Delírios.
Placebos. Onde tudo isso vai nos levar?
Por
Alessandra Leles Rocha
A notícia de que “Deputados querem ‘big brother’ nas escolas
com câmeras, detectores e reconhecimento facial” 1
é, no mínimo, curiosa. Apesar de, no Brasil, situações de ampla repercussão e
comoção pública serem costumeiramente tratadas sob vieses de publicização
oportunista, essa ultrapassa os limites do decoro.
É claro que a violência merece
atenção! É claro que medidas precisam ser tomadas! Mas, não a toque de caixa,
sem análise, sem critério, sem planejamento, sem bom senso. Porque manchetes
assim, transpiram uma midiatização das mazelas sociais sem traduzir nada de
efetivamente concreto, coerente e eficaz. E por essa razão, notícias como essa,
a mim provocam um desalento, um desânimo profundo, com a classe política
nacional.
Tratar uma questão tão vasta e
complexa como essa, baseando-se em realidades internacionais de primeiro mundo,
infelizmente, passa sim, uma impressão de deboche, de escárnio. Esse não é um momento
de palanque, de promessas vazias e inalcançáveis, tendo em vista que propostas
dessa envergadura demandam um volume de investimento que se encontra fora de
qualquer expectativa atual.
Para início de conversa, segundo
o Censo Escolar realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2021, o país tem no ensino infantil 112.927 escolas, no fundamental
123.585, e no médio 29.167 2. Além
disso, as diferentes realidades regionais, impostas naturalmente pela própria
dimensão continental do país, levam a construção de perfis muito distintos em
termos logísticos e de infraestrutura para essas instituições de ensino.
Isso obrigaria, quaisquer
intervenções nos moldes citados, então, a um planejamento técnico muito bem
elaborado para demonstrar potencial de exequibilidade e viabilidade econômica,
para que não houvesse prejuízo; sobretudo, ao erário público. Sem contar que
algo dessa natureza demandaria um tempo que não parece existir no momento, dada
a gravidade e a intensificação dos episódios de violência em espaços de
educação.
Mas, esmiuçando a análise, se
percebe que algo destoa da discussão. Mais uma vez, não é a Educação que está
sobre a mesa de discussão. E esse é o ponto! Temos que ser honestos e admitir
que, se não parte diretamente dos legisladores nacionais o mais profundo
descaso com a Educação nacional, de algum modo eles compartilham e referendam
políticas que afetam negativamente o setor, sob diferentes conteúdos e formas.
Informações lastimáveis que nos
chegam amiúde, não somente pelo trabalho dos veículos de comunicação, tradicionais e
independentes; mas, sobretudo, pelos resultados de pesquisas nacionais e internacionais, apontando um arcabouço de fragilidades, de precariedades, de insuficiência e
ineficiências na formação educacional, há décadas, no país.
Portanto, se o debate sobre a
violência dentro da escola emergiu, é preciso olhar para essa realidade. Se não
parte dela (a Educação) a maior fatia de responsabilidades a respeito, teria
sido dela o papel protagonista na construção de um outro cenário social. Pois
é, se a educação fosse, como é ou se tornou para diversos países no mundo, uma
política pública prioritária, tanto para a formação intelectual e técnica
quanto cidadã, crianças e jovens estariam desde cedo sendo letrados no mundo
digital.
Isso significa que esse olhar lançado
para armas de fogo e/ou armas brancas nas mãos de jovens e crianças é inócuo. A
grande ameaça para as gerações contemporâneas está no mundo virtual, nas suas
redes sociais, nos seus espaços de convivência cibernéticos. E essa é uma ameaça
que age no centro cognitivo e intelectual das pessoas, manipulando, induzindo,
controlando, fomentando discursos e narrativas altamente perigosos e
potencialmente destrutivos, sem que encontrem maiores resistências e barreiras
a respeito.
Daí a relevância de se construir
um sistema educacional capaz de enfrentar esse desafio, ainda que a velocidade
de desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) seja
muito maior do que se possa imaginar. O mínimo a se fazer é trazer formação e
informação tecnológica para o centro da Educação, em todos os níveis de ensino,
a partir de diferentes estratégias que exponham não só as vantagens; mas,
principalmente, os riscos presentes no mundo virtual.
No entanto, é fundamental que
todas as instituições de ensino brasileiras, sem exceções, estejam efetivamente
preparadas com investimento logístico, tecnológico e humano para desenvolver esse
viés da história. Aliás, não somente ele; pois, não se pode esquecer de toda a
estrutura psicossocial que precisa existir, simultaneamente, também. A Educação
contemporânea, ou do século XXI, não acontece escorada apenas nas novas
tecnologias; mas, na humanização das relações e processos de
ensino-aprendizagem.
Imersos em uma realidade
altamente narcísica, egoísta e individualista, não basta, por exemplo,
apresentar os aspectos criminais envolvidos no mau uso das tecnologias - furto
de dados, calúnia/injúria/difamação, incitação/apologia ao crime, pornografia
infantil, racismo, pirataria digital, divulgação de fotos íntimas, plágio –,
como forma de coibir práticas delituosas pelos alunos.
É essencial trabalhar no resgate
das emoções, dos sentimentos, das necessidades subjetivas e imateriais, que
afligem a sociedade contemporânea. Escola também é espaço de cuidar da saúde
mental, principalmente, daqueles em fase de profundas transformações
existenciais.
A proposta dos legisladores
beira, portanto, às raias do delírio estético, da aparência opulenta promovida
pela tecnologia, enquanto abdica de olhar a realidade como ela é, com todas as
suas venturas e desventuras. Como diz um certo provérbio, “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. Qualquer iniciativa
que desconsidere esses cenários se resume em manter ativo um eterno “enxugar o gelo”, mais um placebo para a
coleção de medidas insuficientes e ineficientes adotadas para a Educação
nacional.
O que significa se colocar cada
vez mais distante do desenvolvimento científico, técnico, cultural e cidadão,
na medida em que se impede o país de ter uma Educação que expresse uma identidade
própria, capaz de lidar com suas demandas e desafios. Não se pode invisibilizar
o fato de que as figuras principais do processo educacional são pessoas,
cidadãos brasileiros, gente que vive a realidade e responde a ela, de algum
modo. Então, é sobre a Educação, o futuro do país, a qualidade de vida, o
bem-estar social, ... que os nobres legisladores precisam empenhar, cada vez
mais, os seus esforços.