não era uma maluquinha sem noção. Rita era um potinho cheio de
coisas incríveis para se revelar e compartilhar com o mundo. Rita era os dois
lados de uma moeda de equivalências extraordinárias.
Penso que ninguém duvida de que aqueles
cabelos cor de fogo eram pura combustão! A alquimia perfeita da razão com a
sensibilidade que só poderia traduzir as melhores energias. Algo que,
certamente, fez com que Rita estivesse sempre à frente do seu tempo, das suas
pouco mais de sete décadas de vida. Ora, Rita ardia em uma inquietude que não
era passível de ser contida, de ser freada, e que, talvez, nem ela tivesse a
devida dimensão a respeito.
Como era de se esperar, um dia a chama apaga. A partida é dolorida porque sempre queremos mais; sobretudo, da Rita. Entretanto, o que era para ser foi. Rita se despede sem deixar vazios ou lacunas. Ciente de que o universo é pura energia, Rita está entre nós, em cada movimento de átomos e moléculas que circundam o seu legado. Aí está a sua presença comburente, metamórfica, única, reverberando a sua existência em nós e por nós. Assim, mesmo que os astrônomos não anunciem que a imensidão azul acaba de ganhar uma nova constelação, penso que Rita já tomou posse da sua carinhosamente denominada Ovelha Negra. Afinal de contas, nada mais Rita Lee do que o céu!