Nas
voltas que o Pós-Colonialismo dá...
Por
Alessandra Leles Rocha
É claro que o avanço da
ultradireita, no mundo, não acontece aos moldes do que se viu durante a Segunda
Guerra. Primeiro, porque a população do planeta está muito maior, o que
possibilita uma fragmentação político-partidária bem ampla e diferente.
Segundo, porque a realidade das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs)
estabeleceu uma nova ordem para a relação tempo/espaço, que favorece a aglutinação
ideológica de maneira quase que imediata e ininterrupta. E por fim, a própria dinâmica
geopolítica contemporânea, depois de muita água ter passado por baixo da ponte
histórica, fazendo se estabelecer um universo de novos interesses e demandas,
os quais obrigam a uma outra perspectiva de arranjos diplomáticos entre os países.
Partindo dessas considerações,
então, é possível entender as razões que levam a uma preocupação em torno dos
riscos e ameaças à democracia global. Pois as investidas para fragilizar e
vulnerabilizar os alicerces democráticos pelo mundo, desde o fim da Segunda
Guerra, têm sido cada vez mais intensas e impetuosas a despeito de quaisquer prejuízos
ao desenvolvimento e ao progresso que possam emergir dessas ações. De modo que
tem havido sim, uma compreensão de que, mesmo diante de profundas diferenças, é
fundamental haver uma disposição coletiva para agregar esforços pela defesa democrática.
Daí termos visto tanto empenho
internacional em celebrar a vitória do atual governo brasileiro, na última
eleição presidencial. Afinal, o Brasil sempre foi um player estratégico importantíssimo
na geopolítica, principalmente, graças a sua capacidade diplomática contrária
ao isolacionismo sob diferentes aspectos. No entanto, o tempo passa, as pessoas
mudam, os cenários se descontroem e reconstroem sob novas perspectivas, o que
leva a uma construção de pensamentos e ideias alinhadas a imposição de novas
conjunturas demandadas pelo mundo.
Por isso, ao me deparar com a
notícia de que “Documento secreto indica
preocupação da UE com o governo” 1
não pude deixar de trazer à tona as minhas reflexões. Eu começo pela estranheza
quanto ao generalismo trazido pela referência à União Europeia (UE). Sim,
porque isso parece homogeneizante demais, em se tratando de política partidária.
O que levanta suspeita de que um eventual desconforto tende a ser manifesto,
particularmente, por elementos da direita e seus matizes; sobretudo, os da própria
ultradireita.
Ora, eles sim, têm milhares de
razões para se incomodar com a postura e as recentes falas do Presidente da
República brasileiro, quando o mesmo coloca o país em uma posição pós-colonial.
Isso significa trazer o Brasil para o
campo diplomático sob uma posição de protagonista, bem diferente de um tempo em
que lhe bastava participar como ouvinte, subserviente às decisões definidas
pelas grandes potências mundiais. E isso gera tensão, porque pode vir a
estimular outros países, com o mesmo histórico colonial que o Brasil, a
repensar o seu papel dentro e fora de suas fronteiras. O que esbarra nos
interesses já consagrados e consolidados das grandes economias globais, que têm
no rol dos seus maiores investidores, gente ideologicamente simpatizante à Direita.
Infelizmente, o poder aprisiona
certos indivíduos a uma incapacidade de perceber e aceitar as transformações
correntes do mundo. A expressão do protagonismo de países em desenvolvimento,
ou emergentes, costuma desencadear o medo de eventuais abalos na dinâmica do equilíbrio
econômico e da influência geopolítica pelos países desenvolvidos. O surgimento
de zonas de acirramento competitivo comercial pode afetar o padrão de
enriquecimento vigente no planeta e favorecer a consolidação de uma nova ordem
decisória, para assuntos de suma importância na contemporaneidade. Aliás, isso
de certa forma ajuda a explicar o saudosismo que invadiu o cenário político
atual, especialmente, pelas mãos da ultradireita, que tenta desesperadamente resgatar
velhas crenças, valores e convicções que transitam na mais completa contramão
do mundo contemporâneo.
A grande verdade é que não há
nada de errado com a postura brasileira, nesse momento. A reação, de uns e
outros por aí, decorre justamente do fato de estarem tão acostumados a um
padrão histórico de mundo, que não esperavam que a defesa da democracia brasileira
pudesse vir acompanhada de um conjunto de posicionamentos impulsionados por uma
afirmação pós-colonial. Por uma capacidade de leitura da realidade contemporânea
que não aceitasse, simplesmente, a satisfação dos interesses e demandas das grandes
economias; mas, que buscasse compatibilizá-las aos interesses e demandas dos países
em desenvolvimento.
Aos que estão torcendo o nariz e
ostentando a sua forma limitada de enxergar os acontecimentos, penso que
deveriam sentir alegria por ver a poeira da história sendo sacudida, em momento
tão oportuno. Como na velha fábula de Esopo 2,
“O problema de um é problema de todos”.
Portanto, o movimento em busca de mobilidade diplomática que o Brasil está
realizando, apesar de ousado, é importantíssimo não só para fortalecer a
democracia; mas, para alavancar novos caminhos para o desenvolvimento e o
progresso global.
Assim, quando o Brasil se permite
ter vez e voz nas tribunas do mundo, mostra que tem opinião, que sabe defender
seus pontos de vista sem se deixar enredar pelas perspectivas alheias. É, ele
faz um caminho sem volta para resgatar a sua dignidade e a sua importância no
cenário internacional. Relembrando o que escreveu René Descartes, “Pessoas que hesitam constantemente não
chegam a lugar nenhum, como se andassem em círculos. Uma decisão uma vez tomada
deve ser assumida com firmeza tal como uma hipótese científica que deve ser
verificada. Se ela for demonstrada falsa, pelo menos saberemos com certeza que
esse caminho não deverá ser novamente trilhado. Ganho sempre haverá, no caso, o
reconhecimento do erro”. Se nessa empreitada, então, o Brasil vai acertar mais
do que errar, só o tempo dirá; mas, pelo menos, ele não se permitiu acomodar em
uma zona de pseudoconforto alienante e constrangedora.