É
preciso corrigir a rota!
Por
Alessandra Leles Rocha
Veja bem, não é porque uma
história começa a partir de certas linhas que essas, obrigatoriamente, precisam
determinar o seu curso. No entanto, o Brasil ao querer se prender, com unhas e
dentes, às suas origens coloniais deixou escapar entre os dedos milhões de
oportunidades de desbravar outros caminhos. E como de costume, ao invés de refletir
a respeito desse comportamento, no mínimo, equivocado, busca na discursividade
de suas narrativas elementos que possam, de alguma forma, justificar a sua
resistente posição retrógrada.
Não lhe parece estranho que, em plena
efervescência contemporânea, quando tudo muda em um piscar de olhos, o Brasil
reafirme para si e para o mundo a sua total devoção ao setor primário da
economia, especialmente, ao agronegócio? Tudo começou daí. Com um avassalador extrativismo
das madeiras de lei que constituíam a cobertura vegetal do território, com
destaque para o Pau-Brasil.
Em seguida, vieram as plantations de cana-de-açúcar, predominantes
no Nordeste. Depois, o Ciclo do Ouro nas Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. O Ciclo
do Algodão para atender as demandas da produção têxtil, que marcava a Revolução
Industrial, na Inglaterra. O Ciclo do Café, também, com suas enormes plantations, no Oeste Paulista e Vale do
Paraíba, visando a exportação. O Ciclo da Borracha, na região Amazônica, para
atender as demandas das três primeiras Revoluções Industriais. Isso sem contar,
com a marcha de expansão do interior brasileiro, que impulsionou os diferentes
tipos de criação animal para abate e consumo.
A subserviência a essa dinâmica, durante
a colonização, é compreensível. O Brasil não tinha vez e voz para se posicionar
de outra maneira. Mas, por que não rompeu essa estrutura depois da sua independência?
Embora pertinente a pergunta, a resposta é frustrante. Infelizmente, a estrutura
socioeconômica dominante já estava consolidada e não permitiu. Bem estabelecido,
o setor primário nacional não viu razões para desestabilizar a sua influência e
poder, a fim de se ajustar a corrente de transformações que se operava no
mundo. Simplesmente, não quiseram trocar o certo pelo duvidoso e se colocar no
mercado competitivo das grandes economias globais.
Ainda que o tempo tenha lhes
obrigado a investir em novas tecnologias e conhecimentos científicos, a essência
das suas práxis permaneceu a mesma, porque as condições geográficas do país,
por si só, já lhes favorecem a manutenção de números expressivos no âmbito do
Produto Interno Bruto (PIB) nacional. E escorando-se nessa imagem bem-sucedida
e poderosa, eles omitem do inconsciente coletivo as verdades indigestas que
permeiam as suas respectivas atividades.
Começando pelo fato de que eles
não estão, nem nunca estiveram, verdadeiramente comprometidos com a totalidade
do desenvolvimento e do progresso socioeconômico brasileiro. Haja vista como eles
são vorazes, quando o assunto é uma possível competição com o setor secundário,
por exemplo. Além da disputa direta com a industrialização pela influência e
poder decisório do país, há de se considerar, também, o fato de que a indústria
tende a criar perspectivas sociais melhores para a população. O que significa mais
geração de empregos formais, salários mais atrativos, melhor qualificação profissional.
O que desconstruiria o paradigma histórico, o qual sempre esteve limitado a uma
perspectiva de cenário socioeconômico imposto pelo setor primário, possibilitando
assim, o desencadeamento de conflitos e tensões.
Mas, se eles se opõem àqueles
que, pelo menos em tese, estão no mesmo patamar de poder capital, imagina como
se comportam em relação àqueles que sempre estiveram em outras camadas da pirâmide
social? Isso explica a fúria obsessiva que certos segmentos do setor primário
têm em relação a quaisquer propostas ou discussões quanto à política de reforma
agrária no país. Não é só uma questão que orbita eventuais invasões e ocupações
de propriedades, ou de depredação de patrimônio, por parte de movimentos
sociais que defendem uma outra visão fundiária. A grande verdade é que eles têm
uma convicção histórica consagrada, em relação a essas pessoas, que lhes impede
sequer de admitir que elas possam disputar o mesmo espaço produtivo, porque
isso significa colocá-las em um novo status
quo social. Para eles, essa gente que sempre esteve à margem,
invisibilizada, preterida, condicionada a servir e a produzir, segundo os
interesses das elites, não pode ascender jamais.
Portanto, enquanto o setor
primário se deleita com números estratosféricos da sua produção, voltada prioritariamente
à exportação, ele desconsidera os meios ignóbeis que se vale para alcançar a
manutenção das regalias e dos privilégios de sua ínfima casta. Acontece que a
contradição nacional choca! Não apenas porque uma minoria se enriquece à custa
de uma maioria. Mas, porque é visível o apreço que se tem pelo TER em detrimento
do SER, como se essa fosse uma prática normal.
Ora, um país de dimensões
continentais, como é o Brasil, que exporta milhões de toneladas de grãos é o mesmo
que se permite, em pleno século XXI, conviver com a fome e a miséria de uma
gigantesca parcela de cidadãos. Que se permite conviver com o envenenamento humano,
e de outras diferentes espécies, pelo uso indiscriminado de agrotóxicos e agentes
químicos na sua produção agrícola e pecuária, sob o pretexto de aumentar uma produção
que está longe de ser acessível à população. Que se permite ainda conviver com
a recorrência da prática de trabalho análogo à escravidão. ...
O país que exporta toneladas de
minérios é o mesmo que se permite conviver com a iminência da ruptura de
barragens, a destruição de pequenos municípios, a desapropriação sumária de habitantes
locais, a dizimação de povos originários, a poluição de cursos hídricos e
tantos outros impactos socioambientais gravíssimos. O que significa que, há 500
anos, o Brasil não viu outro quadro senão da sua exploração mais brutal e
perversa, acontecendo bem diante do seu nariz e da sua permissividade
alienante.
Por sorte, a mudança do cenário
político-partidário brasileiro, na última eleição, sinaliza uma oportunidade para
avanços nessas discussões, não só pela simpatia que o governo rende ao assunto;
mas, pelas exigências do progresso contemporâneo quanto a um primeiro setor da
economia pautado pelo aprimoramento do bem-estar humano baseado na equidade
social simultaneamente à redução de riscos e escassez ambiental.
Nesse sentido, é com base em
dados técnicos, produzidos pelos mais importantes centros de pesquisa e ciência
globais, que as discussões devem se dar. O que o mundo espera como nova ordem
produtiva depende dessa disponibilidade civilizatória de dialogar e traçar um
equilíbrio de forças dotado de justiça. Porque a realidade contemporânea não
permite mais tratar apenas de interesses de propriedade e/ou econômicos; mas,
de outras variáveis que afetam a estabilidade da produção no mundo. Guerras.
Eventos extremos do clima. Escassez e contaminação hídrica e dos recursos
naturais. Desmatamento. ...
Aliás, aproveito a oportunidade
para dizer que considero lamentável a decisão do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) em promover invasões de propriedade, nesses últimos quatro
meses, se apropriando da premissa de o atual governo brasileiro não lhes ser
hostil. Lamento, mas esse tipo de estratégia não é capaz de substituir uma mesa
de negociação plural e aberta à dialogia do consenso. Nessas alturas do
campeonato, isso é pura falta de visão e de estupidez. Ninguém pressiona
governo algum ocupando propriedades, hasteando bandeiras de beligerância,
depredando patrimônio alheio!
Em tempos, como os atuais, o MST
precisa reconhecer que as Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs)
propiciam muito mais a construção difamatória e odiosa a seu respeito, com base
nas imagens das ocupações, do que enaltecendo seus esforços para se tornar, há
mais de dez anos, por exemplo, o maior produtor de arroz orgânico da América
Latina. Há um ditado que diz, “o apressado come cru”! O imediatismo do
MST produziu um desserviço coletivo sem precedentes, a tal ponto que uma “CPI foi criada pela Câmara após invasão de
terras pelo movimento” 1.
Sem dar tempo ao tempo, sem
arrancar uma conquista sequer das suas pretensões, eles criaram tumulto para si
e para um país que tenta se reerguer de tantos escombros de natureza política,
econômica e social. Já dizia o historiador grego Heródoto, “A pressa gera o erro em todas as coisas”. Assim, ela afasta
qualquer possibilidade de êxito, de sucesso, de vitória, porque não se permite a
lucidez de análise e de reflexão sobre os prós e os contras, ou seja, sobre os
traços que definem as expectativas de futuro.