sábado, 15 de abril de 2023

Delírios. Placebos. Onde tudo isso vai nos levar?


Delírios. Placebos. Onde tudo isso vai nos levar?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A notícia de que “Deputados querem ‘big brother’ nas escolas com câmeras, detectores e reconhecimento facial” 1 é, no mínimo, curiosa. Apesar de, no Brasil, situações de ampla repercussão e comoção pública serem costumeiramente tratadas sob vieses de publicização oportunista, essa ultrapassa os limites do decoro.

É claro que a violência merece atenção! É claro que medidas precisam ser tomadas! Mas, não a toque de caixa, sem análise, sem critério, sem planejamento, sem bom senso. Porque manchetes assim, transpiram uma midiatização das mazelas sociais sem traduzir nada de efetivamente concreto, coerente e eficaz. E por essa razão, notícias como essa, a mim provocam um desalento, um desânimo profundo, com a classe política nacional.

Tratar uma questão tão vasta e complexa como essa, baseando-se em realidades internacionais de primeiro mundo, infelizmente, passa sim, uma impressão de deboche, de escárnio. Esse não é um momento de palanque, de promessas vazias e inalcançáveis, tendo em vista que propostas dessa envergadura demandam um volume de investimento que se encontra fora de qualquer expectativa atual.

Para início de conversa, segundo o Censo Escolar realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2021, o país tem no ensino infantil 112.927 escolas, no fundamental 123.585, e no médio 29.167 2. Além disso, as diferentes realidades regionais, impostas naturalmente pela própria dimensão continental do país, levam a construção de perfis muito distintos em termos logísticos e de infraestrutura para essas instituições de ensino.

Isso obrigaria, quaisquer intervenções nos moldes citados, então, a um planejamento técnico muito bem elaborado para demonstrar potencial de exequibilidade e viabilidade econômica, para que não houvesse prejuízo; sobretudo, ao erário público. Sem contar que algo dessa natureza demandaria um tempo que não parece existir no momento, dada a gravidade e a intensificação dos episódios de violência em espaços de educação.

Mas, esmiuçando a análise, se percebe que algo destoa da discussão. Mais uma vez, não é a Educação que está sobre a mesa de discussão. E esse é o ponto! Temos que ser honestos e admitir que, se não parte diretamente dos legisladores nacionais o mais profundo descaso com a Educação nacional, de algum modo eles compartilham e referendam políticas que afetam negativamente o setor, sob diferentes conteúdos e formas.

Informações lastimáveis que nos chegam amiúde, não somente pelo trabalho dos veículos   de comunicação, tradicionais e independentes; mas, sobretudo, pelos resultados de pesquisas nacionais e internacionais, apontando um arcabouço de fragilidades, de precariedades, de insuficiência e ineficiências na formação educacional, há décadas, no país.

Portanto, se o debate sobre a violência dentro da escola emergiu, é preciso olhar para essa realidade. Se não parte dela (a Educação) a maior fatia de responsabilidades a respeito, teria sido dela o papel protagonista na construção de um outro cenário social. Pois é, se a educação fosse, como é ou se tornou para diversos países no mundo, uma política pública prioritária, tanto para a formação intelectual e técnica quanto cidadã, crianças e jovens estariam desde cedo sendo letrados no mundo digital.

Isso significa que esse olhar lançado para armas de fogo e/ou armas brancas nas mãos de jovens e crianças é inócuo. A grande ameaça para as gerações contemporâneas está no mundo virtual, nas suas redes sociais, nos seus espaços de convivência cibernéticos. E essa é uma ameaça que age no centro cognitivo e intelectual das pessoas, manipulando, induzindo, controlando, fomentando discursos e narrativas altamente perigosos e potencialmente destrutivos, sem que encontrem maiores resistências e barreiras a respeito.

Daí a relevância de se construir um sistema educacional capaz de enfrentar esse desafio, ainda que a velocidade de desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) seja muito maior do que se possa imaginar. O mínimo a se fazer é trazer formação e informação tecnológica para o centro da Educação, em todos os níveis de ensino, a partir de diferentes estratégias que exponham não só as vantagens; mas, principalmente, os riscos presentes no mundo virtual.

No entanto, é fundamental que todas as instituições de ensino brasileiras, sem exceções, estejam efetivamente preparadas com investimento logístico, tecnológico e humano para desenvolver esse viés da história. Aliás, não somente ele; pois, não se pode esquecer de toda a estrutura psicossocial que precisa existir, simultaneamente, também. A Educação contemporânea, ou do século XXI, não acontece escorada apenas nas novas tecnologias; mas, na humanização das relações e processos de ensino-aprendizagem.

Imersos em uma realidade altamente narcísica, egoísta e individualista, não basta, por exemplo, apresentar os aspectos criminais envolvidos no mau uso das tecnologias - furto de dados, calúnia/injúria/difamação, incitação/apologia ao crime, pornografia infantil, racismo, pirataria digital, divulgação de fotos íntimas, plágio –, como forma de coibir práticas delituosas pelos alunos.

É essencial trabalhar no resgate das emoções, dos sentimentos, das necessidades subjetivas e imateriais, que afligem a sociedade contemporânea. Escola também é espaço de cuidar da saúde mental, principalmente, daqueles em fase de profundas transformações existenciais.   

A proposta dos legisladores beira, portanto, às raias do delírio estético, da aparência opulenta promovida pela tecnologia, enquanto abdica de olhar a realidade como ela é, com todas as suas venturas e desventuras. Como diz um certo provérbio, “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. Qualquer iniciativa que desconsidere esses cenários se resume em manter ativo um eterno “enxugar o gelo”, mais um placebo para a coleção de medidas insuficientes e ineficientes adotadas para a Educação nacional.

O que significa se colocar cada vez mais distante do desenvolvimento científico, técnico, cultural e cidadão, na medida em que se impede o país de ter uma Educação que expresse uma identidade própria, capaz de lidar com suas demandas e desafios. Não se pode invisibilizar o fato de que as figuras principais do processo educacional são pessoas, cidadãos brasileiros, gente que vive a realidade e responde a ela, de algum modo. Então, é sobre a Educação, o futuro do país, a qualidade de vida, o bem-estar social, ... que os nobres legisladores precisam empenhar, cada vez mais, os seus esforços.