A
pseudovalentia dos heróis de papel
Por
Alessandra Leles Rocha
A percepção de que há uma relação
direta entre a exasperação da violência e as redes sociais tem sido cada vez
mais reafirmada, por conta de episódios explícitos de barbárie ocorridos dentro
e fora do território nacional. Afinal, nem só de flores e de alegrias se
reveste o cenário das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).
A ideia de um espaço que não se
limita pelo tempo, ou pelas imposições naturais da geografia, ou por um franco
descompromisso com a realidade factual da vida, abriu precedentes impensados
aos parâmetros éticos e morais. Assim, como “Terra
de ninguém”, muitos passaram a ver e a lidar com essa novidade. Como se o
mundo virtual oportunizasse aos indivíduos a realização de seus desejos e
vontades mais secretos e inconfessáveis, em face de uma eventual dificuldade de
responsabilização, de culpabilização.
Algo que, portanto, deu vez e voz
para qualquer um. De repente, o ser humano passou a ser medido e pesado,
segundo a sua participação nas arenas digitais. Sob likes, curtidas e
comentários, ele ganha ou não a sua notoriedade no mundo. Ele adquire a sua pseudocredencial
de pertencimento, de visibilidade, de poder. O que está em jogo não é a sua
credibilidade, ou a sua expertise nesse ou naquele assunto; mas, a sua capacidade
de interagir e de chancelar o pensamento de milhares de outros que não dispõem da
mesma acessibilidade e espaço midiático.
E é aí que reside o perigo. Para o
bem ou para o mal, a fragilidade discursiva e comunicativa, que incide nesse
movimento, abre um flanco para as alienações e as doutrinações dentro de uma sociedade
cada vez mais superficial e menos afeita à análise e à reflexão. Basta um
piscar de olhos para levar milhares de pessoas a se integrarem ao efeito manada
do cotidiano. Tudo depende do nível de simpatia e de adesão que o indivíduo
consegue conquistar e extrair da sua legião de seguidores virtuais.
Não é à toa que tantos notórios
venham pegando carona nesse movimento para amplificar a sua presença. Artistas,
desportistas, políticos, profissionais liberais, enfim. Pena que, até mesmo,
entre eles reside a despreocupação ética e moral dos conteúdos apresentados. Como
se não houvesse quaisquer desconfortos ou constrangimentos em relação à
verborragia presente na sociedade contemporânea.
Falam pelos cotovelos. Propagam
bobagens, insultos, violências, preconceitos, com uma naturalidade espantosa.
Depois, quando são pegos na flagrância de seus delitos, tentam se desculpar, se
justificar, se redimir, de algum modo. Como se isso fosse possível! Só que não.
O que falam e/ou fazem não passa de uma imprevidente revelação do lado obscuro de
si mesmos. Deformidades da alma que, de repente, se sentem confortáveis e
amparadas pela legitimidade social oferecida por uns e outros.
Acontece que tudo isso tem sim, repercussões,
desdobramentos, consequências, inimagináveis. Ora, as fronteiras do mundo
virtual são muito mais flexíveis do que muitos creem. Elas atingem uma
diversidade e uma pluralidade social imensa; sobretudo, no que diz respeito à
idade. É sob as atuais e futuras gerações que esse impacto tende a ser ainda
mais devastador, dada a imersão que elas têm no mundo tecnológico.
Por isso, não há razão para se tentar
subverter a lógica dos acontecimentos, apelando para contemporizações que só
fazem fomentar a legitimação da desordem e do caos social 1.
Criando uma pseudoideia de superioridade entre os indivíduos, a tal ponto de
que não precisam se submeter às regras sociais vigentes.
Vejam que a própria doutrina jurídica
traz a figura do mentor intelectual, ou seja, aquele que inspira, estimula,
cria ou orienta no campo das ideias, ações, projetos ou realizações delituosas.
O que prova, de maneira cabal, que por trás de gestos e palavras pode existir
intenções de prejuízo coletivo inestimáveis.
Sobretudo, considerando, como já
disse anteriormente, uma fragilidade discursiva e comunicativa, oriunda de uma
intensa verborragia contemporânea, que compromete visivelmente o balizamento ético
e moral dos indivíduos. Aliás, é importante ressaltar também que alguns não tem
sequer preparo cognitivo e intelectual suficiente para tecer considerações a
respeito das publicações que chegam ao seu conhecimento, tornando-se alvos
fáceis das paixões mundanas e seus modismos.
Só para constar, antes de
finalizar essa breve reflexão, acabo de ler a seguinte notícia: “Ataque a colégio de Santa Tereza de Goiás
deixa 2 alunos e 1 professora feridos, diz PM” 2.
Como escreveu o filósofo Bertrand Russell, “O
problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de
dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas...”. É por essas e
por outras que “Não devemos procurar
heróis, devemos procurar boas ideias” (Noam Chomsky).