terça-feira, 25 de abril de 2023

Nas voltas que o Pós-Colonialismo dá...


Nas voltas que o Pós-Colonialismo dá...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É claro que o avanço da ultradireita, no mundo, não acontece aos moldes do que se viu durante a Segunda Guerra. Primeiro, porque a população do planeta está muito maior, o que possibilita uma fragmentação político-partidária bem ampla e diferente. Segundo, porque a realidade das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs) estabeleceu uma nova ordem para a relação tempo/espaço, que favorece a aglutinação ideológica de maneira quase que imediata e ininterrupta. E por fim, a própria dinâmica geopolítica contemporânea, depois de muita água ter passado por baixo da ponte histórica, fazendo se estabelecer um universo de novos interesses e demandas, os quais obrigam a uma outra perspectiva de arranjos diplomáticos entre os países.

Partindo dessas considerações, então, é possível entender as razões que levam a uma preocupação em torno dos riscos e ameaças à democracia global. Pois as investidas para fragilizar e vulnerabilizar os alicerces democráticos pelo mundo, desde o fim da Segunda Guerra, têm sido cada vez mais intensas e impetuosas a despeito de quaisquer prejuízos ao desenvolvimento e ao progresso que possam emergir dessas ações. De modo que tem havido sim, uma compreensão de que, mesmo diante de profundas diferenças, é fundamental haver uma disposição coletiva para agregar esforços pela defesa democrática.

Daí termos visto tanto empenho internacional em celebrar a vitória do atual governo brasileiro, na última eleição presidencial. Afinal, o Brasil sempre foi um player estratégico importantíssimo na geopolítica, principalmente, graças a sua capacidade diplomática contrária ao isolacionismo sob diferentes aspectos. No entanto, o tempo passa, as pessoas mudam, os cenários se descontroem e reconstroem sob novas perspectivas, o que leva a uma construção de pensamentos e ideias alinhadas a imposição de novas conjunturas demandadas pelo mundo.

Por isso, ao me deparar com a notícia de que “Documento secreto indica preocupação da UE com o governo” 1 não pude deixar de trazer à tona as minhas reflexões. Eu começo pela estranheza quanto ao generalismo trazido pela referência à União Europeia (UE). Sim, porque isso parece homogeneizante demais, em se tratando de política partidária. O que levanta suspeita de que um eventual desconforto tende a ser manifesto, particularmente, por elementos da direita e seus matizes; sobretudo, os da própria ultradireita.

Ora, eles sim, têm milhares de razões para se incomodar com a postura e as recentes falas do Presidente da República brasileiro, quando o mesmo coloca o país em uma posição pós-colonial.  Isso significa trazer o Brasil para o campo diplomático sob uma posição de protagonista, bem diferente de um tempo em que lhe bastava participar como ouvinte, subserviente às decisões definidas pelas grandes potências mundiais. E isso gera tensão, porque pode vir a estimular outros países, com o mesmo histórico colonial que o Brasil, a repensar o seu papel dentro e fora de suas fronteiras. O que esbarra nos interesses já consagrados e consolidados das grandes economias globais, que têm no rol dos seus maiores investidores, gente ideologicamente simpatizante à Direita.  

Infelizmente, o poder aprisiona certos indivíduos a uma incapacidade de perceber e aceitar as transformações correntes do mundo. A expressão do protagonismo de países em desenvolvimento, ou emergentes, costuma desencadear o medo de eventuais abalos na dinâmica do equilíbrio econômico e da influência geopolítica pelos países desenvolvidos. O surgimento de zonas de acirramento competitivo comercial pode afetar o padrão de enriquecimento vigente no planeta e favorecer a consolidação de uma nova ordem decisória, para assuntos de suma importância na contemporaneidade. Aliás, isso de certa forma ajuda a explicar o saudosismo que invadiu o cenário político atual, especialmente, pelas mãos da ultradireita, que tenta desesperadamente resgatar velhas crenças, valores e convicções que transitam na mais completa contramão do mundo contemporâneo.

A grande verdade é que não há nada de errado com a postura brasileira, nesse momento. A reação, de uns e outros por aí, decorre justamente do fato de estarem tão acostumados a um padrão histórico de mundo, que não esperavam que a defesa da democracia brasileira pudesse vir acompanhada de um conjunto de posicionamentos impulsionados por uma afirmação pós-colonial. Por uma capacidade de leitura da realidade contemporânea que não aceitasse, simplesmente, a satisfação dos interesses e demandas das grandes economias; mas, que buscasse compatibilizá-las aos interesses e demandas dos países em desenvolvimento.

Aos que estão torcendo o nariz e ostentando a sua forma limitada de enxergar os acontecimentos, penso que deveriam sentir alegria por ver a poeira da história sendo sacudida, em momento tão oportuno. Como na velha fábula de Esopo 2, “O problema de um é problema de todos”. Portanto, o movimento em busca de mobilidade diplomática que o Brasil está realizando, apesar de ousado, é importantíssimo não só para fortalecer a democracia; mas, para alavancar novos caminhos para o desenvolvimento e o progresso global.

Assim, quando o Brasil se permite ter vez e voz nas tribunas do mundo, mostra que tem opinião, que sabe defender seus pontos de vista sem se deixar enredar pelas perspectivas alheias. É, ele faz um caminho sem volta para resgatar a sua dignidade e a sua importância no cenário internacional. Relembrando o que escreveu René Descartes, “Pessoas que hesitam constantemente não chegam a lugar nenhum, como se andassem em círculos. Uma decisão uma vez tomada deve ser assumida com firmeza tal como uma hipótese científica que deve ser verificada. Se ela for demonstrada falsa, pelo menos saberemos com certeza que esse caminho não deverá ser novamente trilhado. Ganho sempre haverá, no caso, o reconhecimento do erro”. Se nessa empreitada, então, o Brasil vai acertar mais do que errar, só o tempo dirá; mas, pelo menos, ele não se permitiu acomodar em uma zona de pseudoconforto alienante e constrangedora.