Democracia.
Guerras. Globalização. Pare, pense e reflita!
Por
Alessandra Leles Rocha
Já está mais do que historicamente
provado que as guerras não contribuem para o desenvolvimento e o progresso, nem
tampouco, para a manutenção do processo civilizatório. Contudo, elas estão aí!
Em maior ou em menor escala. Ampliando as tensões, cronificando as mazelas, erguendo
muros, enviesando relações. O que leva a crer que os seres humanos não são
mesmo gente de paz!
Infelizmente, observando com
bastante atenção aos acontecimentos, internos e externos, tendo a me convencer cada
vez mais a esse respeito. Basta ver como a defesa de certos valores e
princípios, quando vista bem de perto, se mostra extremante frágil e vulnerável,
como no caso, por exemplo, da Democracia.
Tem sido necessária uma expansão profundamente
significativa do extremismo, do radicalismo, do autoritarismo, em diferentes direções
e sentidos, fazendo emergir expressões dissimuladas da Democracia, para que a
humanidade se despertasse e entendesse que o ideário democrático estava sob
ameaça no mundo. O que nos leva a perceber que a sua importância não era
absoluta. Afinal, aquilo que realmente importa é mantido como prioridade, sob atenção
e vigilância constante.
Aí você descobre que não foi bem
assim, que a história veio se escrevendo. Sob excesso de confianças tecnocientíficas,
bélicas, estratégicas e capitais, a geopolítica dos países dominantes se
permitiu relaxar em relação a certos assuntos, como se suas zonas de conforto
estivessem verdadeiramente asseguradas, distantes de quaisquer iminências de
risco. A altivez, o orgulho, a vaidade, foi o que lhes cegou a tal ponto que
perderam o discernimento crítico e analítico quanto às filigranas dos acontecimentos.
Um bom exemplo desse processo foi
a invasão e anexação da Crimeia e Sevastopol à Federação Russa, em 2014. Ultrapassando
todos os limites da Diplomacia Internacional, esse episódio pode ser
considerado um ensaio, muito bem-sucedido, pelo governo russo nas suas
pretensões expansionistas e antidemocráticas. Se naquela ocasião tivesse
existido o mesmo sentimento de resistência pelos ucranianos e um apoio maciço de
outros países, como vêm acontecendo desde 2022, o curso da história teria sido
outro.
No entanto, a tendência de
aguardar o arrefecimento espontâneo dos conflitos é um prato cheio para
fomentar o extremismo e o radicalismo de quem vive da beligerância. Abre-se um precedente
importante para o arraigamento das partes, diante de certas posições, deixando
cada vez mais clara a inexistência de espaços para a construção dialógica diplomática.
Quanto mais se espera, mais se torna o horizonte de uma solução, rápida e
efetiva, distante.
Daí esses cenários serem capazes
de demonstrar, por exemplo, como não há um senso democrático comum para o mundo;
mas, que coloca a Democracia sob diversas interferências de interesses pessoais
de cada nação. Como se a Democracia pudesse ter milhares de identidades a
partir da perspectiva de cada um dos atores envolvidos. Acontece que Democracia
é Democracia. Ou ela existe inteira, plena, completa, ou não existe. Do mesmo
modo que não dá para dizer que apoia uma guerra e não apoia outra. Que uma
guerra é justa e outra não.
Talvez, isso explique porque “Uma das grandes ironias de como as
democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada
como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam criar
crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança –
guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas
antidemocráticas”1 (Steven Levitsky).
Naquela velha máxima do “faça o que eu falo, mas não faça o que eu
faço” acaba, então, se construindo caminhos para uma manipulação de
sentido, a qual tende a formular imagens que favorecem ou não às adesões de
apoio. Especialmente, em razão do fato de que o mundo ainda resiste aos velhos
padrões de dominação geopolítica, que interferem na autonomia das relações. Tratam-se
de questões que ultrapassam históricas cordialidades diplomáticas, para se definirem,
muitas vezes, como expressões de dependência econômica e comercial.
Assim, tanto a Democracia quanto à
guerra acaba se equilibrando em um eterno “pisar
em ovos”, o qual faz perder totalmente a capacidade resolutiva em torno da convivência
e da coexistência pacífica global. Ora, em razão de as relações sociais,
políticas e econômicas serem arbitrariamente elevadas à uma relativização
absurda, por certos vetores do processo, a perda se intensifica.
No entanto, não se engane que a situação
para por aí. Sem que você perceba, há algo importantíssimo presente nos
movimentos dessa erosão bélica e democrática que é a flagrante ameaça à
globalização. Afinal, quando se
flexibiliza demais o que é ou não prioridade, quando se abstém da vigilância e da
atenção sobre as dinâmicas vigentes no mundo, o ideário de integração global se
esfacela.
O que significa que o aumento do
consumo, o maior volume de informações, o desenvolvimento tecnocientífico, a
redução dos direitos trabalhistas, o aumento da concorrência entre países e
empresas e a massificação cultural, por exemplo, tendem a se perder. Pois ao contrário de constituir e aperfeiçoar
uma rede de conexões, passa a se consolidar um processo de hegemonização, com
vistas a concentrar o desenvolvimento e o progresso nas mãos de um único centro
de poder.