Nem
tudo são flores
Por
Alessandra Leles Rocha
Peço desculpas aos que me leem,
se pareço insistente nas reflexões em torno das Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TICs); mas, o espantoso fascínio que elas têm imposto à sociedade contemporânea
merece sim, muita atenção. Basta ver como as pessoas têm sido despidas da sua
capacidade cognitiva, do seu senso crítico, e lançadas a uma subserviência
incondicional, que rompe, sem quaisquer cerimônias, com o equilíbrio entre prós
e contras sobre esse assunto.
Entendo que as novidades são
reflexo da evolução, do desenvolvimento, do progresso. No entanto, como tudo na
vida, a dicotomia bem e mal está presente nas TICs, provando que nem tudo nesse
campo são flores. Não dá para se estabelecer uma naturalização plena do que ela
possibilita, tendo em vista de que nem tudo pode ser naturalizado ou
trivializado. Limites, filtros, barreiras, são necessários em nome da
segurança, da privacidade, da saúde física e mental, enfim.
E diante de recorrentes notícias,
que povoam os veículos de comunicação e de informação, a respeito de vazamentos
de dados cibernéticos e de golpes variados, a prudência e o cuidado deveriam
estar à flor da pele da sociedade contemporânea. Ao que tudo indica, a corrida tecnológica
deixou para trás os instrumentos de proteção, como se eles estivessem sempre a vários
passos atrás das últimas novidades. De modo que essas falhas abrem precedentes para
a ação delituosa, afetando diretamente a paz e a tranquilidade do mundo
virtual.
Ao contrário do que a imensa
maioria das pessoas acreditam, a exposição na era tecnológica e digital não é
uma escolha, uma decisão. À revelia do seu controle, você não é um ilustre
desconhecido e seus dados estão rolando por aí, apesar da Lei de Acesso à
Informação (lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011).
Não faz muito tempo, por exemplo,
que um desconhecido ligou no meu celular, se apresentou como corretor de
imóveis, e disse que através de dados de um sistema privado, ele soube que eu
estava vendendo um imóvel. Embora, a informação não fosse verídica, eu não
estava vendendo absolutamente nada, um desconhecido teve acesso ao meu nome e
meu número de celular através de um banco de dados qualquer. Por sorte, eu não
prossegui com a conversa. Mas, seja como for, esse foi um sinal claro de como a
nossa segurança, privacidade, individualidade, autonomia, estão explicitamente vulnerabilizadas.
Brechas, lacunas, fragilidades,
no sistema tecnológico estão permitindo que esse tipo de situação ocorra amiúde,
fugindo a eventuais controles e fiscalizações. A facilidade com a qual hackers
e pessoas comuns conseguem acessar informações, copiá-las e vendê-las, por aí,
é inexplicavelmente gigantesca.
Portanto, isso não significa
apenas a possibilidade de um desconforto momentâneo ou de um constrangimento
desnecessário; vai muito além. Configura um delito, uma violência, que pode
sim, vir a desencadear uma série de transtornos, materiais e imateriais, para o
cidadão. Aliás, não podemos esquecer que, no Brasil, o crime é sempre muito bem
organizado! Incluindo o cibernético.
Daí o que irá se consumir em
tempo, em energia, em recursos, para desatar esses nós é algo dificilmente
ressarcível. É bom lembrar que se esses episódios afetam governos ou grandes corporações
comerciais e industriais, eles também afetam o cidadão comum. Especialmente, pessoas
idosas ou socialmente vulneráveis, que não dispõem do amparo necessário para
rechaçar quaisquer investidas assim ou para lutar por seus direitos e fazer
cumprir a justiça. Não é à toa que o Judiciário brasileiro esteja abarrotado de
processos a esse respeito!
Esse flagrante desequilíbrio de
forças entre a frenética inovação tecnológica e os sistemas de segurança,
portanto, aponta para uma necessidade urgente de ser repensado e submetido à
uma fiscalização e monitoramento mais intensos e profundos. Como esse tipo de vulnerabilidade
pode ser tratado de maneira tão simplista, ao ponto de permitir uma
cronificação dos episódios?
Não, não é possível aceitar uma
imposição conjuntural dessa envergadura, sem tomar quaisquer providências! Não,
não é normal permitir e aceitar que a privacidade e a individualidade de
qualquer cidadão sejam expostas, por aí, seja de que maneira for! Sem contar
que desse tipo de vazamento à uma eventual violação de dados, acaba sendo um
pulo! Basta ter as ferramentas tecnológicas ajustadas para um determinado fim,
e o estrago está feito!
Ainda que os rastros sejam detectáveis,
os caminhos demandam sempre muito tempo, investigação, recursos técnicos e financeiros.
Portanto, o que está posto em xeque é a segurança no campo das relações humanas
no universo cibernético. É o lado negativo das TICs, quase que um submundo, o
qual a maioria das pessoas se abstêm de enxergar, de admitir, de falar a
respeito; mas, que acarreta uma série de problemas e preocupações para quem é
afetado.
Sendo assim, não se esqueça, que a divulgação e utilização de dados, sem a devida autorização, é crime! Infringir essa regra seria, então, o mesmo que desconsiderar voluntariamente que “O primeiro passo para o bem é não fazer o mal” (Jean-Jacques Rousseau).