Medido,
pesado e julgado insuficiente???
Por
Alessandra Leles Rocha
Quando você pensa que a
contemporaneidade já chegou no seu limite de deselegâncias, de desrespeitos, de
violências e de desumanidades, eis que você é surpreendido dentro das nuances mais
corriqueiras do cotidiano.
Há tempos que venho trazendo
reflexões a respeito da precarização do trabalho, seja em forma ou em conteúdo;
mas, ainda não tinha abordado nuances mais sutis desse processo, como por
exemplo, dispensas e demissões.
Daqui e dali se ouve histórias de
pessoas, famosas e comuns, que já experimentaram o dissabor de se descobrirem preteridos
no mercado de trabalho, por redes sociais ou mensagens de aplicativos ou
e-mail.
A questão não é somente o modo em
si da demissão, que nos leva a entender esse mecanismo frio, calculista e desumanizado
de tratar as relações sociais de trabalho. Acontece que por trás desse modus
operandi se estabelecem vazios dialógicos que jamais serão respondidos.
Na medida em que o ser humano é
visto e entendido como objeto mercantilizado, por conta do seu conhecimento,
habilidades, competências, talentos, o mundo contemporâneo o desconstruiu e
destituiu da sua dignidade humana, o que implica necessariamente na perda do
direito ao respeito, à deferência, à cortesia.
De repente, o ser humano é só
mais um na fila do pão! Suas crenças, valores, convicções, emoções e
sentimentos, nada disso importa no mercado de trabalho. O curioso é que, independente
das circunstâncias de contratação, faz parte da praxe trabalhista a escolha do
candidato mediante a apresentação de um currículo, o qual representa o início
do processo seletivo.
Entretanto, na hora de dar-lhe um
feedback quanto à contratação ou demissão, as palavras do contratante
desaparecem como em um passe de mágica. Sem saber o que dizer, ou como justificar
uma escolha, acaba não sendo incomum se deparar com um discurso assim, “na etapa de atividade prática, as
habilidades e competências requeridas pelo cargo não apresentaram total
aderência às habilidades apresentadas pelo fulano de tal, neste momento”.
Tão vaga a tentativa de
justificar ao candidato que ele foi preterido na seleção, não é mesmo? Mas o
pior não é isso. O pior é que retira dele (a) a possibilidade de saber
efetivamente em que pontos ele (a) ficou aquém das possibilidades e deveria
melhorar para a participação em um outro momento, em uma outra seleção.
Acontece que nem tudo pode ser
dito, no caso do trabalho, porque certas justificativas configuram elemento
potencial de judicialização. Etarismo, racismo, misoginia, homo e transfobia,
gordofobia, são só alguns dos inúmeros critérios de seleção trabalhista que recorrentemente
aparecem no Brasil do século XXI; mas, desaparecem nas entrelinhas de estratégias
de entrevista de recrutamento, as quais não costumam deixar rastros dessa
materialidade ofensiva e criminosa. Como se tentassem deixar o dito pelo não
dito.
Recentemente, o anúncio de uma
vaga de emprego para uma feira agropecuária, no interior de SP, gerou polêmica e
indignação ao estabelecer que os candidatos homens e mulheres tivessem perfil de
academia, corpo malhado 1. Ainda que a empresa contratante e os organizadores
tenham manifestado repúdio a qualquer tipo de discriminação e conduta de
seleção por tal critério, foram unânimes em dizer se tratar de uma exigência do
cliente. Mas, pouco importa de quem foi a ideia abjeta, o que importa é que ela
foi colocada em prática.
E ao cair como uma bomba, nos
veículos de comunicação e informação, trouxe à luz de um viés pouco explorado,
quando o assunto é a relação desemprego e falta de mão de obra qualificada.
Será que as análises dos institutos de pesquisa especializados no assunto dão
conta, realmente, de mergulhar nas entrelinhas dessa subjetividade indigesta,
que tanto favorece a distorções repugnantes nas relações trabalhistas? Será que
o Ministério do Trabalho e Previdência e a Justiça do Trabalho já se atentaram
para essa realidade absurda no país?
Afinal, ao que tudo indica, esse
movimento sutil e vergonhoso que acontece na esteira das discussões sobre
precarização trabalhista, pode estar privando o ingresso formal de milhares de cidadãs
e cidadãos altamente talentosos e qualificados, com vasta habilidade e competência
nas suas áreas de atuação, em nome de critérios nada ortodoxos. Um país que
fala de desenvolvimento e progresso não pode se dar ao luxo de tratar sua força
de trabalho de maneira tão constrangedora e desumana.
Desse modo, quando ouvir falar
sobre precarização trabalhista preste atenção. Bem mais do que tratar da
flexibilização das relações de trabalho para elevar a margem de lucro dos
empregadores, ela começa a agir sorrateira e vergonhosamente na desqualificação
dos pretensos candidatos.
A precarização do trabalho,
portanto, criou uma ponte importante para a desumanização, a qual faz todos
perderem dia a dia seus valores éticos e morais, a sua sensibilidade e a sua
empatia, por conta de sua franca alienação nas estranhas cápsulas de individualismo
contemporâneo.